Rio de Janeiro, 31 jul (RV) - A cada final de semana a riqueza da Palavra de
Deus ilumina nossa vida e nossos caminhos. Depois do "discurso em parábolas", em que
Jesus revelou aos seus discípulos os "mistérios do reino dos céus", Mateus continua
seu Evangelho com uma nova e longa seção (Mt 13, 53-17, 27) que prepara o que muitos
chamam "Sermão da vida da comunidade" (Mt 18). Nele encontramos narrativas e diálogos
alternados que focam sua atenção sobre a formação dos discípulos, que constituem o
fundamento da Igreja.
A liturgia faz a escolha de alguns textos para uma melhor
compreensão da mensagem evangélica, porém, é desejável que as ausências de alguns
trechos naqueles proclamados pela Liturgia forneceçam um maior interesse para a leitura
pessoal, a leitura orante, a lectio divina. Neste décimo oitavo domingo do Tempo
Comum, a liturgia nos apresenta a passagem de Mateus 14, 13-21, a "multiplicação dos
pães", particularmente importante na tradição evangélica, e um dos mais conhecidos
do povo cristão. O episódio é repetido em todos os evangelistas, o que demonstra o
fato e o anúncio que esse trecho nos traz.
O texto abre-se referindo-se a Jesus
com a notícia que foi trazida pelos discípulos de João Batista, que ele fôra preso
e morto por Herodes. Essa informação é importante porque nos mostra como Jesus reage
a esse acontecimento: "Jesus saiu de lá num barco para um lugar solitário." Uma reação
semelhante foi observada por Mateus em Jesus, depois de descrever a forma como a multidão
estava satisfeita: “Logo após, obrigou os discípulos a entrar no barco e precedê-lo
para o outro lado, enquanto ele despedia a multidão. E despedindo-se da multidão,
ele foi para o monte e continuou a orar "(Mt 14, 22). Assim, a história da "multiplicação
dos pães" está dentro destas anotações sobre o comportamento de Jesus: o ponto comum
dessas duas reações é uma escolha de solidão. Esta é a mesma reação a dois eventos
opostos: o primeiro é o trágico acontecimento da prisão de João, que representa a
tristeza da morte de um profeta e mesmo o perigo de morte que se aproxima para Jesus;
o segundo é o feliz acontecimento de uma multidão satisfeita, que alcança um resultado
positivo.
Fracasso e sucesso em Jesus causam a mesma reação, a mesma atitude,
a mesma decisão: a solidão e a oração. O fracasso pode levar à decepção, à ilusão
de sucesso. Solidão e oração são as atitudes normais de Jesus diante dos acontecimentos
da vida, e isso revela que Ele é, essencialmente, uma pessoa livre.
O Evangelho
deste domingo narra um grande milagre realizado por Jesus de Nazaré – a multiplicação
dos pães e dos peixes.
São Mateus diz-nos que o Mestre teve compaixão da multidão
que o havia seguido das cidades (Mt 14, 13), desceu da barca onde havia se retirado
para orar ao Pai, e começou a curar os que estavam enfermos (v. 14). Jesus, indo ao
encontro da multidão necessitada da Verdade, incentiva todo cristão a testemunhar
o amor, a anunciar com firmeza que a salvação veio ao mundo através do sacrifício
do Verbo Encarnado, que, oferecendo-se uma vez por todas, tornou possível para cada
homem e mulher participar da vida divina.
Essa participação é implementada
na vida da Igreja através dos sacramentos, sinais concretos que revelam a união do
homem com Deus. Desse modo, o cristão, transformado por este encontro, torna-se um
instrumento de Deus, evangelizador da Palavra, aquele que procura a multidão ansiosa
pela libertação. São Mateus nos diz que, chegada a noite, Jesus ordenou aos seus discípulos
para alimentar a multidão reunida em torno dele, com apenas cinco pães e dois peixes.
Todos puderam comer e saciar-se do alimento abençoado que lhes foi oferecido pelo
Senhor (v.20), aliás, sobraram outras cestas de peixe (v.20).
O milagre indica
que só o Mestre pode satisfazer a fome que domina o nosso ser. Os pães oferecidos
à multidão é a imagem do Filho de Deus que se entrega à morte e se torna alimento
para nós. Saciando-nos com a Eucaristia, na verdade, saboreamos a nossa identidade:
ser filhos de Deus e seguir em frente na fé, até ao encontro com o Senhor.
A
multiplicação dos pães e peixes é para nós um sinal a que somos chamados a nos comprometer
com as pessoas – dai-lhes vós mesmos de comer – e acreditar que o pouco abençoado
por Jesus se multiplica para que, através dos discípulos, todos possam ser saciados.
É
a nossa missão: colocarmo-nos nas mãos do Senhor, consagrarmo-nos a Ele e, como Igreja,
distribuirmos o alimento da vida ao nosso povo. Podemos ser poucos para tantos trabalhos
e grande é a missão, mas o anúncio que, mesmo assim, a multiplicação se realiza diante
de nossos olhos. É a esperança que a Vida vai acontecendo quando os discípulos de
Jesus o obedecem e se deixam abençoar por Ele, vivendo uma vida consagrada.
Irmãos,
escancaremos o nosso interior ao amor divino do nosso Redentor: Ele irá satisfazer
nossas necessidades reais, e chegaremos, desse modo, a ser arautos da liberdade, homens
resgatados, testemunhas do Deus que é Amor.
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ