Rio de Janeiro (RV) - Mais um ano litúrgico está terminando e celebramos neste
final de semana o penúltimo domingo – o XXXIII - do Tempo Comum. Os textos da Palavra
de Deus desta época nos levam ao tema das últimas coisas e nos fazem pensar sobre
a parusia. E o apóstolo São Paulo nos traz de volta à realidade da nossa vida e de
nossa existência aguardando a vinda do Senhor. No trecho da segunda leitura, tirada
da primeira Carta aos Tessalonicenses (1Ts 5,1-6), fala-nos exatamente do dia do Senhor. Há
no texto um convite claro para a vigilância na espera desse encontro com o Senhor.
Existem muitos que discursam sobre o final dos tempos marcando falaciosamente datas.
Porém, para nós, o convite nos é dirigido para estarmos preparados cada dia. No início
do mês celebramos a comemoração dos fiéis defuntos e rezamos nessa intenção. No domingo
passado recordarmos com alegria os nossos irmãos que se encontram na visão beatífica,
os santos, e nos alegramos com seus exemplos e intercessão. Porém, é fato também que
existe uma cultura que tem causado violências e mortes em nossa sociedade e que nos
questiona sobre o sentido que damos às nossas vidas. Essas celebrações e ocorrências
nos ajudam a olhar com mais profundidade os nossos caminhos. Nestas terras da Jornada
Mundial da Juventude, chamam a nossa atenção algumas mortes precoces de jovens por
causa da violência em nosso país, como por exemplo: pela violência oriunda da contravenção,
as que ocorrem pelos acidentes de trânsito, as causadas pelos motoristas bêbados,
e tantas outras em circunstâncias e detalhes que enchem as páginas de alguns jornais.
Com a campanha “contra o extermínio de jovens”, somos chamados a pensar sobre nosso
compromisso com a vida e com uma sociedade mais justa. É doloroso ver os nossos jovens
enveredados por tantos caminhos que só levam à infelicidade e morte. Porém, diante
de tantas ocorrências somos chamados a refletir sobre o último ato da nossa vida.
Nossa vida de fé deve ser uma vida ativa e dinâmica, no sentido de que não podemos
adormecer sobre a nossa condição, às vezes sem expressão clara da verdadeira fé. O
Evangelho deste domingo (cf. Mt 25,14-30) nos ajuda a examinar nossos caminhos porque
fala dos frutos dos talentos recebidos. Deus nos deu uma importante missão, que devemos
levar adiante e que identificamos como talentos. Temos o dever de trabalhar para a
conquista do Reino de Deus e a sua propagação entre nós. Isso nos foi confiado pelo
Senhor. A parábola dos talentos ajuda-nos a assumir um comportamento mais responsável
sobre a fé, para vivê-la e repassá-la não somente pela palavra, mas, sobretudo, pelo
exemplo de vida. Isso deve ser claro, especialmente para aqueles que vivem sobre o
legado do passado, sobre os bens já feitos e executados imaginando que nada mais é
necessário hoje. Devemos, porém, estar sempre vigilantes e ativos. Deus vê o coração,
a generosidade, o empenho, a dedicação, a vigilância, o compromisso de cada um de
nós. Nessa perspectiva, é muito eficaz o que lemos na primeira leitura deste domingo
(cf. Pr 31,10-13.19-20.30-31): o texto é retirado do livro de Provérbios, um dos livros
sapienciais do Antigo Testamento, cheio de razões espirituais e morais. É claro que
o padrão das mulheres fortes e trabalhadoras, honestas e generosas, que cuidam de
sua beleza interior é um exemplo de vida para todos que se preocupam com o destino
de sua felicidade terrena e eterna. A leitura do Evangelho deste domingo mais
uma vez insiste na vigilância ativa e sobre a responsabilidade corajosa que devem
distinguir quem acolheu a mensagem da salvação. A parábola não deixa de ter um aspecto
polêmico: Mateus, obviamente, estava pensando numa comunidade não muito comprometida,
que adormece sobre os louros. O servo que se contentou em esconder o seu talento,
servilmente fazendo o que ele pensa ser a tarefa do mestre, é chamado de "mau e preguiçoso".
A
parábola vai bem além dos padrões morais que encontramos na primeira leitura. Não
se trata apenas de valorizar os dons recebidos: o capital que o Senhor nos confiou
é, antes de tudo, a Sua Palavra, que abre horizontes infinitos para as nossas vidas.
É também a missão de evangelização, que se refere ao futuro da Igreja e do reino.
O homem da parábola representa o próprio Cristo, os servos são os discípulos e
os talentos são os dons que Jesus lhes confia. Por isso, tais dons, além das qualidades
naturais, representam as riquezas que o Senhor Jesus nos deixou em herança, para que
as multipliquemos. E, em consequência, toda a transformação da sociedade na civilização
do amor. Em síntese: o Reino de Deus, que é Ele mesmo, presente e vivo no meio de
nós. A parábola insiste na atitude interior com que acolher e valorizar este dom.
A atitude errada é a do receio: o servo que tem medo do seu Senhor e teme o seu retorno,
esconde a moeda debaixo da terra e ela não produz qualquer fruto. Isto acontece, por
exemplo, com quem, tendo recebido o Batismo, a Comunhão e a Crisma, depois enterra
tais dons debaixo de uma camada de preconceitos, sob uma falsa imagem de Deus, que
paralisa a fé e as obras a ponto de atraiçoar as expectativas do Senhor. A realidade
salta aos nossos olhos: Sim, o que Cristo nos concedeu multiplica-se quando é doado!
Cristo nos oferece, generosamente, um tesouro feito para ser despendido, investido,
compartilhado com todos. A mensagem central da liturgia deste domingo diz respeito
ao espírito de responsabilidade com que devemos acolher o Reino de Deus – responsabilidade
em relação a Deus e à humanidade. Encarna perfeitamente esta atitude do coração a
Virgem Maria que, recebendo o mais precioso dos dons, o próprio Jesus, ofereceu-O
ao mundo com imenso amor. A Maria Santíssima peçamos que nos ajude a ser "servos bons
e fiéis" para que possamos um dia, com júbilo, entrar e participar "na alegria do
nosso Senhor, o Cristo Redentor". † Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ