Cairo (RV) – “Alguém lançou o slogan de dar início à segunda revolução, mas
não creio que isso acontecerá, mesmo com contestações marcadas, porque permanecem
em pauta questões importantes, como o papel do Conselho dos Militares”, afirma à Agência
Fides Padre Luciano Verdoscia, missionário comboniano que vive e atua no Cairo, onde
no último dia 25 de janeiro, celebrou-se o primeiro aniversário da queda do regime
de Hosni Mubarak. Houve uma participação de milhares de pessoas na manifestação programada
na Praça Tahrir.
Padre Luciano traça um breve balanço de um ano de “revolução
árabe”. “O primeiro fato que impressiona é que nos países onde houve mudanças de regime,
houve um forte avanço dos partidos islâmicos”, afirma o missionário. “Aqui no Egito,
os partidos que evocam posições religiosas obtiveram juntos 70% das cadeiras na Câmara
Baixa. 40% foram aos Irmãos Muçulmanos e 30% aos salafitas. Houve contestações: alguns
afirmam que 20% desses resultados foram obtidos com fraude, outros 15%, mas esses
protestos parecem não ter tido seguimento”.
No Egito, se realizarão nos próximos
meses eleições para o Senado e para o Chefe de Estado e os resultados parecem caminhar
na mesma direção das eleições precedentes. “Como disse em outras ocasiões – continua
o sacerdote -, este resultado se explica com a forte identidade religiosa da população
egípcia. Num país onde 40% da população local vive abaixo da linha de pobreza, a identidade
religiosa é muitas vezes a única coisa que oferece dignidade às pessoas, explica.
“Os Irmãos Muçulmanos recolheram ainda o fruto de décadas de atividades sociais e
caritativas nos bairros mais pobres e nas zonas rurais”.
Mas que fim fizeram
os jovens que deram vida à revolução? “Quem iniciou a revolução foram os jovens, que
agiram não por motivos religiosos, mas para pedir democracia e mais justiça - disse
Padre Luciano. Protagonistas desta primeira fase da revolução foram movimentos como
o de “6 de abril” e “Kifaya” (agora chega). Num segundo momento, os Irmãos Muçulmanos
e os salafitas passaram por cima desses movimentos, pois são bem organizados e bem
financiados”.
Isso não significa, segundo Padre Luciano, que a democracia
tenha ficado em segundo plano, porque dentro dos “Irmãos Muçulmanos existem diversas
posições, inclusive contrastantes. Agora que estão no poder, veremos como governarão”.
“Entre as questões que os novos governantes deverão enfrentar, estão o relançamento
da economia e a definição do papel dos militares no futuro. Sobre esses temas, penso
que os eleitores analisarão os resultados”, conclui o missionário. (SP)