Cidade do Vaticano, 09 set (RV) - Estamos no mês da Bíblia e refletindo, de
maneira especial, sobre a travessia do povo de Deus no deserto e o consequente encontro
com Ele. Falamos hoje da animação bíblica de toda pastoral e do retorno da “lectio
divina”, ou leitura orante da Bíblia, em nossas reuniões de grupo e círculos bíblicos.
Nesta semana a nossa Arquidiocese esteve reunida por Vicariatos nas Assembleias dos
Círculos Bíblicos. Também na catequese tivemos um bom trabalho para que o aprofundamento
da fé tivesse como grande fonte a Palavra de Deus. A Iniciação Cristã nos trouxe a
figura dos “introdutores” para a primeira acolhida dos que chegam às nossas comunidades
e que devem ser pessoas que transmitam a “palavra de Deus” pelo seu testemunho. Vivemos
em tempos muito ricos e que supõem de cada um a abertura para escutar o Senhor que
nos fala.
Costuma-se dizer que a Bíblia é o principal livro da catequese, a
mais importante fonte do processo de evangelização. Isso é fácil de entender, pois
sabemos que a Bíblia é, para nós, Palavra de Deus. Se, na catequese, o que se pretende
é ajudar o catequizando a realizar o seu encontro com Deus, fica clara a importância
da Palavra de Deus por meio da qual se realiza esse encontro. A catequese é, sem dúvida,
centrada na Palavra de Deus. O catequizando deve aprender a escutar a Bíblia e deve
ser incentivado a vivenciá-la. Por meio da Palavra, Deus se comunica conosco e nós
nos comunicamos com Ele.
É impossível compreender exatamente o que seja a catequese
sem compreender profundamente a Palavra de Deus. O Diretório Nacional de Catequese
nos fala que é preciso que a catequese seja alimentada e dirigida pela Sagrada Escritura.
É tão grande a força e virtude da Palavra de Deus que fornece à Igreja a solidez da
fé, o alimento da alma, fonte pura e perene da vida espiritual. A própria Escritura
testemunha: A "Palavra de Deus é viva e eficaz" (Hb 4,11).
A Bíblia é, pois,
o primeiro livro de catequese. Antes de a Bíblia ser escrita, Israel encontrou-se
com seu Deus e alimentou sua vida de fé numa longa experiência comunitária de luta
pela sua sobrevivência e dignidade. Nessa experiência vai despontando o jeito catequético
de Deus, através do qual Israel foi aprendendo a ver Deus no centro de sua história
e da vida de cada um.
Por meio dessa longa experiência, podemos comparar a
Bíblia com uma antiga “máquina de costura”, que vai costurando a aliança de Deus com
o povo e do povo com Deus. O “carretel de linha” é o mistério do amor de Deus que
vai penetrando os orifícios de nossa vida. A “canelinha” somos nós, que devemos corresponder
à penetração da agulha de Deus em nossa vida. O importante é “firmar o ponto” e não
afrouxar a costura, senão vamos “franzir” a nossa vida cristã. Através de nossa liberdade
podemos cortar a linha e quebrar a aliança com Deus. A catequese é, portanto, a constante
“costura” que fazemos com Deus. Não se faz roupa apenas em alguns momentos da vida.
Daí a importância da catequese e de sua formação permanentes.
Depois de muito
tempo, por inspiração de Deus, Israel vai pondo por escrito aspectos marcantes dessa
experiência vivida à luz da fé. A vivência suscita os escritos. Na catequese de Deus
os fatos precedem as escritas. É a grande pedagogia da Bíblia. Os escritos que vão
surgindo mantêm viva e aprofundam a fé através de releituras posteriores provocadas
pelos fatos novos.
Assim, o Diretório Nacional de Catequese afirma: "O texto
sagrado nasceu em experiência comunitária: foi o processo que o próprio Deus escolheu
para se comunicar. É função do texto bíblico alicerçar e vivificar a comunidade dos
que creem, fazendo crescer a unidade da Igreja, que não é uniformidade, mas deriva
de um espírito básico de comunhão... A Bíblia nasceu na e para a comunidade de fé.
Ela será vista em suas perspectivas mais importantes só quando relacionada com a comunidade"
(DNC 177-185).
Uma das características da Catequese renovada e ratificada no
Diretório Nacional de Catequese é a "Interação fé-vida”: O conteúdo da catequese compreende
dois elementos que se interagem: a experiência da vida e a formulação da fé. A interação
entre fé e vida é a tarefa principal, a arte do catequista e seu constante desafio
diante das situações concretas (DNC 26). Esta interação não pode ser de palavra, igual
óleo no copo de água: só se mistura quando é remexido. Deve ser a interação do óleo
e da água na panela quente para cozinhar o arroz. Uma vez misturados, não se separam
mais. Toda a Palavra de Deus é esta grande interação entre fé e vida.
A Bíblia
nos traz valiosos testemunhos de mulheres e homens que declararam o quanto tiveram
consciência de que Deus é parceiro e está no centro da caminhada. De tudo isto, a
Bíblia é fruto e história. A Sagrada Escritura é, ao mesmo tempo, testemunho oficial
e orientação autorizada do período fundador da nossa comunidade de fé. Por isso mesmo,
a Bíblia é livro catequético por excelência.
Na Bíblia não existem textos sem
valor, banais, mesmo que às vezes se tenha esta impressão. Eles têm seus valores,
ainda que ocultos. Daí a necessidade de boa formação bíblica para perceber qual catequese
está por trás de tais textos. Para isto é importante dar bastante atenção ao texto.
Evitar a ânsia de nos servirmos do mesmo texto para expor nossas ideias, não prestando
atenção ao que ele tem a nos dizer.
A pedagogia de Deus é a revelação progressiva
através de palavras e acontecimentos na caminhada do povo. Nada pronto de cima para
baixo. Na medida em que o povo caminhava, ia reavaliando suas reflexões e ações numa
linha progressiva. A pedagogia bíblica é a reflexão na caminhada. Nada de receitas
prontas. Na medida em que a comunidade caminha, reavalia reflexões e soluções do passado,
às vezes corrigindo-as. É o caso, por exemplo, da responsabilidade pessoal.
A
pedagogia bíblica nos ajuda a ver problemas e nos mostra que suas soluções estão na
comunidade de fé, onde aprendemos a traduzir em oração e em catequese tudo o que acontece:
alegria, dores, esperanças. Neste sentido, é importante o uso de uma linguagem simbólico-cultural,
que situa catequista e catequizando em sua cultura.
Contudo, é preciso valorizar
ainda mais a importância da Bíblia a nível pessoal e comunitário, e promover uma catequese
que seja fundada na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, vivificando os programas
catequéticos e os próprios catecismos, a pregação e a piedade popular. Em todas as
catequeses integrais devem estar sempre presentes, inseparavelmente unidos, o conhecimento
da Palavra de Deus, a celebração da fé nos sacramentos e a profissão da fé na vida
quotidiana. Deste modo, estaremos fazendo e vivendo uma catequese pautada na Palavra
de Deus e tendo a certeza de que estamos no caminho certo, e que nossa catequese hoje
possa responder aos anseios de nossos catequizandos.
Que em nossas comunidades,
neste mês da Bíblia, seja valorizada a leitura orante da Bíblia, e que todas as nossas
paróquias, iluminadas pela Palavra de Deus, se coloquem na escola da Palavra, que
é alimento diário para a nossa caminhada de fé neste mundo tão conturbado em que vivemos,
onde somente a Palavra de Deus nos ilumina a viver a santidade.
† Orani João
Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro,
RJ