Rio de Janeiro (RV) - O Evangelho deste domingo termina com uma daquelas frases
lapidares de Jesus, que deixaram uma marca profunda na história e na linguagem humana:
"Dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". É uma afirmação que os remete
à reflexão sobre o relacionamento entre a Religião e o Estado, até então inseparáveis
em outros povos e regimes.
Os judeus estavam acostumados a pensar no futuro
reino de Deus estabelecido pelo Messias como uma teocracia, isto é, como regra direta
de Deus sobre toda a Terra através de seu povo. Ainda hoje vemos na sociedade muitas
regiões onde esse relacionamento impera. Existe também um sério debate sobre esse
tema e possíveis soluções mesmo dentro do cristianismo. Mas a palavra de Cristo revela
o reino de Deus neste mundo, mas que não é deste mundo, andando sobre um comprimento
de onda diferente e que pode, portanto, coexistir com qualquer outro sistema político,
mesmo que muitas vezes sejamos perseguidos ou então críticos da situação reinante.
Deus
é o Senhor da história e exerce sua soberania sobre o mundo diretamente por Cristo,
na vida e ação das pessoas que O aceitam, e também através das pessoas que se tornam
fermento na massa e luz do mundo construindo a civilização do amor.
Deus é
o soberano último de todos, incluindo César. Não estamos divididos entre duas lealdades,
não somos obrigados a servir a “dois senhores". O cristão é livre para obedecer ao
Estado, mas também para resistir ao Estado quando ele vai contra os valores humanos
inscritos no coração do homem que crê. Nestes tempos em que o “Estado” muitas vezes
oprime a “Nação” e nem a respeita, somos chamados a refletir sobre a realidade que
vai se delineando ao nosso redor, perdendo sempre mais os direitos de cidadãos.
O
primeiro a tirar as conclusões práticas do ensinamento de Cristo foi São Paulo. Ele
escreve: "Todo mundo está sujeito às autoridades superiores, pois não há autoridade
exceto por Deus... Então, quem se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus...
Para isso, você também paga impostos, porque aqueles que se dedicam a esta tarefa
são funcionários de Deus" (Rm 13, 1ss). Pagar impostos honestamente para um cristão
(mas também para toda pessoa honrada) é um dever de justiça e, portanto, uma obrigação
de consciência. Porém, tudo isso, também obviamente, pressupõe que o Estado seja justo
e equitativo para impor os seus impostos e se preocupe com o “bem comum”, favorecendo
a todos.
A colaboração dos cristãos para construir uma sociedade justa e pacífica
não se esgota no pagamento de impostos. Deve alargar-se a promoção de valores comuns,
como a família, a paz, a defesa da vida, a solidariedade com os pobres. Respeito pelos
outros, mansidão, autocrítica em relação às capacidades: são traços que um discípulo
de Cristo deve trazer consigo, principalmente na política.
Evasão fiscal –
recorda-nos o Catecismo da Igreja Católica – é um pecado mortal, como qualquer outro
roubo grave. É roubo às pessoas, ao povo, à comunidade. Hoje também, em todos os cantos
de nosso país grita-se contra a corrupção. As pessoas se cansaram de ver o desvio
de verbas e a apropriação do bem público como pessoal e começam a gritar pelas nossas
praças. Vemos que uma nova ordem começa a ser exigida.
Na Bíblia não encontraremos
tratados de economia ou genética, mas a revelação do Plano de Deus para nossa salvação
e que nos dá uma sabedoria para discernir os caminhos e, iluminados pelo Evangelho,
julgar a realidade. Nesse sentido, na missão dos cristãos na sociedade podemos nos
perguntar onde estão os cristãos na economia, política, ciência e nos demais campos
da sociedade?
Coloquem a sua preparação e a sua inteligência a serviço do homem
e do Evangelho, deixem dialogar a verdade de Deus em relação a todas as coisas que
vocês fazem. Nestes tempos difíceis, pede-se aos cristãos que se ocupem com a pessoa
humana, com o “homem todo” para o qual Cristo deu a Sua Vida. E como cidadãos do mundo,
tocados pela alegria de conhecer a Cristo, peçamos para ser ouvidos e ouvir, para
trazer uma luz diferente sobre a realidade, uma perspectiva que nos eleva mais e mais...
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Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de
Janeiro, RJ