O coração de Deus está inquieto por nós. É esta "inquietação" vigilante que há-de
caracterizar o Bispo: Bento XVI, na missa da Epifania, com ordenações episcopais
(6/1/2012) Como os Magos, também os Bispos devem ser homens de coração inquieto e
vigilante, com a coragem da humildade: afirmou Bento XVI, na Missa da Epifania, neste
dia 6, na basílica de São Pedro, em que procedeu à ordenação episcopal de dois colaboradores
da Cúria Romana nomeados Núncios Apostólicos: mons. Charles Brown, de Nova Iorque,
e mons. Marek Solczynski, de Varsóvia, novos Núncios respectivamente na Irlanda e
na Geórgia e Arménia. O Papa começou por recordar que “a Epifania é uma festa
da luz” - Cristo, que ilumina os homens e lhes dá o poder de se tornarem filhos de
Deus. Esta celebração recorda “a peregrinação da humanidade em direção a Jesus Cristo”.
Primeiro tinham vindo os pastores, almas simples. Agora – com os Magos – vêm também
os sapientes deste mundo. “Vêm grandes e pequenos, reis e servos, de todas as culturas
e de todos os povos”. À frente, os Magos do Oriente, inaugurando o caminho dos povos
para Cristo. Mas que tipo de homens eram os Magos? – interrogou-se Bento XVI,
acrescentando: “Podemos dizer que eram homens de ciência, mas não apenas no sentido
de quererem saber muitas coisas; eles queriam algo mais. Queriam entender o que é
que conta no facto de sermos homens”. “Eram pessoas de coração inquieto, que não
se satisfaziam com aparências ou com a rotina da vida. Eram homens à procura da promessa,
à procura de Deus. Eram homens vigilantes, capazes de discernir os sinais de Deus,
a sua linguagem subtil e insistente. Mas eram também homens corajosos e, ao mesmo
tempo, humildes.” “Podemos (prosseguiu o Papa) imaginar as zombarias que tiveram
de suportar quando se puseram a caminho para ir ter com o Rei dos Judeus, enfrentando
canseiras sem número. Mas, não consideravam decisivo o que se pensava ou dizia deles,
mesmo pelas pessoas influentes e inteligentes. Para eles o que contava era a própria
verdade, não a opinião dos homens”. Partindo destas características dos Magos,
Bento XVI apontou “alguns traços essenciais do ministério episcopal”. “Também
o Bispo deve ser um homem de coração inquieto, que não se satisfaz com as coisas rotineiras
deste mundo, mas segue a inquietação do coração que o impele interiormente a aproximar-se
sempre mais de Deus, a procurar o seu Rosto, a conhecê-Lo cada vez melhor, para poder
amá-Lo cada vez mais. Também o Bispo deve ser um homem de coração vigilante que
percebe a linguagem subtil de Deus e sabe discernir a verdade da aparência. Também
o Bispo deve estar repleto da coragem da humildade, que não se interessa do que a
opinião dominante diz dele, mas por critério toma a medida da verdade de Deus, comprometendo-se
com ela «opportune – importune». Deve ser capaz de ir à frente indicando o caminho.”
Evocando as perguntas que a liturgia da Ordenação episcopal dirige aos consacrandos,
o Papa pôs em destaque algumas delas, todas elas introduzidas pela palavra “Vultis?”
(“Quereis?”): pregar o Evangelho de Cristo, conservar, dirigir, mostrar-se misericordioso
para com os pobres e rezar incessantemente. Por outras palavras: “O anúncio do
Evangelho de Jesus Cristo, guardar o depósito sagrado da nossa fé, ir à frente e guiar,
a misericórdia e a caridade para com os necessitados e os pobres nas quais se reflecte
o amor misericordioso de Deus para connosco e, finalmente, a oração contínua são características
fundamentais do ministério episcopal.” A oração contínua – explicou - significa
nunca perder o contacto com Deus, deixar-se tocar sempre por Ele no íntimo do nosso
coração e deste modo sermos permeados pela sua luz. Só quem conhece a Deus pessoalmente
é que pode guiar os outros para Deus. E só quem guia os homens para Deus é que os
guia pela estrada da vida.
Ainda relativamente ao “coração inquieto”, de sabor
agostiniano, Bento XVI observou que se trata de um coração que não se contenta com
nada menos do que Deus e que, precisamente por isso, se torna um coração que ama.
Neste contexto, de modo muito sugestivo, fez notar que também o coração de Deus está
inquieto, por nossa causa. Esta divina inquietação bem caracteriza uma atitude fundamental
do Bispo: “Também o coração de Deus vive inquieto relativamente ao homem. Deus
espera-nos. Anda à nossa procura. Também Ele não descansa enquanto não nos tiver encontrado.
O coração de Deus vive inquieto, e foi por isso que se pôs a caminho até junto de
nós – até Belém, até ao Calvário, de Jerusalém até à Galileia e aos confins do mundo”.
“Deus… anda à procura de pessoas que se deixem contagiar por esta sua inquietação,
pela sua paixão por nós; pessoas que vivem a busca que habita no seu coração e, ao
mesmo tempo, se deixam tocar no coração pela busca de Deus a nosso respeito”. “Queridos
amigos, foi esta a missão dos Apóstolos: acolher a inquietação de Deus pelo homem
e levar o próprio Deus aos homens. E, seguindo os passos dos Apóstolos, esta é a vossa
missão: deixai-vos tocar pela inquietação de Deus, a fim de que o anseio de Deus pelo
homem possa ser satisfeito.”
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Eis o texto integral da
homilia do Santo Padre:
Queridos irmãos e irmãs, A Epifania é uma festa
da luz. «Ergue-te, Jerusalém, e sê iluminada, que a tua luz desponta e a glória do
Senhor está sobre ti» (Is 60, 1). Com estas palavras do profeta Isaías, a Igreja descreve
o conteúdo da festa. Sim, veio ao mundo Aquele que é a Luz verdadeira, Aquele que
faz com que os homens sejam luz. Dá-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (cf.
Jo 1, 9.12). Para a liturgia, o caminho dos Magos do Oriente é só o início de uma
grande procissão que continua ao longo da história inteira. Com estes homens, tem
início a peregrinação da humanidade rumo a Jesus Cristo: rumo àquele Deus que nasceu
num estábulo, que morreu na cruz e, Ressuscitado, permanece connosco todos os dias
até ao fim do mundo (cf. Mt 28, 20). A Igreja lê a narração do Evangelho de Mateus
juntamente com a visão do profeta Isaías, que escutámos na primeira leitura: o caminho
destes homens é só o início. Antes, tinham vindo os pastores – almas simples que habitavam
mais perto de Deus feito menino, podendo mais facilmente «ir até lá» (cf. Lc 2, 15)
ter com Ele e reconhecê-Lo como Senhor. Mas agora vêm também os sábios deste mundo.
Vêm grandes e pequenos, reis e servos, homens de todas as culturas e de todos os povos.
Os homens do Oriente são os primeiros, seguidos de muitos outros ao longo dos séculos.
Depois da grande visão de Isaías, a leitura tirada da Carta aos Efésios exprime, de
modo muito sóbrio e simples, a mesma ideia: os gentios partilham da mesma herança
(cf. 3, 6). Eis como o formulara o Salmo 2: «Eu te darei as nações por herança, e
os confins da terra para teu domínio» (v. 8). Os Magos do Oriente vão à frente.
Inauguram o caminho dos povos para Cristo. Durante esta Missa, vou conferir a Ordenação
Episcopal a dois sacerdotes, consagrá-los-ei Pastores do povo de Deus. Segundo palavras
de Jesus, caminhar à frente do rebanho faz parte da função do Pastor (cf. Jo 10, 4).
Por isso naqueles personagens, que foram os primeiros pagãos a encontrar o caminho
para Cristo, talvez possamos – não obstante todas as diferenças nas respectivas vocações
e tarefas – procurar indicações para a missão dos Bispos. Que tipo de homens eram
os Magos? Os peritos dizem-nos que pertenciam à grande tradição astronómica que se
fora desenvolvendo na Mesopotâmia no decorrer dos séculos, e era então florescente.
Mas esta informação, por si só, não é suficiente. Provavelmente haveria muitos astrónomos
na antiga Babilónia, mas poucos, apenas estes Magos, se puseram a caminho e seguiram
a estrela que tinham reconhecido como sendo a estrela da promessa, ou seja, a que
indicava o caminho para o verdadeiro Rei e Salvador. Podemos dizer que eram homens
de ciência, mas não apenas no sentido de quererem saber muitas coisas; eles queriam
algo mais. Queriam entender o que é que conta no facto de sermos homens. Provavelmente
ouviram falar da profecia de Balaão, um profeta pagão: «Uma estrela sai de Jacob,
e um cetro se levanta de Israel» (Nm 24, 17). Eles aprofundaram esta promessa. Eram
pessoas de coração inquieto, que não se satisfaziam com aparências ou com a rotina
da vida. Eram homens à procura da promessa, à procura de Deus. Eram homens vigilantes,
capazes de discernir os sinais de Deus, a sua linguagem subtil e insistente. Mas eram
também homens corajosos e, ao mesmo tempo, humildes: podemos imaginar as zombarias
que tiveram de suportar quando se puseram a caminho para ir ter com o Rei dos Judeus,
enfrentando canseiras sem número. Mas, não consideravam decisivo o que se pensava
ou dizia deles, mesmo pelas pessoas influentes e inteligentes. Para eles o que contava
era a própria verdade, não a opinião dos homens. Por isso, enfrentaram as privações
e o cansaço dum caminho longo e incerto. Foi a sua coragem humilde que lhes permitiu
prostrar-se diante dum menino filho de gente pobre e reconhecer n’Ele o Rei prometido,
cuja busca e reconhecimento fora o objectivo do seu caminho exterior e interior. Queridos
amigos, em tudo isto é possível ver alguns traços essenciais do ministério episcopal.
Também o Bispo deve ser um homem de coração inquieto, que não se satisfaz com as coisas
rotineiras deste mundo, mas segue a inquietação do coração que o impele interiormente
a aproximar-se sempre mais de Deus, a procurar o seu Rosto, a conhecê-Lo cada vez
melhor, para poder amá-Lo sempre mais. Também o Bispo deve ser um homem de coração
vigilante que percebe a linguagem subtil de Deus e sabe discernir a verdade da aparência.
Também o Bispo deve estar repleto da coragem da humildade, que não se interessa do
que a opinião dominante diz dele, mas por critério toma a medida da verdade de Deus,
comprometendo-se com ela «opportune – importune». Deve ser capaz de ir à frente indicando
o caminho. Deve ir à frente seguindo Aquele que a todos nos precedeu, porque é o verdadeiro
Pastor, a verdadeira estrela da promessa: Jesus Cristo. E deve ter a humildade de
prostrar-se diante daquele Deus que Se tornou tão concreto e tão simples que contradiz
o nosso orgulho insensato, que não quer ver Deus assim perto e pequenino. Deve viver
a adoração do Filho de Deus feito homem, aquela adoração que lhe indica sem cessar
o caminho. A liturgia da Ordenação Episcopal exprime o essencial deste ministério
em oito perguntas dirigidas aos Ordenandos, que começam sempre com a palavra: «Vultis?
– Quereis?». As perguntas orientam a vontade e indicam-lhe o caminho a tomar. Gostaria
de mencionar aqui, brevemente, algumas das palavras-chave desta orientação, nas quais
se concretiza aquilo que há pouco reflectimos a partir dos Magos que aparecem na festa
de hoje. A missão dos Bispos é «praedicare Evangelium Christi», «custodire», «dirigere»,
«pauperibus se misericordes praebere», «indesinenter orare». O anúncio do Evangelho
de Jesus Cristo, guardar o depósito sagrado da nossa fé, ir à frente e guiar, a misericórdia
e a caridade para com os necessitados e os pobres nas quais se reflecte o amor misericordioso
de Deus para connosco e, finalmente, a oração contínua são características fundamentais
do ministério episcopal. A oração contínua significa nunca perder o contacto com Deus,
deixar-se tocar sempre por Ele no íntimo do nosso coração e deste modo sermos permeados
pela sua luz. Só quem conhece a Deus pessoalmente é que pode guiar os outros para
Deus. E só quem guia os homens para Deus é que os guia pela estrada da vida. O
coração inquieto, de que falámos inspirando-nos em Santo Agostinho, é o coração que,
em última análise, não se satisfaz com nada menos do que Deus e é, precisamente assim,
que se torna um coração que ama. O nosso coração vive inquieto relativamente a Deus,
e não pode ser doutro modo, embora hoje se procure, com «narcóticos» muito eficazes,
libertar o homem desta inquietação. Mas não somos só nós, seres humanos, que vivemos
inquietos relativamente a Deus. Também o coração de Deus vive inquieto relativamente
ao homem. Deus espera-nos. Anda à nossa procura. Também Ele não descansa enquanto
não nos tiver encontrado. O coração de Deus vive inquieto, e foi por isso que se pôs
a caminho até junto de nós – até Belém, até ao Calvário, de Jerusalém até à Galileia
e aos confins do mundo. Deus vive inquieto connosco, anda à procura de pessoas que
se deixem contagiar por esta sua inquietação, pela sua paixão por nós; pessoas que
vivem a busca que habita no seu coração e, ao mesmo tempo, se deixam tocar no coração
pela busca de Deus a nosso respeito. Queridos amigos, foi esta a missão dos Apóstolos:
acolher a inquietação de Deus pelo homem e levar o próprio Deus aos homens. E, seguindo
os passos dos Apóstolos, esta é a vossa missão: deixai-vos tocar pela inquietação
de Deus, a fim de que o anseio de Deus pelo homem possa ser satisfeito. Os Magos
seguiram a estrela. Através da linguagem da criação, encontraram o Deus da história.
É certo que a linguagem da criação, por si só, não é suficiente. Apenas a Palavra
de Deus, que encontramos na Sagrada Escritura, podia indicar-lhes definitivamente
o caminho. Criação e Escritura, razão e fé devem dar-se as mãos para nos conduzirem
ao Deus vivo. Muito se discutiu sobre o tipo de estrela que guiou os Magos. Pensa-se
numa conjunção de planetas, numa Supernova, ou seja, uma daquelas estrelas inicialmente
muito débeis que, na sequência duma explosão interna, irradia por algum tempo um imenso
esplendor, num cometa, etc. Deixemos que os cientistas continuem esta discussão. A
grande estrela, a verdadeira Supernova que nos guia é o próprio Cristo. Ele é, por
assim dizer, a explosão do amor de Deus, que faz brilhar sobre o mundo o grande fulgor
do seu coração. E podemos acrescentar: tanto os Magos do Oriente, mencionados no Evangelho
de hoje, como os Santos em geral pouco a pouco tornaram-se eles mesmos constelações
de Deus, que nos indicam o caminho. Em todas estas pessoas, o contacto com a Palavra
de Deus provocou, por assim dizer, uma explosão de luz, através da qual o esplendor
de Deus ilumina este nosso mundo e nos indica o caminho. Os Santos são estrelas de
Deus, pelas quais nos deixamos guiar para Aquele por quem o nosso ser anseia. Queridos
amigos, vós seguistes a estrela que é Jesus Cristo, quando dissestes o vosso «sim»
ao sacerdócio e ao ministério episcopal. E certamente brilharam para vós também estrelas
menores, que vos ajudaram a não errar o caminho. Na Ladainha dos Santos, invocamos
todas estas estrelas de Deus, a fim de que brilhem sempre de novo para vós e vos indiquem
o caminho. Com a Ordenação Episcopal, vós mesmos sois chamados a ser estrelas de Deus
para os homens, guiando-os pelo caminho que leva à verdadeira Luz: Cristo. Invoquemos,
pois, agora todos os Santos, para que possais corresponder sempre a esta vossa missão
mostrando aos homens a luz de Deus. Amen.