Igreja Católica deve ser mais solidária e menos clerical
(14/2/2012) A Igreja em Portugal deve ser mais solidária com as dioceses mais pobres,
e a sua reorganização, imposta pela diminuição populacional no interior, tem de ser
menos clerical e contrariar interesses instalados, sustenta o antigo bispo de Aveiro. Na
Igreja Católica subsistem comunidades “ricas com meios e recursos de sobra e onde
se esbanja, e outras empobrecidas de pessoas e de meios, onde cada dia tudo se torna
mais difícil, e onde a solidariedade se devia sentir”, escreve D. António Marcelino
em texto publicado na edição do Semanário Agência ECCLESIA. A quebra da população
no interior, onde há “dioceses com menos população que grandes paróquias das zonas
urbanas”, implica a existência de comunidades “desertas” que, por causa da baixa das
vocações ao sacerdócio, são “mal servidas por padres que correm”. Nas dioceses
e paróquias com poucos habitantes “manter ou edificar comunidades vivas, com uma população
residente diminuta, envelhecida e pouco dada a “novidades” na religião, parece pesadelo
ou ideal sem consistência”, observa o bispo emérito de Aveiro. “Há paróquias já
anexadas e padres ao serviço de várias, que, todas juntas, nem sempre somam mil habitantes”,
o que para D. António Marcelino é “uma solução fora do tempo” que está “cheia de novos
problemas, sobretudo no que se refere ao equilíbrio humano e espiritual dos padres
e à dificuldade de satisfazer direitos e deveres dos cristãos”. O sacerdote está
“pronto para celebrar muitas missas” mas falta-lhe tempo “para rezar, estudar, acolher,
educar na fé, e abrir horizontes de vida, àqueles a quem sempre foram fechados”, refere. O
responsável salienta a dificuldade em reorganizar a Igreja Católica por causa das
resistências e interesses instalados, como sucedeu aquando da criação de seis novas
dioceses no século XX, que “nunca foi pacífica”. “O problema das paróquias e das
dioceses, grandes ou pequenas, não é questão de números e territórios”, mas dos “bairrismos
ferrugentos, da mentalidade de quem preside, das pressões corporativas, da pouca liberdade
de participação”, frisa. Por isso, explica, “o que se inova é tirado a ferros,
e logo se fecham portas, não venha aí a tentação de mais novidades pastorais”, que
são raras porque “na maioria dos casos” não se “vai além de uma pastoral de conservação,
sempre com base no padre”. O “zelo e o bom senso” são “apenas privilégio de alguns
enquanto que os leigos continuam “sem voz”, aponta D. António Marcelino, que reclama
a constituição de equipas “com lugar de direito” aos fiéis que não sejam padres ou
tenhas votos religiosos. Entre as propostas para a renovação das comunidades o
prelado indica a criação de “unidades pastorais de espírito conciliar e prática sinodal”,
“abertura a novos ministérios e a experiências válidas, já testadas noutras zonas”,
“programação realista” e “reflexão aberta” com “gente que conheça, pense e deixe pensar”. A
reorganização das estruturas motivada pela redução dos habitantes também está a ser
encarada pelo Estado, havendo “vantagem de alguma reflexão em comum”, embora as decisões
da Igreja devam ser diferentes das do poder político que, segundo o prelado, tem optado
por “medidas de solução não pacífica”.