A África conta a partir deste sábado 9 de Julho de 2011 com mais um Estado: o Sul
do Sudão; nasce da divisão do Sudão e é expressão da vontade real dum povo de conquistar
a própria liberdade. O longo sofrimento por que este povo passou levou a comunidade
internacional a encorajar este desfecho, ao qual praticamente ninguém se opôs, nem
em África, nem noutras partes do mundo. Uma nação que nasce, portanto, para a vida
e que vai ocupar o seu lugar no concerto das Nações.
No entanto, esta nação
não nasce sob os melhores auspícios, não nasce com a inocência de todos os bebés.
O Sudão do Sul nasce já adulto, aguerrido pelos longos anos passados sob bombardeamentos,
razias, violações, enfim por um percurso de guerra que não lhe poupou nenhum sofrimento.
Mas não é para chorar pelos seus sofrimentos que o país entra no concerto das
Nações. Aliás, não há verdadeira liberdade sem sofrimento. E é isto que a torna ainda
mais preciosa.
Mais ainda. O nascimento dum novo Estado africano no momento
em que muitos outros comemoram cinquenta anos de independência, leva a pensar numa
outra questão, sempre actual e provocatória porque nunca resolvida: para que serve
a independência? Para que serve a independência na era da globalização? No célebre
romance do escritor marfinense, Ahmadou Kourouma - “O Sol das Independências” - um
dos personagens põe a seguinte questão: “Quando é que termina esta independência?”.
Para o Sudão do Sul ela acaba de começar. Todos desejamos que não acabe na desilusão.
Mas não podemos não ter os olhos postos nos mecanismos económicos e políticos internacionais
e perguntarmo-nos: será que hão-de de se esforçar por ajudar o novo Estado e o seu
povo, ou procurarão explorar, sem nenhum escrúpulo, “a nova situação” ?
Não
há país, rico ou pobre que seja, que não procure afirmar-se na própria liberdade.
Mesmo o desenvolvimento, meta reconhecida a todas as nossas nações, não pode ser pensado
senão na liberdade de acção para o bem de todos – o bem comum. A má gestão que caracteriza
muitos dos nossos Estados, pobres, mas sentados, adormecidos em cima de montes de
recursos, vem precisamente da perda de sentido do bem comum e da responsabilidade,
que devem constituir a base da liberdade.
É oportuno, então, recordar que
por mais jovem que seja, o Sudão do Sul não é desprovido de recursos. Dispõe de recursos
materiais: ouro, petróleo, água, tudo à disposição deste jovem povo. Dispõe também
de riquezas espirituais. O Sudão foi durante muito tempo descrito como o país dos
contrastes: árabes contra africanos; norte contra sul: pastores contra agricultores
e, sobretudo, muçulmanos (no norte) contra cristãos (no sul). O país que hoje toma
a independência poderá servir-se desta riqueza espiritual para orientar os seus passos
e garantir um futuro melhor. Aliás, o Evangelho corrobora a liberdade, não a aniquila.
E proclamando-a, a Igreja põe-se ainda mais ao serviço do homem.
“A vossa
missão, senhoras e senhores Embaixadores, é servir ao mesmo tempo a nobre causa do
vosso país e a nobre causa da paz. Trata-se duma grande causa de amor em relação ao
próximo que deve ser realizada com o desejo de contribuir para o bem comum e para
um melhor entendimento entre as pessoas e entre os povos. Podemos assim oferecer às
gerações vindouras uma terra onde será agradável viver. Devemos ter sempre presente
que todas as injustiças que possam afectar os nossos contemporâneos, que as situações
de pobreza e a falta de educação que afecta juventude estão na base de muitos focos
de violência através do mundo.”
Estas palavras foram pronunciadas pelo Papa
João Paulo II ao receber as cartas credenciais de nove Embaixadores junto da Santa
Sé, a 6 de Dezembro de 2001. Entre eles encontrava-se o novo Embaixador da Eritreia,
um Estado que obteve oficialmente a independência da Etiópia em 1993. A Eritreia representa,
portanto, o que pode acontecer tanto de bem como de mal a uma jovem nação nascida
duma cisão. É, em última análise, com o olhar virado para os valores da sua fé cristã,
sem cair na teocracia, que o Sudão do Sul poderá escapar às armadilhas e às tentações
que o espreitam enquanto jovem nação.
Bento XVI não cessa de convidar, nos
seus discursos, “ao concreto testemunho inovador do amor evangélico no seio da dimensão
social” . Insiste também muito no Evangelho, “a maior força de transformação do mundo”.
Podemos desde já afirmar que a comunidade eclesial do Sudão do Sul dará a sua contribuição
à afirmação e construção deste jovem país. Mas ela terá também necessidade da solidariedade
de todas as Igrejas particulares da África e do mundo. É ao mesmo tempo uma esperança
e um desafio.
Por Albert Mianzoukouta, Programa Francês/África, Rádio Vaticano