2012-07-14 11:55:44

De Dublin a Cabinda - Eucaristia: caminho de unidade, comunhão, purificação


Teve lugar de 10 a 17 de Junho em Dublin o 50º Congresso Eucarístico Internacional, sobre o tema: “Comunhão com Cristo e entre os Nós”. Nele participaram milhares de pessoas provenientes de 144 países. E muitos pastores, querendo levar os seus fiéis a estar em sintonia com aquele evento de Dublin, tão importante para a Igreja Universal, realizaram no mesmo período congressos diocesanos sobre a Eucaristia. Foi o caso, por exemplo, da Diocese de Cabinda, território encravado entre o Oceano Atlântico, a República do Congo (a norte) e a República Democrática do Congo (a sul) que o separa de Angola, ao qual pertence, constituindo uma das sua províncias. Para D. Filomeno Vieira Dias, bispo das cerca de 400 mil pessoas, em grande parte católicas, que povoam aquele território de 7.250 km2, tratou-se de pôr em prática o convite que lhe tinha sido feito pelo Papa João Paulo II quando, em 2005, o nomeou bispo de Cabinda. Foi também uma ocasião para recordar os 140 anos de celebração da primeira missa católica em Cabinda e os 120 de ordenação do primeiro sacerdote nativo daquela terra. Mas foi sobretudo para dar vida a um “grande momento de reflexão sobre a centralidade da Eucaristia na vida da Igreja e que nos torna capazes de agir em nome de Deus no Tempo e na História”. – sublinhou o purpurado, sem deixar de lado o aspecto social: tal como Cristo se doou a nós na Eucaristia, também nós somos chamados a ser “uma presença solidária” no mundo.

Era a primeira vez que se realizava um Congresso Eucarístico na Diocese de Cabinda. À Irlanda tocava, pelo contrário, realizar pela segunda vez um Congresso Eucarístico Internacional. O primeiro foi em 1932. O clima de então era certamente outro; estava-se num período florescente da Igreja no país, cujos antepassados – disse o Papa na sua vídeo-mensagem aos participantes no Congresso de Dublin – tinham sabido pregar o Evangelho, transmitir o amor pela fé e as virtudes cristãs, o sentido de penitência, de perdão... Herança esta que é nutrida, purificada, renovada no Altar do Senhor através do Sacrifício Eucarístico da Missa. Mas tudo isto foi abalado “de maneira horrível pela revelação de pecados cometidos por sacerdotes e pessoas consagradas em relação a pessoas que tinham sido confiadas aos seus cuidados”. Em vez de lhes indicar o “caminho para Deus” cometeram abusos sobre elas.

Para Bento XVI permanece um “mistério” o facto de pessoas que receberam regularmente o Corpo do Senhor na Eucaristia “tenham praticado tais ofensas”. Para elas comungar do Corpo e Sangue de Cristo sobre o Altar tinha-se tornado, talvez, num mero hábito, precisamente aquilo que o Concilio Vaticano II tinha procurado combater com a reforma litúrgica e que cada congresso eucarístico volta a pôr em foco. Com efeito, é desde sempre que, sobretudo nos momentos de perda de orientação colectiva, a Igreja volta a dirigir o olhar ao significado profundo da Eucaristia, como fonte de comunhão com Cristo e entre os homens, a fim de reencontrar a via justa a seguir, “o caminho para Deus”.

A grande adesão dos irlandeses ao 50º Congresso Eucarístico Internacional e a alegria com a qual o viveram deixa pensar que foi, sem dúvida alguma, um bálsamo para a Igreja no país. E não só, pois, embora de natureza diferente, os problemas e divisões humanas existem por todo o lado. Cabinda não é uma excepção. E provavelmente de entre os objectivos do seu Congresso Eucarístico Diocesano, realizado de 16 a 24 de Junho, estava também o desejo de consolidar as bases de uma fé consciente dos próprios fundamentos na Eucaristia para reforçar o esforço de comunhão entre todos naquela província angolana.

A Diocese de Cabinda passou, de facto, por momentos de turbulência. Basta pensar que D. Filomeno Vieira Dias pôde tomar posse só 14 meses depois da sua nomeação. Para alguns sacerdotes da Diocese, declaradamente favoráveis à independência daquele enclave em relação a Angola, a nomeação dum bispo não nativo de Cabinda e sobretudo se parente de altas personalidades do regime de Luanda, como é o caso do bispo escolhido, não favorecia a causa da independência daquela região. Foi necessário muita diplomacia eclesiástica para acalmar a situação, embora do ponto de vista sócio-político a FLEC-FAC, Frente (armada) de Libertação do Enclave de Cabinda, tenha voltado, tristemente, a dar sinal de vida, ao atacar, em 2010, a Equipa Nacional de Futebol do Togo quando esta entrava em Cabinda para a Taça da África que tinha lugar em Angola. Resultado: três mortos e nove feridos. Uma mensagem forte ao governo de Luanda para o levar a conceder a independência ou pelo menos uma autonomia ao enclave, donde se extrai cerca de 60% do abundante petróleo angolano, mas que, segundo muitos, está esquecido do ponto de vista sócio-económico. Um tiro no pé da parte da FLEC, visto que não se teve mais notícias de nenhuma negociação sobre a questão de Cabinda.

Na base das reclamações de independência está o chamado “Tratado de Simulambuco”, assinado a 1 de Fevereiro de 1885 entre Portugal e os reinantes de Cabinda, fazendo do enclave um protectorado da Coroa portuguesa, que pôde assim defender os próprios direitos sobre aquele território no famoso Congresso de partilha da África, realizado em Berlim naquele mesmo ano e no qual a França, Bélgica e Inglaterra manifestaram as suas pretensões sobre Cabinda.

Com o processo de independência de Angola, tanto Portugal como os três grandes movimentos de libertação (MPLA, FNLA e UNITA) deram por certo que Cabinda fosse parte de Angola, enquanto que os cabindas, inclusive alguns padres, continuam a reclamar, antes de mais, uma verdadeira descolonização para depois se passar a estudar o caminho a empreender: independência propriamente dita, um estatuto especial, ou autonomia.

Se humanamente isto é compreensível da parte de um sacerdote, por outro, a Exortação Apostólica “Africae Munus” recorda aos sacerdotes: “Ceder à tentação de vos transformardes em guias políticos ou em agentes sociais seria trair a vossa missão sacerdotal e prestar um mau serviço à sociedade, que espera de vós palavras e gestos proféticos”. E foi precisamente o Sínodo para a África de 2009, a sublinhar, mais uma vez, o carácter universal da Igreja, pondo em relevo a importância de aceitar que todos os seus ministros possam desempenhar a sua missão em qualquer parte do mundo, sem que a sua pertença étnica ou lugar de origem constitua um impedimento a isso.

E não é por acaso que o Núncio Apostólico em Angola, D. Novatus Rugambwa, tenha centrado a homilia da missa de encerramento do Congresso de Cabinda na ligação entre o sacerdócio e a Eucaristia, recordando que nasceram ao mesmo tempo e que a Eucaristia é a principal razão e o centro do sacerdócio. O sacerdote “dócil instrumento nas mãos de Cristo” é chamado a desenvolver – sublinhou – várias tarefas pastorais. Deve, portanto, estar atento a não dispersar-se, mas sim a “centrar a sua vida e o seu ministério na Eucaristia, dom de Cristo à Humanidade, Sacrifício de um Deus feito homem para a remissão dos nossos pecados e, consequentemente, fonte de reconciliação, de justiça e de paz.

A que outra mesa sentar-se todos juntos para reencontrar a paz, a unidade e a partilha do pão?! Se a mensagem é clara para o presbítero, que tem o privilégio de aproximar-se do Altar do Senhor e de repetir quotidianamente em Seu nome a partilha simbólica do pão e do vinho, não deve ser menos clara para aqueles que têm a tarefa de garantir a justiça social e a partilha équa do recursos nacionais para todos, tal como Jesus fez com os seus discípulos, instituindo a Eucaristia.

De entre as principais causas de divisão e injustiça que assolam Angola, estão os longos anos de guerra, terminada, felizmente, em 2002. Resta agora consolidar a paz, a reconciliação, a coesão social. Foi com este intento que mais de 40 angolanos participaram no Congresso Eucarístico Internacional de Dublin. Ali, muitos disseram ter rezado também pela unidade e a comunhão no próprio país, sobretudo no contexto desta delicada vigília das eleições gerais marcadas para 31 de Agosto próximo. Mas outros, como a irmã Maria da Conceição Adelina, Secretária Nacional das Escolas Católicas, passou do Congresso de Dublin ao de Cabinda, levando consigo um maior vigor para fazer com que a escola, a família, a sociedade actuem juntas para ajudar a criança a viver, desde cedo, os sacramentos, a Eucaristia, como um empenho a construir a comunhão com Deus e na sociedade.

O Núncio Apostólico mostrou-se convicto de que o Congresso Eucarístico Diocesano de Cabinda não demorará a dar frutos. Mas, os problemas da Humanidade, sabemos, são muitos e dispersos pelo mundo. Cristo prometeu permanecer connosco até ao fim dos tempos. E a Ele, ao Seu exemplo de doação completa ao outro, de perdão, comunhão e unidade, podemos sempre olhar a fim de encontrar o sopro, a força de caminhar na recta via.

No seu esforço de purificação e de ir beber continuamente à fonte da sua ninfa vital – a Eucaristia – a Igreja convida-nos a aderir sempre à comunhão não por hábito, mas consciente das suas justas consequências para a nossa vida pessoal e social. E ao fazê-lo todos os dias, somos também chamados a parar de vez em quando para reflectir, de forma mais aprofundada, sobre o significado e a beleza deste gesto. O próximo encontro mundial está marcado para 2016 em Cebú, nas Filipinas. Não falte!

Maria Dulce Araújo Évora – Programa Português - Rádio Vaticano










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