2011-06-20 09:42:04

Os efeitos da cooperação internacional para o desenvolvimento sobre o ambiente em África


Como declarou em diversas ocasiões o antigo Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, para muitas pessoas, no mundo, a África é sinónimo de conflitos, guerras civis, pobreza, dificuldades e mal-estar social. Infelizmente, tais calamidades correspondem, em parte, à realidade em muitos países africanos (Dambisa Moyo, 2009).

Mas, pode esta percepção da África ser considerada representativa de todo o continente? Claro que não. Há uma outra África, pouco tomada em consideração pelos meios de comunicação social e pelos debates públicos: a África dos infinitos recursos humanos e naturais, das paisagens ainda incontaminadas e do grande número de jovens decididos a empenhar-se para construir o seu futuro. Infelizmente, tal riqueza é tida em conta sobretudo por aqueles que tendem a desfrutá-la a seu próprio favor, subtraindo-a aos legítimos beneficiários. Além disso, a ilícita utilização dos recursos africanos é facilitada por cúmplices locais que agem com base nos interesses próprios, sem pensar nas consequências para o ambiente e ignorando totalmente as necessidades actuais e futuras das populações autóctones.

A África está, portanto, num rápido processo de perda das próprias riquezas devido a acções levadas a cabo em nome do desenvolvimento do continente ou sob a bandeira da cooperação internacional. Os empresários estrangeiros que investem ingentes capitais na procura de minerais ou outros recursos naturais ainda disponíveis não são movidos pelo desejo de promover o crescimento económico da África e das suas populações. Na maior parte dos casos, trata-se de multinacionais que agem imperturbados na completa falta de leis que tutelem o ambiente e os trabalhadores. Extracção do petróleo e de minerais, comércio de madeira, caça de espécies animais em vias de extinção, pesca intensiva, expropriação das terras para as utilizar na produção de bio-combustíveis, para não falarmos do tráfico de pessoas, uma verdadeira e própria aberração da natureza humana… Todas estas actividades têm um impacto devastador sobre o ecosistema local e sobre o tecido social: favorecem a emigração e o enfraquecimento geral do continente. É necessário que Governos e sociedades dos países mais desenvolvidos, assim como as classes políticas africanas, saibam que estão a levar a África para um rápido declínio, privando-a de forças fundamentais para a sua própria auto-regeneração e desenvolvimento.

Nos debates públicos sobre as relações internacionais, os peritos dão muito relevo aos méritos da cooperação, relegando para segundo plano a análise qualitativa e quantitativa de eventuais benefícios que as populações locais auferem das ajudas ao desenvolvimento, da exploração dos seus recursos e do comércio mundial dos mesmos. Algumas questões de fundo vão, portanto, emergindo: as relações económicas mundiais tomam suficientemente em consideração as necessidades das populações, ou preocupam-se apenas com os interesses geoestratégicos dos Estados mais fortes, das lideranças políticas e económicas? Quem ganha realmente com os investimentos estrangeiros em África? Por que é que os investidores externos gozam, na maior parte dos casos, duma espécie de imunidade mesmo quando violam as normas nacionais?

Hoje em dia, muitos governos africanos, na tentativa de atrair investimentos estrangeiros, mostram-se prontos a modificar a legislação nacional a fim de favorecer os investidores. Na maior parte dos casos não se prevêem sequer formas através das quais as entradas provenientes de tais actividades possam reverter a favor da África.

A questão da apropriação indevida das terras é hoje uma questão crucial no centro do debate público, até porque está relacionada com a urbanização desenfreada em muitos países africanos. Por ocasião da atribuição do Prémio Nobel da Paz 2009 à ecologista queniana Wangari Maathai, ela sublinhava que a África tem a taxa de urbanização mais elevada do mundo e que – a este ritmo – a concentração das pessoas nas cidades redobrará em 20 anos. Ela punha também em realce a importância não só económica, mas também cultural que as terras têm para as comunidades rurais.

À luz destes dados, é difícil pensar que as lideranças políticas africanas compreendam plenamente as consequências de algumas decisões por elas tomadas em relação à propriedade e à venda de centenas de milhares de hectares de terra a investidores estrangeiro e a multinacionais. Um estudo recente levado a cabo pela Agência Reuters na Etiópia, Mali, Moçambique, Serra Leoa, Sudão, Tanzânia e Zâmbia, indica que “Ricos investidores dos Estados Unidos, da Europa, da Ásia e do mundo árabe estão a acumular grandes extensões de terras cultiváveis. Isto graças a acordos pouco transparentes que lhes dão também amplas possibilidades de controlo da produção alimentar antes destinada às populações pobres do mundo” (Reuters 8/6/2011).

A pesquisa sublinha também que tais negociações prevêem a deslocação das comunidades mais pobres, enquanto que as terras aráveis são, em grande parte, convertidas em cultivações destinadas à produção de bio-combustíveis. Além disso, aos empresários estrangeiros, é permitido o usufruto gratuito de terrenos férteis que podem ter até cem mil hectares, mesmo por um período de 50 anos. Muitos desses empresário não têm a peito a salvaguarda da fertilidade dos terrenos, utilizando substâncias químicas que destroem o terreno e as árvores, acelerando, assim, de maneira perigosa, o processo de desertificação. Mais ainda: geralmente tais formas de comercialização de terrenos não prevêm senão um pequeno ou mesmo nenhum benefício para as comunidades locais.

Porque, então, é que os governos africanos aceitam tais condições de intercâmbio? Que tipo de legislação poderia garantir uma justa distribuição e a propriedade da terra aos africanos?

Combater essas dinâmicas destrutivas significa pôr em primeiro plano a salvaguarda da dignidade humana e do ambiente, controlar a exploração dos recursos através duma legislação nacional justa e adequada. É necessário também promover uma responsabilidade social e a colaboração mútua como instrumento fundamental para o desenvolvimento socioeconómico mundial. Comentando as actividades ligadas ao comércio e à cooperação, o Papa Bento XVI afirma, na encíclica Caritas in Veritate, que o reforço das comunidade locais e o melhoramento das suas condições de vida devem ser considerados uma prioridade absoluta… A cooperação internacional requer a presença de pessoas desejosas de participar no processo de desenvolvimento económico e humano através do espírito de solidariedade, de empenho e de respeito recíproco.
Mais recentemente, dirigindo-se, a 9 de Junho de 2011, aos novos Embaixadores junto da Santa Sé, recebidos no Vaticano por ocasião da apresentação das Cartas Credenciais, Bento XVI voltou a sublinhar que “adoptar um estilo de vida que respeite o ambiente e promova o uso de energias renováveis, que preservem o homem e toda a Criação, é um imperativo urgente e deveria ser uma prioridade política e económica universalmente reconhecida”.

É, portanto, fundamental, reconhecer a estreita relação existente entre o desenvolvimento humano e a tutela do ambiente natural. A solidariedade social e a responsabilidade colectiva requerem que todas as intervenções sobre a Terra e os seus recursos naturais tome antes de mais em consideração as consequências ambientais e preveja benefícios para as comunidades locais. Todos somos chamados a pôr no centro de toda e qualquer iniciativa de cariz socioeconómico e geopolítico a pessoa humana e o ambiente, de forma a assegurar o seu pleno e incondicionado respeito.

(Pelo P. Moses Hamungole, do Programa inglês para a África)







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