Ongs publicam manifesto em defesa dos direitos humanos dos haitianos
Brasília (RV) - Aproximadamente cinco mil haitianos migraram para o Brasil
nos últimos dois anos, após o terremoto que assolou o Haiti em 2010.
De acordo
com A Irmã Rosita Milesi, diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos, estas
pessoas chegam já em condição de pobreza extrema, tendo conseguido reunir junto a
seus familiares e amigos recursos suficientes apenas para pagar o custoso e explorado
deslocamento do Haiti até a fronteira brasileira, passando por vários países: “É um
trajeto migratório motivado pela busca de trabalho, na esperança de encontrar condições
de reconstruir a vida e de ajudar os familiares que deixaram no Haiti”.
Em
entrevista concedida à IHU On-Line, a irmã esclarece que as maiores dificuldades se
devem às carências econômicas e à realidade de completa vulnerabilidade social com
a qual se deparam.
Ao chegar em território brasileiro, necessitam emergencialmente
de abrigo, alimentação e documentos que lhes permitam a estada legal e o posterior
deslocamento no Brasil. A essas dificuldades, somam-se o estranhamento com a cultura
local, as dificuldades de comunicação, o desconhecimento do idioma (a maioria fala
o creolle – língua nativa haitiana).
As organizações nacionais e internacionais
de apoio às migrações e grupos de pesquisa e estudo sobre as migrações sediados em
diferentes universidades brasileiras têm acompanhado com apreensão a realidade enfrentada
pelos imigrantes haitianos na fronteira da região norte do Brasil assim como a cobertura
dada a essa realidade pela mídia brasileira e internacional. Neste sentido, um grupo
de organizações sociais publicou um manifesto em defesa dos direitos humanos dos imigrantes
haitianos, sugerindo ao governo brasileiro que veja nesse momento a oportunidade de
tornar concreta para o país e para o mundo a postura humanitária que vem demarcando
o discurso e as ações governamentais no exterior em questões que envolvem relações
internacionais e que tem contribuído para outorgar ao Brasil reconhecimento político
e econômico no contexto internacional.
Leia abaixo a íntegra do manifesto:
“Alinhados
com a necessidade de um tratamento dessa nova realidade como uma questão de direitos
humanos, assim como de todos os novos fluxos migratórios que começam a se intensificar
na região e no Brasil, sugerimos ao governo brasileiro que veja nesse momento a oportunidade
de tornar concreta para o país e para o mundo a postura humanitária que vem demarcando
o discurso e as ações governamentais no exterior em questões que envolvem relações
internacionais e que tem contribuído para outorgar ao Brasil reconhecimento político
e econômico no contexto internacional”.
Sugerimos os seguintes encaminhamentos:
Informar
e esclarecer adequadamente a opinião pública sobre o conjunto de fatores que estão
gerando a migração de haitianos, dentre os quais, de que esses fluxos migratórios
não decorrem apenas dos terremotos, mas de um contexto de crise interna, tanto econômica
como política, do Haiti; de que os haitianos estão deixando seu país e imigrando ao
Brasil pela urgência de sobreviver; dos motivos pelos quais o governo brasileiro está
concedendo vistos humanitários e não a condição de refugiados aos haitianos, etc.
Estimular
a sociedade brasileira, através de campanhas públicas, a se engajar em ações solidárias
com os imigrantes haitianos em território brasileiro, a exemplo do que já se evidenciou
no amplo apoio dado pelos brasileiros ao povo haitiano após o último terremoto ou
em outras tragédias e catástrofes que atingiram populações de outros países. Essas
ações poderiam ser articuladas pelo governo em parceria com organizações de apoio
às migrações e abranger as demandas dos imigrantes haitianos relacionadas à alimentação,
emprego, moradia, atendimento médico, psicológico, jurídico, educativo, etc.
Sensibilizar
profissionais da mídia brasileira para evitar a criação de um clima de alarme e criminalização
da migração de haitianos, evitando o uso de imagens sensacionalistas e de termos como
“invasão”, “ilegalidade”, etc., conforme vem se observando em muitos materiais informativos
e reportagens veiculadas sobre o assunto.
Rechaçar políticas restritivas e
xenofóbicas que proíbam ou limitem fortemente a entrada de migrantes haitianos e gerem
um clima propício à violência, à proliferação das máfias e à exploração dos trabalhadores.
Analisando detidamente o exemplo de outros países que adotaram este tipo de políticas,
percebe-se que não apenas o fluxo de migrantes persistiu (e em alguns casos aumentou,
porque as causas da migração não são enfrentadas), como a restrição ocasionou fenômenos
lamentáveis como a formação de campos de migrantes próximos às fronteiras em condições
de vida indigna; a conversão do tema da migração em tema securitário e objeto de política
interna suscetível à exploração assistencialista ou populista. Essas restrições provocaram
a criminalização dos movimentos migratórios, colaborando, ainda, para tipificar o
“delito de solidariedade”, ou seja, tornar crime a ajuda ao migrante sem documentos.
Trabalhar
em parceria com governo de países sul-americanos, com governos dos estados brasileiros
e com organizações de apoio às migrações para o planejamento e efetivação de programas
de acolhida e inserção dos novos imigrantes haitianos em diferentes estados e cidades
sul-americanas e brasileiras.
Construir junto aos países de trânsito um projeto
de atuação conjunta envolvendo os diferentes atores governamentais e não governamentais
de modo a garantir uma migração segura. A negligência frente à repressão e à violência
devem ser denunciadas e veementes rechaçadas.
Trabalhar em conjunto com o governo
do Haiti e com organismos internacionais orientados à migração para coibir a atuação
de “coiotes” nos movimentos migratórios de haitianos no Brasil e a propaganda sobre
as vantagens econômicas e oportunidades de trabalho no país, especialmente relacionadas
à realização da Copa do Mundo.
Pautar a política externa do governo brasileiro
em relação ao Haiti pelo direito fundamental de respeito à soberania e autodeterminação
do povo haitiano, reconhecendo a sua capacidade e defendendo a restituição da dívida
histórica, social, ecológica e financeira necessária para a vida e dignidade da população
do Haiti. Considerar, nesse sentido, as referências históricas do Haiti como uma nação
precursora e benfeitora das lutas antiescravistas e anticoloniais em toda a região,
renomado pela criatividade de seus artistas e pela força organizativa de seu povo,
que, ao longo da historia, vem suportando enormes depredações e calamidades e ao mesmo
tempo demonstrando disposição para uma luta permanente e solidária na construção de
alternativas frente às injustiças e adversidades.
Desenvolver estudos emergenciais
para ouvir e conhecer as histórias de vida, realidades enfrentadas no processo migratório
e na chegada ao Brasil, expectativas, formação, experiências e possibilidades de inserção
dos haitianos em atividades produtivas na sociedade brasileira. Esses estudos podem
ser desenvolvidos em parceria com pesquisadores de universidades que trabalham diretamente
com o tema, alguns dos quais já estão atuando diretamente junto aos imigrantes haitianos
na região norte do país, como é o caso do GEMA (Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia.
Avaliar continuadamente o impacto da migração de haitianos em suas relações sociais
e comunitárias, de modo a produzir instâncias de mediação com a sociedade brasileira
que colaborem para a promoção de relações interculturais positivas entre as culturas
e para a prevenção e combate a reações de cunho xenofóbico, racista, sexista, elitista,
ou qualquer outra forma de discriminação negativa e exploração indevida que possam
ser dirigidas a esta população.
Retomar, a partir desse fluxo migratório de
haitianos, o processo de formulação e aprovação de políticas migratórias com foco
na inclusão e que contenham diretrizes para o efetivo enfrentamento do crescimento
das migrações para o Brasil do ponto de vista dos direitos humanos. É fundamental
que essa formulação conte com a participação dos migrantes, de organizações de apoio
às migrações e de pesquisadores de universidades que se dedicam ao estudo do tema
e sejam parte do processo de integração regional liderado pelo Brasil na América do
Sul e no âmbito de iniciativas como a União das Nações Sul-americanas – UNASUL e Comunidade
de Estados Latino-americanos e Caribenhos – CELAC.
São Paulo, 16 de janeiro
de 2012
Signatários: Articulação Sul-Americana Espaço Sem Fronteiras, Grupo
de Estudos Migratórios da Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas, Laboratório
de Comunicação Social Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro-RJ, Grupo de Pesquisa Mídia, Cultura e Cidadania do
Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – RS., Núcleo de
Antropologia e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul,Grito dos Excluídos Continental, Centro de Estudos e
Defesa do Negro do Pará – CEDENPA, Núcleo de Pesquisa em Migrações e Fronteiras da
Universidade Federal de São Paulo, Servicio Jesuita a Refugiados Latinoamérica y el
Caribe – SJR LAC, Associação Brasileira de Antropologia – ABA, Coordenadora do Grupo
de Trabalho Migrações Internacionais da Associação Brasileira de Antropologia – ABA,
Servicio Ecuménico de Apoyo y Orientación a Migrantes y Refugiados – CAREF – Argentina,
Movimento Negro Unificado – MNU, Grupo de Trabalho Gênero e Sexualidade da Associação
Brasileira de Antropologia – ABA, Associação Latino Americana de Micro, Pequenas e
Médias Empresas, Capítulo Brasil – Alampyme BR, Movimento Nacional Nação Bantu/MG
– O MONABANTU/MG, Grupo de Trabalho Mídia, Migração e Interculturalidade – discursos
e imaginários CNPq/ Universidade Católica de Brasília, Sociedade Paraense de Defesa
dos Direitos Humanos – SDDH, Instituto Búzios/BA, ONG de Desarrollo en África – AFRICANDO
de Gran Canaria, España, Agencia de Notícias Impressor Braziliense, Coordenação Nacional
de Entidades Negras – CONEN, Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos
da Universidade Federal do Paraná – CESDPH, Conselho Municipal dos Direitos da
Mulher de Campos dos Goitacazes, Comissão de Diversidade Sexual da OAB Campos dos
Goitacazes e do IBDFAM Instituto de Direito de Família. (CM)