Belo Horizonte (RV) - As catástrofes causadas pelas chuvas geram sofrimentos
que cortam o coração. Compartilhar a dor de sonhos desfeitos, a desolação da perda
do que se conquistou com suor e sacrifícios, o sentimento de abandono e impotência,
desafiam o coração, a vida, a cidadania. Não é um compartilhamento fácil.
A
reação primeira aparece nos gestos de solidariedade que minimizam esses sofrimentos
e a penúria da falta de alimentos, roupas, moradias. Consola o coração quando avaliamos,
entre outras iniciativas cidadãs e de fé, o empenho do Vicariato Episcopal para Ação
Social e Política, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Um trabalho que mobiliza muitas
pessoas e conta com a capilaridade de sua rede de comunidades nas paróquias para fazer
chegar os primeiros socorros – um verdadeiro testemunho de fé e solidariedade.
A
situação cria oportunidade para um olhar clarividente e gestos solidários por parte
de todos que podem e devem ajudar os que estão em situação de extrema precisão. É
um momento em que não é permitido ficar de longe, de braços cruzados, desfrutando
do conforto e da felicidade de não ter sido atingido pelos males causados pelas chuvas.
Esta solidariedade tem que conectar a cidadania à compreensão de que a intervenção
do poder público, particularmente em âmbito federal, não pode ser considerada como
uma ajuda circunstancial e numericamente insignificante diante das necessidades e
urgências. Trata-se de uma obrigação e um dever que, na verdade, devem ser cumpridos
com ações de prevenção e rapidez em investimentos de infraestrutura, para evitar as
surpresas que chegam desmoronando tudo por conta das indicadas e listadas fragilidades.
Esta
compreensão situa a cidadania num lugar diferente daquele de se tratar o povo como
“ajudados em emergência” para se alcançar e efetivar um entendimento que urge um tratamento
diferente. Isto é, um tratamento que define diferentemente as prioridades, premie
a capacidade inventiva de quem trabalha, governa e serve. De modo especial, produza
e sustente uma cidadania que não fique atrelada e dependente de favores, refém de
configurações cartoriais. Que vá além, e ultrapasse o limite próprio e evidente que
está na ideologia do partido, que por si é apenas, embora necessário, uma parte.
Esse
horizonte, com mais de 180 municípios mineiros em estado de emergência e mais de 60
mil pessoas desalojadas, tendo bem em mente o sacrifício de famílias inteiras e de
cada pessoa, nos leva a pensar no longo caminho a ser percorrido, com a reconstrução
de casas, ruas, pontes, estradas e outras muitas demandas. Ainda que o tempo tenha
melhorado, o comprimento desse caminho não fica encurtado. É preciso lembrar que as
necessidades demandam urgências em procedimentos e execuções.
Um desafio enorme
para uma sociedade que sabe criar burocracias e tem grande dificuldade de estabelecer
rapidez, com eficiência, no atendimento de necessidades e mesmo nos avanços em vista
de progressos e do desenvolvimento integral. Esse caminho longo, por si só exigente,
é um grito a céu aberto para que as providências sejam tomadas com velocidade para
que a vida de tantos volte ao normal e seja como ela deve ser. Há de se incluir, nessa
labuta que as chuvas colocaram como desafio, a compreensão de que é hora e oportunidade
para recomeçar. Reiniciar, em primeiro lugar, sob o signo da solidariedade, do respeito
e do amor, proporcionando a toda a família e, na sociedade, diálogos e discussão dos
problemas pensando uma compreensão e vivência cidadãs diferentes e qualificadas. Esse
é o ponto de partida insubstituível: a configuração permanente de um humanismo que
deve contar com a força da cultura e de seus próprios valores. Imprescindível, pois
é preciso aprender com as lições dos sofrimentos. Aproveitar para adotar novos estilos
de vida e mudar mentalidades. Mudanças para se buscar o verdadeiro, o belo, o bom
e a comunhão cidadã para bem se determinar as opções de consumo, de poupança e de
investimentos.
Assim, o caminho da reconstrução, inevitável e inadiável, se
torne uma exigência e um imperativo para que se compreenda a cidadania como serviço
à pessoa, à cultura, à economia e à política. Determinante seja a política e a atuação
dos políticos, em interface indispensável e compreendida como o segredo do êxito,
com os outros segmentos da sociedade, alavancados pelo privilégio da rica cultura
que subsidia essa história e esse povo tão importantes no cenário nacional.
A
reconstrução é uma oportunidade de recomeçar para se ocupar, social e politicamente,
o lugar devido que Minas e seu povo merecem.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte