Jales (RV) - Com este domingo, iniciamos um novo tempo litúrgico, que vai nos
levar à celebração do Natal. Na verdade, para a liturgia, começa um novo ano, ao
longo do qual celebramos os diferentes enfoques do mistério de Cristo.
Na
passagem de um ano para o outro, aparece com insistência o enfoque relativo ao fim
dos tempos, culminando com a aparição gloriosa do Senhor julgando as nações de toda
a terra.
Como as cenas se referem a um tempo meta-histórico, para se referir
a elas se usa um gênero literário próprio, denominado “escatológico”, pois trata
dos “últimos tempos”, como sugere a palavra grega “éscaton”.
Aí reside o
desafio. Mesmo usando uma linguagem com evidente carga de fantasia, resulta uma descrição
muito semelhante aos fatos reais, que a história pode comprovar. Então, precisamos
discernir o que tem consistência histórica, e o que é “escatológico”, usado intencionalmente
para se referir a fatos que não cabem dentro do contexto da realidade humana.
Um
exemplo bem claro encontramos nos evangelhos, quando trazem as profecias de Cristo
sobre o fim do mundo. Usam a destruição histórica de Jerusalém, acontecida no ano
70 de nossa era, para com ela descrever, de maneira aproximada, a destruição final
do mundo.
Assim, um fato histórico, a destruição de Jerusalém por Tito, serve
de moldura para imaginar o fim do mundo. O que devemos fazer? Separar os fatos das
fantasias.
Quando o evangelho relata o cerco de Jerusalém, se refere a fatos
da história: “Quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, ficai sabendo que sua
destruição está próxima.. Então, os que estiverem na Judéia, fujam para as montanhas,
os que estiverem na cidade, afastem-se dela” (Lucas, 21, 20...). Esta parte tem clara
conotação histórica, e aconteceu de fato, quando o exército romano devastou complemente
a cidade de Jerusalém. .
Mas logo em seguida, o evangelho envereda para o
gênero literário escatológico, ao advertir que “haverá sinais no sol, na lua e nas
estrelas...(Lc 21, 25..). Aí já é fantasia. Por mais que imaginemos o bonito espetáculo
da ciranda das estrelas dançando com o sol e a lua como prelúdio do fim do mundo,
sabemos que é uma linguagem figurada, aliás muito solene e bonita, mas que remete
para uma realidade que não conseguimos expressar adequadamente por palavras humanas.
Talvez ajude uma comparação. Quando olhamos para uma cadeia de montanhas,
as primeiras à nossa frente podem ser bem dimensionadas em seu tamanho real. As que
estão no fundo, podem até parecer menores, mas se sobressaem às primeiras, é porque
são maiores do que elas.
Para falar de um assunto maior, usamos realidades
menores.
Como o assunto é tão recorrente nestes dias, até o fim do mundo nos
ajuda a situar melhor as questões relativas ao Código Florestal. Há algumas “montanhas”
à nossa frente, isto é, algumas constatações evidentes, que precisamos dimensionar
bem, para termos uma idéia mais aproximada do tamanho da questão. Por exemplo: as
terras usadas para agricultura, no Brasil, representam só 38% do território nacional.
Portanto, 62% do território nacional nem é atingido pela agricultura! E mais: dos
38% das terras agricultáveis, só 27% são usadas pelos pequenos agricultores, que representam
88% dos estabelecimentos rurais. 12% das propriedades, neste país de histórica concentração
fundiária, ocupam 73% das terras agricultáveis.
Os que insistem em achar
que provocamos o fim do mundo se o Código Florestal garante aos pequenos agricultores
uma proteção especial, para viabilizar sua importante função de proteger o meio ambiente
e de produzir alimentos, não está se dando conta da finalidade do Código Florestal,
e demonstra não distinguir a realidade da fantasia.
A sobrevivência dos pequenos
agricultores não é um risco para o meio ambiente, mas uma garantia de que a natureza
será bem cuidada, e a terra será fecunda para a vida de todos.