Rio de Janeiro (RV) - Com o Primeiro Domingo da Quaresma, entramos plenamente
no período de conversão que nos conduzirá à Páscoa, ao encontro com Cristo Crucificado,
Morto e Ressuscitado. Todos nós que percorremos a via quaresmal devemos passar por
esse drama da existência humana, onde sofrimento purificador e restauração estão intrinsecamente
vinculados. A passagem do evangelho de São Marcos, que a liturgia deste domingo nos
oferece, mostra claramente essa realidade.
É um trecho breve: apresenta Cristo
sendo “impelido para o deserto” e travando a batalha espiritual com o demônio, que
culminará em sua vitória sobre o maligno e, também, o anúncio evangelizador através
da pregação: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência
e crede no Evangelho.” (Mc 1, 15)
Na Primeira Leitura (Gn 9,8-15), estão as
belíssimas palavras de Deus, que renova sua aliança com Noé e, através desse, com
toda a humanidade: “Ponho o meu arco nas nuvens, para que ele seja o sinal da aliança
entre mim e a terra.” (Gn 9, 13)
Deus faz uma aliança com Noé. Mas, ao lado
das promessas de salvação, Ele, conhecendo a fragilidade humana, toma para si nossas
dores. Será Seu filho a ser crucificado para resgatar de modo definitivo toda a humanidade.
Deus se compraz de cada um de nós, conhece nossas fraquezas e nos resgata. Estabelece
conosco a nova e eterna aliança em seu Filho, a ser contemplado no alto da Cruz. Agora,
já não são as cores do arco-íris que vemos, mas água e sangue que jorram de seu peito
transpassado. Eucaristia e batismo. Igreja e sacramento. Grão que morre para dar vida.
A
água do dilúvio é uma prefiguração da água do Batismo. Esse sacramento nos transforma
em filhos de Deus, nos faz Igreja. Somos da realeza divina, não para mandar, mas para
servir e conduzir todas as criaturas a Deus. Assim, como nos indica São Pedro na Segunda
Leitura (1Pd 3,18-22): “Também Cristo morreu uma vez pelos nossos pecados – o Justo
pelos injustos – para nos conduzir a Deus.” (1 Pd 3, 18)
A aliança do Batismo
é plena e, em Cristo, constitui a Igreja Peregrina. Ele nos dá seu Corpo, a Santa
Eucaristia, para caminhar pelo deserto da vida. Ler a passagem que a liturgia nos
oferece hoje, através do apóstolo Pedro, é realizar um verdadeiro mergulho na história.
Mas uma imersão que nos permite renovar o presente. Estamos diante de um Hino Cristológico,
uma catequese dedicada aos que estavam sendo introduzidos na fé.
Assim como
Cristo foi lançado ao deserto após seu encontro com o Batista no Jordão, também nós,
batizados, somos chamados a viver estes quarentas dias com Cristo no deserto, com
a certeza de que sairemos vitoriosos. O objetivo desta batalha é renovar nossa aliança
batismal, que o faremos liturgicamente na Vigília Pascal.
Só é possível transmitir
aquilo que cremos, experimentamos, possuímos. E como nossa fé é fruto de um encontro,
de ouvir a pregação, de acolher o dom do Espirito Santo, só poderemos ser luzes se
deixarmos que Cristo transforme nossas vidas.
Aproveitemos este domingo para
colocar nossas vidas diante de Cristo, pedindo-lhe a graça de tomarmos a decisão definitiva
de viver com entusiasmo e amor a Quaresma. Temos a oração, o jejum e a esmola como
caminhos que nos conduzem a Cristo. Aproveitemos para transformar nossa fé em ação.
Para isso, temos a Campanha da Fraternidade que, há meio século, foi idealizada pelo
nosso amado predecessor, o Cardeal Eugênio Sales, momento forte para unirmos a oração
e a ação caritativa.
Sejamos missionários do amor, da caridade, do perdão
e da reconciliação. E trabalhemos, com, em e por Cristo, para apoiar nossos irmãos
na busca dos direitos pela saúde, como nos indica este ano a CNBB, através da Campanha
da Fraternidade: “Que a saúde se difunda sobre a terra”. (Eclo 38,8)
Somos
conscientes de que a ação do cristão só é plena quando nasce da conversão interior.
A saúde do corpo será vazia sem a saúde espiritual. Por isso, é impossível ficar inerte
diante de tanto sofrimento físico e psicológico. São muitos os necessitados e abandonados.
Trabalhar por uma sociedade mais justa nunca será uma tentação ou um desvio de atenção,
desde que Cristo seja nossa principal motivação. A Campanha da Fraternidade nasce
dentro de um contexto de conversão e renovação. Ela dá uma direção concreta, um modo
de unir corações e vontades, para que a beleza de Cristo reine na sociedade.
Devemos
ser conscientes de que só quando Cristo tocar a nossa vida e curar o egoísmo que habita
em cada um de nós, é que seremos capazes de viver com alegria e entusiasmo nossa fé,
e, assim, poderemos transformar o mundo para Cristo e com Cristo.
Renovemos
nossa vida Batismal! Entremos no deserto! Deixemos que o Espírito Santo nos guie,
e, ao final, o amor vencerá e transformará corações e vidas.
Nossa Mãe Maria
nos ajudará com a sua intercessão a atravessar este período de purificação e conversão.
Ela nos ajudará, também, a anunciar como Cristo: "Completou-se o tempo e o Reino de
Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho." (Mc 1, 15)
† Orani
João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro,
RJ