Morre Irmã Maria della Neve, exemplo de missão aos necessitados em Roma
Cidade do Vaticano (RV) – Urci Ferrari, mais conhecida pelos moradores de rua
de Roma como Irmã Maria della Neve, morreu no último dia 12, vítima de um câncer,
aos 79 anos.
Irmã Maria Mabel, que conviveu muitos anos com Irmã della Neve,
recordou este ano difícil de convívio com a doença: "o Cristo sofredor, que durante
toda a vida ela vislumbrou, amou e serviu nos pobres, tinha agora tomado forma nela
mesma. Com a mesma generosidade com que havia se doado, acolheu o sofrimento que agora
habitava no seu corpo, sem perder o ânimo, com um grande amor à vida, com o habitual
senso de humor e realismo que a fazia chamar o tumor de seu ‘irmão'".
Última
entrevista
Aproximadamente um mês antes de morrer, Irmã della Neve concedeu
sua última entrevista. Ela estava no seu pequeno e simples quarto da Casa Geral. O
interlocutor foi o Conselheiro Geral dos Missionários Verbitas em Roma, Pe. Arlindo
Pereira Dias.
Que experiências mais te tocaram junto aos pobres de Roma?
Irmã
Maria: Apesar de ter visto muita gente pobre no Brasil, não imaginava que as pessoas
pudessem chegar ao estado de algumas que encontrei nestes anos: cheias de piolho,
com o corpo todo ferido, inchadas, com feridas infectadas por terem dormido no chão
por períodos de até 18 anos. Sentia-me ferida por dentro ao ver as pessoas perderem
a dignidade. É duro ver pessoas sem casa, sem trabalho, sem seu núcleo familiar. Lembro-me
de uma senhora chamada Carmela. Ela pesava 130 quilos e não gostava de banho. Eu e
outra irmã fizemos amizade com ela. Finalmente ela aceitou ser lavada. Depois disto,
até decidiu ir ao cabeleireiro para ficar elegante no Natal.
Outra vez, o médico
do albergue me chamou e disse: Irmã Maria, chegou uma senhora. Não posso levá-la ao
hospital. Está tão suja e eles não aceitariam interná-la. Você teria coragem de lhe
dar um banho? Claro que sim, respondi. Tinha febre altíssima. Quando a levei ao banheiro
a roupa estava grudada ao corpo, pois um buraco se abriu em sua coxa de tanto ela
dormir no cimento. Eu a coloquei dentro da água com remédio. Quando passava remédio
vermes saíam de dentro. Disse à irmã que estava comigo: vá ao guarda-roupa e pegue
o melhor vestido que tiver. Quando terminamos, ela só sabia dizer em inglês: "meu
Deus, meu Deus!" Eu me perguntava: com uma pessoa consegue viver assim?
Que
espiritualidade brotou do serviço de limpar os pés das pessoas?
IM:
Às vezes, chegavam pessoas que não podiam andar. Numa Quinta-feira Santa o porteiro
e me disse: tem uma pessoa que não pode andar pois está com o pé todo ferido. As pessoas
que vem aqui na Caritas caminham durante todo o dia. Os pés delas são piores que os
pés de Jesus quando ele caminhava na Galileia. Dava medo. É preciso ter coragem! Mas,
para quem não tem, a coragem vem!
Ele não tinha onde colocar a mão de tanta
casca grossa, uma em cima da outra. Eu o coloquei sentado com o pé na água. Olhei
o relógio. Era a hora do lava-pés na Igreja e eu não podia ir. Tinha a impressão de
ver o rosto de Jesus naquela pessoa. Disse a mim mesma: é hora do lava-pés na Igreja,
mas eu não preciso me preocupar porque estou fazendo um serviço. Aqui eu o faço no
pé de uma pessoa viva que representa Jesus. Sabia que estava deixando Ele por ele.
Vivo esta situação espiritual de lavar os pés de Jesus nos pés do pobre.
Foi
a reflexão sobre o meu serviço no albergue. Nunca me arrependi de não poder rezar
as Vésperas com minhas irmãs quando tinha que ficar para servir aos pobres. Agora
que estou doente, isto me parece a coisa mais importante que há no albergue. O dia
melhor para mim é aquele que eu lavo os pés dos pobres, pois eu também me alivio de
algumas penas.
Eu recebi muito no albergue: a amizade, a confiança, o amor
que eles têm por mim. Às vezes, eles nos falam de coisas profundas da vida deles.
São Luis Orione nos dizia: “quando vocês ajudam as pessoas no corpo, devem ajudá-las
também no espírito. Vocês são mães e devem fazer um trabalho espiritual com os filhos”.
E esses filhos são muito especiais pra mim.
Como você vive a enfermidade?
IM:
Sempre tive muita saúde e força. Quando soube que tinha um tumor no pâncreas, rezei
muito para receber o resultado com calma, paz e serenidade. Eu não sou a primeira
a ter essa doença. Comecei então a minha via-sacra de ir e voltar do hospital. Dizem
que eu fui muito corajosa, mas durante a terapia não tive tanto problema.
Estou
vivendo a doença com muita serenidade. Não se pode sofrer com desespero. Houve um
momento em que, psicologicamente, comecei a ter medo. Tive muita ajuda espiritual
e apoio das pessoas que me querem bem. Estou muito serena. Fico triste porque neste
momento não posso fazer o meu serviço. Espiritualmente é duro, só mesmo segurando
nas mãos de Deus e confiando muito em Nossa Senhora. Eu rezo muito. Muita gente vem
me visitar. Recebi a unção dos enfermos e me deu muita força.
"É duro ver pessoas
sem casa, sem trabalho…Nunca imaginei que o meu batismo me daria tanta alegria!",
exclamou ela antes de dizer adeus.