Com particular emoção volto aqui para
celebrar a Eucaristia, a Acção de Graças, com tanta gente vinda de diversas partes
da Alemanha e dos países limítrofes. A nossa acção de graças, queremos dirigi-la sobretudo
a Deus, em Quem vivemos e nos movemos; mas quero agradecer também a todos vós pela
vossa oração em favor do Sucessor de Pedro, para que ele possa continuar a desempenhar
o seu ministério com alegria e segura esperança, confirmando os irmãos na fé.
«Ó Deus, que manifestais a vossa omnipotência sobretudo com a misericórdia e o perdão…»:
rezamos na colecta de hoje. Na primeira leitura, ouvimos dizer como Deus, na história
de Israel, manifestou o poder da sua misericórdia. A experiência do exílio babilonense
fizera o povo cair numa crise de fé: Por que sucedera aquela desgraça? Seria Deus
verdadeiramente poderoso? Há teólogos que, à vista de todas as coisas terríveis
que acontecem hoje no mundo, dizem que Deus não pode ser omnipotente. Diversamente,
nós professamos Deus, o Omnipotente, o Criador do céu e da terra. Sentimo-nos felizes
e agradecidos por Ele ser omnipotente; mas devemos, ao mesmo tempo, dar-nos conta
de que Ele exerce o seu poder de maneira diferente de como costumam fazer os homens.
Ele próprio impôs um limite ao seu poder, ao reconhecer a liberdade das suas criaturas.
Sentimo-nos felizes e agradecidos pelo dom da liberdade; mas, quando vemos as coisas
tremendas que sucedem por causa dela, assustamo-nos. Mantenhamos a confiança em Deus,
cujo poder se manifesta sobretudo na misericórdia e no perdão. E estejamos certos,
amados fiéis, de que Deus deseja a salvação do seu povo. Deseja a nossa salvação.
Sempre, mas sobretudo em tempos de perigo e transtorno, Ele está perto de nós, o seu
coração comove-se por nós, inclina-se sobre nós. Para que o poder da sua misericórdia
possa tocar os nossos corações, requer-se a abertura a Ele, é preciso a disponibilidade
de abandonar o mal, levantar-se da indiferença e dar espaço à sua Palavra. Deus respeita
a nossa liberdade; não nos constrange. No Evangelho, Jesus retoma este tema fundamental
da pregação profética. Narra a parábola dos dois filhos que são convidados pelo pai
para irem trabalhar na vinha. O primeiro filho respondeu: «“Não quero”. Depois, porém,
arrependeu-se e foi» (Mt 21, 29). O outro, ao contrário, disse ao pai: «“Eu vou, senhor.”
Mas, de facto, não foi» (Mt 21, 30). À pergunta de Jesus sobre qual dos dois cumprira
a vontade do pai, os ouvintes respondem: «O primeiro» (Mt 21, 31). A mensagem da parábola
é clara: Não são as palavras que contam, mas o agir, os actos de conversão e de fé.
Jesus dirige esta mensagem aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, isto é, aos
peritos de religião no povo de Israel. Estes começam por dizer «sim» à vontade de
Deus; mas a sua religiosidade torna-se rotineira, e Deus já não os inquieta. Por isso
sentem a mensagem de João Baptista e a de Jesus como um incómodo. E assim o Senhor
conclui a sua parábola com estas palavras drásticas: «Os publicanos e as mulheres
de má vida vão antes de vós para o Reino de Deus. João Baptista veio ao vosso encontro
pelo caminho que leva à justiça, e não lhe destes crédito, mas os publicanos e as
mulheres de má vida acreditaram nele. E vós, que bem o vistes, nem depois vos arrependestes,
acreditando nele» (Mt 21, 31-32). Traduzida em linguagem do nosso tempo, a frase poderia
soar mais ou menos assim: agnósticos que, por causa da questão de Deus, não encontram
paz e pessoas que sofrem por causa dos nossos pecados e sentem desejo dum coração
puro estão mais perto do Reino de Deus de quanto o estejam os fiéis rotineiros, que
na Igreja já só conseguem ver o aparato sem que o seu coração seja tocado pela fé. Assim,
a palavra de Jesus deve fazer-nos reflectir; antes, deve abalar a todos nós. Isto,
porém, não significa de modo algum que todos quantos vivem na Igreja e trabalham para
ela se devam considerar distantes de Jesus e do Reino de Deus. Absolutamente, não!
Antes, este é o momento bom para dizer um palavra de profunda gratidão a tantos colaboradores,
contratados ou voluntários, sem os quais a vida nas paróquias e na Igreja inteira
seria impensável. A Igreja na Alemanha possui muitas instituições sociais e caritativas,
onde se cumpre o amor do próximo de forma eficaz, mesmo socialmente e até aos confins
da terra. Quero exprimir a minha gratidão e o meu apreço a todos quantos estão empenhados
na Cáritas alemã ou noutras organizações, ou então que disponibilizam generosamente
o seu tempo e as suas forças para tarefas de voluntariado na Igreja. Tal serviço requer,
primariamente, uma competência objectiva e profissional; mas, no espírito do ensinamento
de Jesus, exige-se algo mais, ou seja, o coração aberto, que se deixa tocar pelo amor
de Cristo, e deste modo é prestado ao próximo, que precisa de nós, mais do que um
serviço técnico: o amor, no qual se torna visível ao outro o Deus que ama, Cristo.
Neste sentido, interroguemo-nos: Como é a minha relação pessoal com Deus na oração,
na participação na Missa dominical, no aprofundamento da fé por meio da meditação
da Sagrada Escritura e do estudo do Catecismo da Igreja Católica? Queridos amigos,
em última análise, a renovação da Igreja só poderá realizar-se através da disponibilidade
à conversão e duma fé renovada. No Evangelho deste domingo, fala-se de dois filhos,
mas misteriosamente por detrás deles há ainda um terceiro filho. O primeiro filho
diz «não», mas depois cumpre a vontade do pai. O segundo filho diz «sim», mas não
faz o que lhe foi ordenado. O terceiro filho diz «sim» e faz também o que lhe foi
ordenado. Este terceiro filho é o Filho Unigénito de Deus, Jesus Cristo, que aqui
nos reuniu a todos. Ao entrar no mundo, Ele disse: «Eis que venho (…) para fazer,
ó Deus, a vossa vontade» (Heb 10, 7). Este «sim», Ele não se limitou a pronunciá-lo,
mas cumpriu-o. Diz-se no hino cristológico da segunda leitura: «Ele, que era de condição
divina, não quis ter a exigência de ser posto ao nível de Deus. Antes, a Si próprio
Se despojou, tomando a condição de escravo, ficando semelhante aos homens. Tido no
aspecto como simples homem, ainda mais Se humilhou a Si mesmo, obedecendo até à morte
e morte na cruz» (Flp 2, 6-8). Em humildade e obediência, Jesus cumpriu a vontade
do Pai, morreu na cruz pelos seus irmãos e irmãs e redimiu-nos da nossa soberba e
obstinação. Agradeçamos-Lhe pelo seu sacrifício, ajoelhemos diante do seu Nome e,
juntamente com os discípulos da primeira geração, proclamemos: «Jesus Cristo é Senhor,
para glória de Deus Pai» (Flp 2, 11). A vida cristã deve medir-se continuamente
pela de Cristo: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus»
(Flp 2, 5) – escreve São Paulo ao introduzir o hino cristológico. E, alguns versículos
antes, exorta: «Se há em Cristo alguma consolação, algum conforto na caridade; se
existe alguma participação nos dons do Espírito Santo, alguns sentimentos de ternura
e misericórdia, então completai a minha alegria, mantendo-vos unidos nos mesmos sentimentos:
conservai a mesma caridade, uma alma comum, um mesmo e único sentir» (Flp 2, 1-2).
Assim como Cristo estava totalmente unido ao Pai e era-Lhe obediente, assim também
os seus discípulos devem obedecer a Deus e manter entre si um mesmo sentir. Queridos
amigos, com Paulo ouso exortar-vos: Tornai plena a minha alegria, permanecendo firmemente
unidos em Cristo! A Igreja na Alemanha vencerá os grandes desafios do presente e do
futuro e continuará a ser fermento na sociedade, se os sacerdotes, as pessoas consagradas
e os leigos que acreditam em Cristo, na fidelidade à vocação específica de cada um,
colaborarem em unidade; se as paróquias, as comunidades e os movimentos se apoiarem
e enriquecerem mutuamente; se os baptizados e os crismados, em união com o Bispo,
mantiverem alta a chama de uma fé intacta e, por ela, deixarem iluminar a riqueza
dos seus conhecimentos e capacidades. A Igreja na Alemanha continuará a ser uma bênção
para a comunidade católica mundial, se permanecer fielmente unida aos Sucessores de
São Pedro e dos Apóstolos, se tiver a peito de variados modos a cooperação com os
países de missão e se nisto se deixar «contagiar» pela alegria na fé das jovens Igrejas. Com
a exortação da unidade, Paulo associa o apelo à humildade: «Não façais nada por rivalidade,
nem por vanglória; mas, por humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos,
sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros» (Flp
2, 3-4). A vida cristã é uma «existência-para»: um viver para o outro, um compromisso
humilde a favor do próximo e do bem comum. Amados fiéis, a humildade é uma virtude
que hoje não goza de grande estima. Mas os discípulos do Senhor sabem que esta virtude
é, por assim dizer, o óleo que torna fecundos os processos de diálogo, fácil a colaboração
e cordial a unidade. Humilitas, a palavra latina donde deriva «humildade», tem a ver
com humus, isto é, com a aderência à terra, à realidade. As pessoas humildes vivem
com ambos os pés na terra; mas sobretudo escutam Cristo, a Palavra de Deus, que ininterruptamente
renova a Igreja e cada um dos seus membros. Peçamos a Deus a coragem e a humildade
de prosseguirmos pelo caminho da fé, de nos saciarmos na riqueza da sua misericórdia
e de mantermos o olhar fixo em Cristo, a Palavra que faz novas todas as coisas, que
é para nós «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14, 6), que é o nosso futuro. Amen.