Cidade do Vaticano (RV) - Segue, na íntegra, a homilia do Papa na missa celebrada,
na Basílica de São Pedro, nesta segunda-feira, por ocasião do bicenternário de independência
dos países latino-americanos e caribenhos.
Queridos irmãos e irmãs,
“A
terra deu seus frutos”. Nesta imagem do salmo que ouvimos, no qual se convida todos
os povos e nações a louvar com júbilo o Senhor que nos salva, os Padres da Igreja
souberam reconhecer a Virgem Maria e Cristo, seu Filho: “A terra é Santa Maria, que
vem da nossa terra, de nossa linhagem, deste barro, desta lama, de Adão... A terra
deu seu fruto: primeiro, produziu uma flor [...]; depois esta flor se transformou
em fruto, para que pudéssemos comê-lo, para que comêssemos sua carne. Querem saber
qual é este fruto? É O Virgem que procede da Virgem; o Senhor, da escrava; Deus, do
homem; o Filho, da Mãe; o fruto, da terra”. Também nós, hoje, exultando pelo fruto
de nossa terra, dizemos: “Que te louvem, Senhor, todos os povos” (Sal 66,4. 6). Proclamamos
o dom da redenção alcançada por Cristo, e em Cristo, reconhecemos seu poder e majestade
divina.
Animado por estes sentimentos, saúdo com afeto fraterno os senhores
cardeais e bispos que nos acompanham, as diversas representações diplomáticas, sacerdotes,
religiosos e religiosas, assim como os grupos de fiéis congregados nesta Basílica
de São Pedro para celebrar alegremente a solenidade de Nossa Senhora de Guadalupe,
Mãe e Estrela da Evangelização da América.
Tenho igualmente em minha mente
todos os que estão unidos espiritualmente e rezam a Deus conosco pelos diversos países
latino-americanos e do Caribe, muitos dos quais durante este tempo estão comemorando
o Bicentenário de sua independência e que, além dos aspectos históricos, sociais e
políticos dos fatos, renovam ao Senhor a gratidão pelo grande dom da fé recebida,
uma fé que anuncia o Mistério redentor da morte e ressurreição de Jesus Cristo, para
que todos os povos da terra nEle tenham vida. O Sucessor de Pedro não podia deixar
passar esta efeméride sem expressar a alegria da Igreja pelos muitos dons que Deus,
em sua infinita bondade, derramou durante estes anos nestas queridas nações que invocam
a tão querida Maria Santíssima.
A venerada imagem da Morenita del Tepeyac,
de rosto doce e sereno, impressa no manto do índio São Juan Diego, se apresenta como
“a sempre Virgem Maria, Mãe do verdadeiro Deus por quem se vive”. Ela evoca a mulher
vestida de sol, com a lua sob seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre sua cabeça:
a mulher está grávida” e assinala a presença do Salvador a sua população indígena
e mestiça. Ela nos conduz sempre a seu divino Filho, que se revela como fundamento
da dignidade de todos os seres humanos, como um amor mais forte que os poderes do
mal e a morte, sendo também fonte de alegria, confiança filial, consolo e esperança.
O Magnificat, que proclamamos no Evangelho, é «o cântico da Mãe de Deus e
da Igreja, cântico da Filha de Sião e do novo Povo de Deus, cântico de ação de graças
pela plenitude de graças distribuídas na Economia da Salvação, cântico dos “pobres”,
cuja esperança é satisfeita pela realização das promessas feitas a nossos pais» (Catecismo
da Igreja Católica, 2619). Em um gesto de reconhecimento ao seu Senhor e de humildade
da sua serva, a Virgem Maria eleva a Deus o louvor por tudo o que Ele fez em favor
do seu povo Israel. Deus é Aquele que merece toda a honra e glória, o Poderoso que
fez maravilhas por sua fiel servidora e que hoje continua mostrando o seu amor por
todos os homens, particularmente aqueles que enfrentam duras provas.
«Seu
Rei está chegando. Justo e vitorioso. É humilde e vem montado num jumento» (Zc 9,9),
ouvimos na primeira leitura. Desde a encarnação do Verbo, o Mistério divino se revela
no acontecimento de Jesus Cristo, que é contemporâneo a toda pessoa humana em todo
tempo e lugar por meio da Igreja, de quem Maria é Mãe e modelo. Por isto, nós podemos
hoje continuar louvando a Deus pelas maravilhas que realizou na vida dos povos latino-americanos
e do mundo inteiro, manifestando sua presença no Filho e a efusão de seu espírito
como novidade de vida pessoal e comunitária. Deus ocultou estas coisas a «sábios e
entendidos», dando-as a saber aos pequenos, aos humildes, aos simples de coração (cf.
Mt 11,25).
Por seu «sim» ao chamado de Deus, a Virgem Maria manifesta entre
os homens o amor divino. Neste sentido, Ela, com simplicidade e coração de mãe, continua
indicando a única Luz e a única Verdade: seu Filho Jesus Cristo, que “é a resposta
definitiva à pergunta sobre o sentido da vida e às questões fundamentais que ainda
assediam hoje muitos homens e mulheres do continente americano” (Exhort. Ap. Pos sinodal
Ecclesia in America, 10). Igualmente, Ela “continua nos trazendo, com sua constante
intercessão, os dons da eterna salvação. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu
Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria
bem-aventurada” (Lumen gentium, 62).
Atualmente, enquanto se comemora em diversos
lugares da América Latina o Bicentenário de sua independência, o caminho da integração
neste querido continente avança, ao mesmo tempo em que se sente seu novo protagonismo
emergente no quadro mundial. Nestas circunstâncias, é importante que seus diversos
povos salvaguardem seu rico tesouro de fé e seu dinamismo histórico-cultural, sendo
sempre defensores da vida humana desde sua concepção até sua morte natural, e promotores
da paz; devem tutelar igualmente a família em sua genuína natureza e missão, intensificando
ao mesmo tempo uma vasta e capilar tarefa educativa que prepare corretamente as pessoas
e as conscientize de suas capacidades, de modo que enfrentem digna e responsavelmente
seu destino. Estão chamados também a estimular cada vez mais iniciativas conciliadas
e programas efetivos que propiciem a reconciliação e a fraternidade, aumentem a solidariedade
e o cuidado pelo meio ambiente, incrementando ao mesmo tempo os esforços para superar
a miséria, o analfabetismo e a corrupção e erradicar toda injustiça, violência, criminalidade,
insegurança urbana, narcotráfico e extorsões.
Quando Igreja se preparava para
comemorar o quinto centenário da “plantatio” da Cruz de Cristo na boa terra do continente
americano, o Beato João Paulo II formulou em seu solo, pela primeira vez, o programa
para uma evangelização nova “em seu ardor, em seus métodos, em sua expressão” (cf.
Discurso à Assembleia do CELAM, 9 de março de 1983, III: AAS 75, 1983, 778). A partir
da minha responsabilidade de confirmar na fé, também eu quero encorajar o afã apostólico
que atualmente impulsiona e pretende a "missão continental", promovida em Aparecida,
para que "a fé cristã se enraize mais profundamente no coração das pessoas e dos povos
da América Latina como acontecimento fundador e encontro vivificador com Cristo” (V
Conferência Episcopal Latino-Americano e do Caribe, o documento final, 13). Assim
se multiplicarão os verdadeiros discípulos e missionários do Senhor e se renovará
a vocação da América Latina e do Caribe para a esperança. Que a luz de Deus brilhe
cada vez mais na face de cada um dos filhos dessa amada terra e que Sua graça redentora
oriente suas decisões, para que continuem avançando incansavelmente na construção
de uma sociedade fundada no desenvolvimento do bem, no triunfo do amor e na difusão
da justiça. Com estes vivos desejos, e apoiado pela ajuda da providência divina, tenho
a intenção de realizar uma Viagem Apostólica antes da Santa Páscoa ao México e Cuba,
para ali proclamar a Palavra de Cristo e confirmar a convicção de que este é um tempo
precioso para evangelizar com uma fé firme, uma esperança viva, e uma caridade ardente.
Recomendo todos estes propósitos à amorosa mediação de Nossa Senhora de Guadalupe,
nossa Mãe do céu, assim como os atuais destinos das nações latino-americanas e caribenhas
e o caminho que estão percorrendo para um amanhã melhor. Também invoco sobre elas
a intercessão de tantos santos e beatos que o Espírito Santo suscitou ao longo da
história do continente, oferecendo modelos heróicos de virtudes cristãs nas diversidade
de estados de vida e de ambientes sociais, para que seus exemplos favoreçam cada vez
mais uma nova evangelização, sob o olhar de Cristo, o Salvador do homem e força de
sua vida. (CM/SP)