Celam sobre haitianos: atitude humanitária deve pautar ação do governo brasileiro
Bogotá (RV) – O Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (CELAM) se
pronunciou a respeito da situação de milhares de imigrantes haitianos no nosso país.
Em
comunicado, os bispos se declaram "preocupados" com a realidade que esses imigrantes
encontram na região de fronteira no norte do Brasil.
"Concordes com a necessidade
de considerar esta nova realidade como um problema de direitos humanos, queremos sugerir
ao governo brasileiro que considere a possibilidade de tornar concreta a atitude humanitária
que está marcando as palavras e as ações do governo sobre questões que interessam
as relações internacionais, e que ajudaram o Brasil a ter um reconhecimento político
e econômico no contexto internacional", lê-se no texto do Celam.
O Celam propõe
um trabalho conjunto dos governos brasileiro e haitiano para frear a ação da criminalidade
organizada (os chamados "coiotes") no âmbito dos movimentos migratórios.
Também
o Serviço Pastoral dos Migrantes emitiu uma nota em que reafirma seu compromisso de
permanecer apoiando a luta dos migrantes por dignidade e justiça, colocando-se à disposição
do Estado brasileiro na elaboração e implementação de ações pelo Serviço Pastoral.
Segue
a íntegra da nota:
Haiti, um país empobrecido, destruído Historicamente
o Haiti foi expropriado pelo sistema colonial. Não obstante, foi o primeiro país da
América Latina e a primeira República negra a tornar-se independente. Mas, por décadas,
grandes potências sustentaram ditaduras político-econômicas e desestabilizaram quaisquer
iniciativas de democratização e justiça no país, inviabilizando a promoção de um desenvolvimento
socioeconômico que possibilitasse vida e trabalho dignos à população. Nesse contexto,
milhares de haitianos são forçados a migrar para fugir da pobreza. Terremoto
e ajuda humanitária Em janeiro de 2010, um terremoto devastou o Haiti. Cerca
de 3,5 milhões de pessoas (1/3 da população) foram atingidas e a migração se intensificou.
Após o terremoto, houve uma mobilização internacional e a Organização das Nações Unidas
(ONU) indicou o Brasil para coordenar a ajuda humanitária ao Haiti auxiliando na organização
da infraestrutura social. Além disso, à época, o então Presidente Lula abriu as portas
do Brasil aos haitianos que desejassem reconstruir suas vidas. Compromisso este mantido
pela Presidenta Dilma Rouseff. Lentidão da ajuda humanitária,
discriminação internacional? Dois anos após o anúncio da ajuda humanitária
internacional, muito pouco da infraestrutura social do Haiti foi recuperada. Curiosamente,
EUA e Japão que também sofreram catástrofes, se recuperaram rápido. Isto sugere algumas
questões. A lentidão da ajuda humanitária ao Haiti estaria relacionada à negritude
do seu povo? Discriminação internacional? Que papel as tropas militares brasileiras
tem desempenhado na reconstrução social do Haiti? Como elas estão atuando? Para além
do terremoto, um problema social maior grassa desde a colônia até os dias atuais,
qual seja: o empobrecimento do Haiti, a corrupção e a prática de políticas unilaterais
que bloqueiam sua reconstrução social e democrática. Intensificação da migração,
clandestinidade e contrabando de pessoas Estes são alguns dos desdobramentos
do terremoto e da ineficiente ajuda humanitária. Sem documentação, os haitianos entram
no Brasil sofrendo humilhações, abusos, roubos, etc. Em sua rota, passam pela República
Dominicana, Panamá, Equador, Peru, até chegar a Tabatinga e Brasileia – fronteira
brasileira – onde aguardam a concessão de um ‘Pedido de Visto de refugiado’. Depois,
seguem para Porto Velho, Manaus e outras regiões brasileiras. Toda esta viagem custa
cerca de quatro mil dólares, pagos aos “coiotes”. Ademais, a Pastoral dos Migrantes
vem constatando que muitos haitianos não procedem diretamente do Haiti, mas de outros
países em crises econômicas e de empregos. O Governo do Acre assiste parte desses
imigrantes. No entanto, já sinalizou que não têm mais condições de fazê-lo. Presença
da Igreja e acolhida A Igreja Católica, através das Congregações Scalabrinianas
(Irmãs e Padres) e da Pastoral dos Migrantes (SPM) esforça-se para acolher esses imigrantes
viabilizando-lhes casa, alimentos, remédios, cursos de língua portuguesa, cursos profissionalizantes,
e, encaminhando-os para postos de trabalho em Manaus, Rondônia, Acre, Paraná, Rio
Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais. Restrição à migração e contradições
nacionais Constatando que imigrantes haitianos ingressam no Brasil de forma contrabandeada,
o Estado brasileiro decidiu restringir as entradas a um número de 1.200 por ano. Para
o governo, essa decisão inibiria os “coiotes” e controlaria a imigração haitiana.
São muito importantes e necessárias as ações de combate ao contrabando de pessoas,
mas, o Estado brasileiro não deixa claros os critérios para a concessão de “Vistos”
e desconsidera que a restrição à imigração implica a intensificação da migração indocumentada,
na violação de direitos humanos e abre caminho para a migração seletiva que prioriza
profissionais qualificados. Nesse sentido, o que se percebe é uma contradição nos
compromissos humanitários assumidos. Reconstrução do Haiti, uma proposta para
a ajuda internacional humanitária As condições em que ocorre a imigração haitiana
devem ser enfrentadas com firmeza pela ajuda humanitária internacional, sempre resguardando
a defesa e promoção dos direitos humanos e a solidariedade. Nesse sentido, uma ação
fundamental é a imediata reconstrução das organizações socioeconômicas do Haiti, criando
condições para que as pessoas possam escolher MIGRAR ou FICAR em seu país. Nesse
sentido, propomos ao Governo brasileiro que: 1 – O Governo do Brasil – em visita
ao Haiti, prevista para o início de fevereiro 2012 – desencadeie e coordene uma campanha
internacional para a imediata reconstrução do Haiti em suas bases sociais, econômicas,
culturais e ambientais, criando condições concretas para que os haitianos possam escolher
entre MIGRAR ou exercer seu direito de FICAR no seu país com dignidade humana. Sem
essas condições, documentadas ou não, as pessoas continuarão a migrar para fugir da
pobreza e tentar reconstruir suas vidas em outros países; 2 – A ajuda humanitária
internacional auxilie na organização política e social do Haiti, viabilizando a ampla
participação da população em processos decisórios de forma democrática e multilateral,
impedindo que políticas unilaterais – que ainda grassam no Haiti – bloqueiem a reconstrução
política, social e econômica sustentável do país; 3 – O Governo do Brasil formule
e implemente políticas migratórias que privilegiem o bem estar da pessoa humana em
suas bases políticas, sociais, econômicas, culturais e ambientais; 4 – O Governo
do Brasil seja signatário da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos
de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias – Adotada pela
Resolução 45/158, de 18 de Dezembro de 1990. Reafirmamos nosso compromisso de permanecer
apoiando a luta dos migrantes por dignidade, justiça e protagonismo político, social,
econômico, cultural, religioso, ambiental, etc. Colocamo-nos à disposição de apoiar
o Estado brasileiro na elaboração e implementação das ações sugeridas. SPM – Serviço
Pastoral dos Migrantes São Paulo, Janeiro de 2012