2012-01-24 12:55:07

Ongs publicam manifesto em defesa dos direitos humanos dos haitianos


Brasília (RV) - Aproximadamente cinco mil haitianos migraram para o Brasil nos últimos dois anos, após o terremoto que assolou o Haiti em 2010.

De acordo com A Irmã Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos, estas pessoas chegam já em condição de pobreza extrema, tendo conseguido reunir junto a seus familiares e amigos recursos suficientes apenas para pagar o custoso e explorado deslocamento do Haiti até a fronteira brasileira, passando por vários países: “É um trajeto migratório motivado pela busca de trabalho, na esperança de encontrar condições de reconstruir a vida e de ajudar os familiares que deixaram no Haiti”.

Em entrevista concedida à IHU On-Line, a irmã esclarece que as maiores dificuldades se devem às carências econômicas e à realidade de completa vulnerabilidade social com a qual se deparam.

Ao chegar em território brasileiro, necessitam emergencialmente de abrigo, alimentação e documentos que lhes permitam a estada legal e o posterior deslocamento no Brasil. A essas dificuldades, somam-se o estranhamento com a cultura local, as dificuldades de comunicação, o desconhecimento do idioma (a maioria fala o creolle – língua nativa haitiana).

As organizações nacionais e internacionais de apoio às migrações e grupos de pesquisa e estudo sobre as migrações sediados em diferentes universidades brasileiras têm acompanhado com apreensão a realidade enfrentada pelos imigrantes haitianos na fronteira da região norte do Brasil assim como a cobertura dada a essa realidade pela mídia brasileira e internacional. Neste sentido, um grupo de organizações sociais publicou um manifesto em defesa dos direitos humanos dos imigrantes haitianos, sugerindo ao governo brasileiro que veja nesse momento a oportunidade de tornar concreta para o país e para o mundo a postura humanitária que vem demarcando o discurso e as ações governamentais no exterior em questões que envolvem relações internacionais e que tem contribuído para outorgar ao Brasil reconhecimento político e econômico no contexto internacional.

Leia abaixo a íntegra do manifesto:

“Alinhados com a necessidade de um tratamento dessa nova realidade como uma questão de direitos humanos, assim como de todos os novos fluxos migratórios que começam a se intensificar na região e no Brasil, sugerimos ao governo brasileiro que veja nesse momento a oportunidade de tornar concreta para o país e para o mundo a postura humanitária que vem demarcando o discurso e as ações governamentais no exterior em questões que envolvem relações internacionais e que tem contribuído para outorgar ao Brasil reconhecimento político e econômico no contexto internacional”.

Sugerimos os seguintes encaminhamentos:

Informar e esclarecer adequadamente a opinião pública sobre o conjunto de fatores que estão gerando a migração de haitianos, dentre os quais, de que esses fluxos migratórios não decorrem apenas dos terremotos, mas de um contexto de crise interna, tanto econômica como política, do Haiti; de que os haitianos estão deixando seu país e imigrando ao Brasil pela urgência de sobreviver; dos motivos pelos quais o governo brasileiro está concedendo vistos humanitários e não a condição de refugiados aos haitianos, etc.

Estimular a sociedade brasileira, através de campanhas públicas, a se engajar em ações solidárias com os imigrantes haitianos em território brasileiro, a exemplo do que já se evidenciou no amplo apoio dado pelos brasileiros ao povo haitiano após o último terremoto ou em outras tragédias e catástrofes que atingiram populações de outros países. Essas ações poderiam ser articuladas pelo governo em parceria com organizações de apoio às migrações e abranger as demandas dos imigrantes haitianos relacionadas à alimentação, emprego, moradia, atendimento médico, psicológico, jurídico, educativo, etc.

Sensibilizar profissionais da mídia brasileira para evitar a criação de um clima de alarme e criminalização da migração de haitianos, evitando o uso de imagens sensacionalistas e de termos como “invasão”, “ilegalidade”, etc., conforme vem se observando em muitos materiais informativos e reportagens veiculadas sobre o assunto.

Rechaçar políticas restritivas e xenofóbicas que proíbam ou limitem fortemente a entrada de migrantes haitianos e gerem um clima propício à violência, à proliferação das máfias e à exploração dos trabalhadores. Analisando detidamente o exemplo de outros países que adotaram este tipo de políticas, percebe-se que não apenas o fluxo de migrantes persistiu (e em alguns casos aumentou, porque as causas da migração não são enfrentadas), como a restrição ocasionou fenômenos lamentáveis como a formação de campos de migrantes próximos às fronteiras em condições de vida indigna; a conversão do tema da migração em tema securitário e objeto de política interna suscetível à exploração assistencialista ou populista. Essas restrições provocaram a criminalização dos movimentos migratórios, colaborando, ainda, para tipificar o “delito de solidariedade”, ou seja, tornar crime a ajuda ao migrante sem documentos.

Trabalhar em parceria com governo de países sul-americanos, com governos dos estados brasileiros e com organizações de apoio às migrações para o planejamento e efetivação de programas de acolhida e inserção dos novos imigrantes haitianos em diferentes estados e cidades sul-americanas e brasileiras.

Construir junto aos países de trânsito um projeto de atuação conjunta envolvendo os diferentes atores governamentais e não governamentais de modo a garantir uma migração segura. A negligência frente à repressão e à violência devem ser denunciadas e veementes rechaçadas.

Trabalhar em conjunto com o governo do Haiti e com organismos internacionais orientados à migração para coibir a atuação de “coiotes” nos movimentos migratórios de haitianos no Brasil e a propaganda sobre as vantagens econômicas e oportunidades de trabalho no país, especialmente relacionadas à realização da Copa do Mundo.

Pautar a política externa do governo brasileiro em relação ao Haiti pelo direito fundamental de respeito à soberania e autodeterminação do povo haitiano, reconhecendo a sua capacidade e defendendo a restituição da dívida histórica, social, ecológica e financeira necessária para a vida e dignidade da população do Haiti. Considerar, nesse sentido, as referências históricas do Haiti como uma nação precursora e benfeitora das lutas antiescravistas e anticoloniais em toda a região, renomado pela criatividade de seus artistas e pela força organizativa de seu povo, que, ao longo da historia, vem suportando enormes depredações e calamidades e ao mesmo tempo demonstrando disposição para uma luta permanente e solidária na construção de alternativas frente às injustiças e adversidades.

Desenvolver estudos emergenciais para ouvir e conhecer as histórias de vida, realidades enfrentadas no processo migratório e na chegada ao Brasil, expectativas, formação, experiências e possibilidades de inserção dos haitianos em atividades produtivas na sociedade brasileira. Esses estudos podem ser desenvolvidos em parceria com pesquisadores de universidades que trabalham diretamente com o tema, alguns dos quais já estão atuando diretamente junto aos imigrantes haitianos na região norte do país, como é o caso do GEMA (Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia.

Avaliar continuadamente o impacto da migração de haitianos em suas relações sociais e comunitárias, de modo a produzir instâncias de mediação com a sociedade brasileira que colaborem para a promoção de relações interculturais positivas entre as culturas e para a prevenção e combate a reações de cunho xenofóbico, racista, sexista, elitista, ou qualquer outra forma de discriminação negativa e exploração indevida que possam ser dirigidas a esta população.

Retomar, a partir desse fluxo migratório de haitianos, o processo de formulação e aprovação de políticas migratórias com foco na inclusão e que contenham diretrizes para o efetivo enfrentamento do crescimento das migrações para o Brasil do ponto de vista dos direitos humanos. É fundamental que essa formulação conte com a participação dos migrantes, de organizações de apoio às migrações e de pesquisadores de universidades que se dedicam ao estudo do tema e sejam parte do processo de integração regional liderado pelo Brasil na América do Sul e no âmbito de iniciativas como a União das Nações Sul-americanas – UNASUL e Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos – CELAC.


São Paulo, 16 de janeiro de 2012

Signatários: Articulação Sul-Americana Espaço Sem Fronteiras,
Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas, Laboratório de Comunicação Social Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-RJ,
Grupo de Pesquisa Mídia, Cultura e Cidadania do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS., Núcleo de Antropologia e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,Grito dos Excluídos Continental, Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA, Núcleo de Pesquisa em Migrações e Fronteiras da Universidade Federal de São Paulo, Servicio Jesuita a Refugiados Latinoamérica y el Caribe – SJR LAC, Associação Brasileira de Antropologia – ABA, Coordenadora do Grupo de Trabalho Migrações Internacionais da Associação Brasileira de Antropologia – ABA, Servicio Ecuménico de Apoyo y Orientación a Migrantes y Refugiados – CAREF – Argentina, Movimento Negro Unificado – MNU, Grupo de Trabalho Gênero e Sexualidade da Associação Brasileira de Antropologia – ABA, Associação Latino Americana de Micro, Pequenas e Médias Empresas, Capítulo Brasil – Alampyme BR, Movimento Nacional Nação Bantu/MG – O MONABANTU/MG, Grupo de Trabalho Mídia, Migração e Interculturalidade – discursos e imaginários CNPq/ Universidade Católica de Brasília, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH, Instituto Búzios/BA, ONG de Desarrollo en África – AFRICANDO de Gran Canaria, España, Agencia de Notícias Impressor Braziliense, Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN, Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná – CESDPH,
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Campos dos Goitacazes, Comissão de Diversidade Sexual da OAB Campos dos Goitacazes e do IBDFAM Instituto de Direito de Família.
(CM)







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