Belo Horizonte (RV) - A estrutura da cultura no âmbito da sociedade é um tecido
sustentador e definidor de práticas, de dinâmicas, funcionamentos, escolhas pessoais
e coletivas. É o conjunto de tudo o que configura a vida de um povo, com força para
definir modos, escolhas, estilo de vida, e, particularmente, a mentalidade que emoldura
o jeito de ser.
Assim, quando se pensa o futuro de uma sociedade não se pode
negligenciar um bom entendimento sobre a cultura. Esta compreensão propiciará a necessária
manutenção de valores e indicará, por sua vez, a oportunidade de correções em dinâmicas
e funcionamentos. Permite, dessa forma, a superação de conservações obsoletas. Mas,
também, garante o cuidado para não se assumir o que, por onda ou moda, pode ser fator
de deterioração de elementos indispensáveis para a unidade do sistema. O desafio de
zelar e ajustar a própria cultura é tarefa de todos, missão de cidadania e, particularmente,
de instituições como a família, os governos, a Igreja e outros centros educativos.
Voltando, então, ao conceito de cultura, para acentuar sua importância como
capítulo central na vida cidadã, vale ter presente, numa compreensão mais ampla, que
a cultura representa o modo particular com que o homem cultiva sua relação com a natureza,
com seu semelhante, consigo mesmo e com Deus. É ela quem determina, pois, a humanização
ou a desumanização da existência.
Por isso mesmo, é preciso considerar a cultura
como uma preciosidade. Um patrimônio de todos, em cada contexto específico, que define
o modo de ser de um povo, com seus desafios, pobrezas e demandas a serem adequadamente
respondidas. Mas não se trata apenas de defender qualquer cultura, algo possível na
atualidade, quando se pensa a força e a rapidez envolvente do mundo cibernético. A
força da internet, junto com outras forças, frequentemente atua como um “tsunami”
na vida social, provocando derrocadas de valores e perda das práticas agregadoras.
A recuperação dessas perdas não é tão simples. Demanda um longo processo até
configurar, de novo, ou pela primeira vez, uma cultura da vida e da paz no sistema
da sociedade. É preciso refletir, permanentemente, a cultura no contexto em que estamos
inseridos, atuamos e temos responsabilidades. Assim, será possível constatar que há
muito a ser corrigido e substituído, mas que também é importante a conservação, cultivo
e crescimento do que é valor no tecido social.
Na lista interminável de raciocínios
e reflexões a serem arquitetadas, é interessante pensar que a economia brasileira,
atualmente em posição de destaque no ranking mundial, precisa garantir o desenvolvimento
que deve ser almejado no horizonte cidadão. O dinheiro disponível mexe com os interesses
políticos, a ganância que envenena corações, a burocratização por incompetência, as
morosidades inexplicáveis e a falta de sentido corporativo, que macula e esvazia a
verdadeira cidadania.
Sabe-se, em tantos casos, da existência de verba para
urgentíssimas obras de infraestrutura. No entanto, muitos parecem dormir sobre as
urgências. Acostuma-se com o menos e, assim, não se busca a indispensável rapidez
nas ações e não se exercita a inteligência.
Há muito no cotidiano de todos
que precisa ser refletido. Nesse caminho, o importante é avaliar o que deve ser conservado
e o que, urgentemente, em hábitos e práticas, deve ser substituído. Para citar um
exemplo recente de mudança cultural em processo, o uso da violência, até pouco tempo,
era aceito como recurso para fazer uma criança aprender o bem. Hoje, a própria legislação
coíbe a educação baseada nas palmadas, enquadrando-a como violência familiar e, assim,
estimula a revisão de hábitos culturais. Essa mudança é impulsionada por muitas forças,
como o desenvolvimento científico. Pesquisa da neurociência mostra que cada idade
tem o seu estímulo certo, indicando que até os oito anos cabem somente elogios, jamais
pancadas. Apenas depois dos 12 anos é que vem a sensibilidade a críticas e a aprendizagem
com erros.
Ao refletir sobre o lugar da fé cristã católica enraizada em nosso
substrato cultural somos alertados a cuidar deste grande bem. A fé cristã católica
tem a força de definir o jeito de ser, englobando práticas religiosas, o lugar primeiro
de Deus em tudo, as devoções, a marca da solidariedade e outros valores. A fé é nosso
mais precioso tesouro.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano
de Belo Horizonte