Belo Horizonte, 12 ago (RV) - Os princípios que regem a vida de cada um e de
todos determinam as direções, definem as prioridades e desenham o horizonte para o
caminho existencial, configurando as dinâmicas que presidem o jeito de ser sociedade.
O preceito que diz “para ganhar tem que perder” dá um verdadeiro nó na racionalidade
que preside as relações na sociedade contemporânea. Neste momento está em pauta a
discussão sobre a crise econômica que se abate em regiões determinadas da geografia
da Terra. A linguagem do economês, com a complexidade de números e princípios, detecta
a crise por razões como as quedas nas bolsas de valores, entre outras, revelando fragilidades
e anunciando desafios. Em jogo está, sem dúvida, a questão desafiadora, matemática
e eticamente, do lucro, que é um princípio determinante para garantir hegemonias de
blocos econômicos, o poder de instituições e o poderio de nações sobre outras. Mesmo
quando entre essas outras estão as pátrias de famintos e miseráveis.
É curioso
como este tipo de crise revela o princípio do lucro e da hegemonia. Tenha-se presente
a classificação pelo critério de potência econômica - configurando lugares e autocompreensão,
enquanto povo, nação e sociedade, escancarando a dificuldade de se viver padrões diferentes
e alavancar o próprio sentido de equilíbrio em princípios outros. Mal comparando,
é constatar uma crise econômica na vida de quem ganha muito, que não apenas tem o
necessário para viver, mas se dá ao luxo inaceitável e pecaminoso de esbanjar quando
é preciso pensar a vida com menos.
Uma vida diária mais simples gera crises
em proporções não tão reais pelos números a menos, mas configuradas pelas considerações
que os princípios adotados determinam. Os que vivem o dia a dia sobriamente, com dignidade
e dinheiro, sofrem diferente a sua crise econômica em comparação aos que têm muito,
para além da conta, em se pensando o princípio de uma sociedade mais igualitária.
Na verdade, a crise econômica está nos funcionamentos próprios da complexidade da
economia, mas também uma crise em razão dos princípios que determinam compreensões,
sentimentos e a própria racionalidade da definição de prioridades e importâncias.
Aqui
se está no meio do tsunami terrível do desejo onipotente e irrefreável de possuir
como forma de poder e segurança, que tem no dinheiro a referência máxima de princípio,
enjaulando a vivência e a compreensão existencial, com consequentes comprometimentos
de outros princípios intocáveis e insubstituíveis, fundamentais para o equilíbrio
e a direção certa na vida.
Não é por outro motivo que o apóstolo Paulo, numa
de suas cartas, afirma categoricamente que o dinheiro é a fonte de todos os males.
No cenário em que se comenta sobre crise econômica, aqui e acolá, se hospedam também
as notícias de escândalos de corrupção, com envolvimento de pessoas e instâncias das
quais se pressuporia conduta ilibada, traídas pela ganância e pelo inexorável desejo
do dinheiro.
O dinheiro - que é um sistema desafiado a funcionar para promover
igualdades, suscitar o sentido de solidariedade sem paternalismos e dependências,
apoiar projetos e programas que ultrapassam fronteiras partidárias e estreitas - garante
conquistas no âmbito plural de bens e põe a sociedade aberta a valores que, verdadeiramente,
asseguram uma sociedade sustentável.
No emaranhado desta complexa questão ecoa,
então, o princípio formulado por Jesus, na sua incomparável maestria, por meio de
uma lógica paradoxal desconcertante. A pedagogia de Jesus, no princípio ganha quem
perde, aponta a contramão da lógica que preside a compreensão e as escolhas que regem
o andamento da sociedade, além dos sentimentos no coração de cada pessoa.
A
aprendizagem deste princípio, ensinado pelo Mestre aos seus discípulos, é a adoção
do remédio para sanar a lógica perversa que facilmente se instala nos mecanismos de
funcionamento nas relações econômicas e comerciais, no interno da sociedade, perpetuando
situações abomináveis de miséria e de corrupção, com manipulações vergonhosas e mesquinhez
comprometedora de generosidades que corrigiriam descompassos e permitiriam alcançar
metas e projetos importantes para a sociedade.
Quem perde ganha é uma importante
lição ministrada por Jesus aos discípulos ao introduzi-los na dinâmica do mundo. Este
princípio tem força de resgate ao desafiar as arrumações de certas lógicas da razão
humana. Não é uma simples oposição à necessária organização econômica e definição
de suas normas e metas. Esta lógica paradoxal desmonta apegos, qualifica critérios,
devolve a paz, conduz a vida entendida como serviço e oferta - o sentido mais autêntico
de ganha quem perde.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano
de Belo Horizonte – MG (CM)