Rio de Janeiro (RV) - Proclamamos neste final de semana a passagem do Evangelho
que ocorreu no Monte e se deu durante a vida pública de Jesus, três anos anteriores
à sua morte e ressurreição. O texto deste segundo domingo do itinerário quaresmal
é a sua transfiguração, misteriosa e fascinante: "Jesus tomou consigo Pedro, Tiago
e João e levou-os a um alto monte, a sós. Ele transfigurou-se diante deles, e as suas
vestes tornaram-se resplandecentes, alvas como a neve. E lhes apareceram Moisés e
Elias conversando com Jesus. Foi uma nuvem que os cobriu com sua sombra, e da nuvem
veio uma voz".
A liturgia celebra este episódio, com uma festa própria, no
dia 06 de agosto, a Festa da Transfiguração do Senhor. Por que hoje, novamente, este
episódio vem posto em evidência? A resposta reside no fato de que as leituras da Quaresma
foram escolhidas para a nossa preparação para a Páscoa: então o sentido da etapa de
hoje é percebida, se considerarmos as outras duas leituras deste domingo, alusivas
ao mistério que celebraremos neste tempo – paixão, morte e ressurreição.
A
primeira leitura, de Gênesis 22,1-18, relata a história do supremo julgamento, que
foi submetido à fé de Abraão, o patriarca das três religiões monoteístas, mas, também,
em um nível espiritual, todos os outros crentes no Deus Único e Verdadeiro, incluindo
os judeus, cristãos e mulçumanos. Por que Deus ordenou-lhe oferecer para Ele em sacrifício
o seu único filho, o pedido em si terrível, é agravado pelo fato de que Abraão já
era velho, não podia esperar que outros filhos lhe adviessem e, portanto, não entendeu
como Deus poderia manter sua promessa de que lhe daria uma prole numerosa. Apesar
disso, Abraão obedeceu à ordem divina e estava prestes a sacrificar o pequeno Isaque,
quando Deus o parou: "Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada! Agora
sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, teu único filho. "O episódio refere-se,
espontaneamente, ao mistério do Cristo crucificado por amor dos homens, pois, em verdade,
Deus deu seu Filho único; Deus não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por nós.
Recorda-nos a segunda leitura, retirada da Epístola de São Paulo aos Romanos
8,31-34, um fato muito importante que brota da oferenda que fez de si mesmo, Jesus,
para salvar toda a humanidade: "Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que
não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, não nos dará graciosamente
todas as coisas com Ele? Jesus Cristo morreu, ressuscitou, é a mão direita de Deus
e intercede por nós".
A referência à ressurreição e a glória de Jesus flui
no Evangelho de hoje. Por um momento Ele mostra para os três discípulos aquilo que
estava oculto: a sua divindade, o esplendor da glória e a harmonia com seu Pai. Com
esta visão Ele prepara os discípulos para sua Páscoa. (e diz-lhes:) "Enquanto desciam
do monte, ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho
do Homem tivesse ressuscitado dos mortos" O significado da cruz seria incompreensível,
de fato inaceitável, mas foi associada à outra face do mistério, a Ressurreição. Daí
a escolha das leituras de hoje: a caminhada para a Páscoa, celebrando a paixão e morte
de Jesus. Tudo alcançará o seu ápice e plenitude na ressurreição.
Para o cristão
não pode ser um caminho diferente. Também como Jesus, ele encontra na vida algumas
dificuldades, deve enfrentar momentos de provação e sofrimento, nos quais, porém,
não deve desesperar, porque Jesus se ofereceu à morte por todos, e nos deu a perspectiva
segura da vida eterna.
Outra lição também a ser salientada no episódio da
Transfiguração é a inerente ao imperioso convite divino: "Este é meu Filho, escutai!"
Tendo em mente que ouvir não é fácil; exige silêncio e atenção, ou melhor, adesão
ao que se escuta tanto com a mente, como com o coração, seguindo o exemplo de Maria,
da qual diz a Escritura (Lucas 2, 19. 51) que "guardava todas estas coisas meditando-as
no seu coração." Utilizemos o tempo da Quaresma para intensificar nossa oração,
nossa escuta, nossa adesão à vontade do Pai, abrindo nosso coração ao exercício da
caridade fraterna. Quem ouve a voz de Deus e a coloca em prática entra em clima de
transfiguração. Neste tempo favorável entremos no silêncio orante para ouvir o que
o Redentor tem para nos falar, e caminhemos nos caminhos Dele rumo à Ressurreição!
†
Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio
de Janeiro, RJ