2011-04-26 12:16:34

Energia nuclear: Discernimento, responsabilidade e solidariedade também da parte da África


De entre as lições que se podem tirar da trágica série de acidentes nucleares que afectaram recentemente o Japão, está a necessidade de uma forte e consolidada solidariedade no seio da Família Humana, algo que constitui, de modo particular para a Igreja, uma constante preocupação.

Como em todo o mundo, também em África a experiência da Central de Fukushima deu estímulos para um amplo, para um novo olhar sobre a tecnologia nuclear e para o uso que se poderá fazer dela no futuro.
A Igreja nunca cessou de estimular o ser humano a assumir a responsabilidade de tutelar o próprio habitat natural: depois de Paulo VI que convidava a dar uma atenção especial à salvaguarda do ambiente por forma a evitar a auto-destruição da humanidade, no discurso do Dia Mundial para a Paz de 1990, João Paulo II atribuiu a crise ecológica em curso a uma falta de ética, invocando “a urgente necessidade duma solidariedade nova”. Seguidamente, numa passagem da sua mensagem para do Dia Mundial para a Paz, em 2010, - “Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação Bento XVI retomava o conceito já expresso pelo Papa Wojtyla, falando nessa ocasião duma “solidariedade mundial”, indispensável para a salvaguarda da Criação. “A humanidade precisa de uma profunda renovação cultural; precisa de descobrir os valores que constituem os fundamentos sólidos sobre as quais construir um futuro melhor para todos”.
A tríplice catástrofe do 11 de Março 2011 – o terramoto, o tsunami e os consequentes danos irreversíveis às centrais de Fukushima Daiichi, chocaram, sem dúvida alguma, toda a humanidade: imagens de um Japão tecnologicamente desenvolvido e, no entanto, a braços com contradições da ciência, não podiam deixar ninguém indiferente.
O drama que se verificou sob os olhos de todos nós em tempo real – graças aos meios modernos de comunicação – levam a uma reflexão global sobre tais eventos, a uma análise aprofundada que vá para além das várias campanhas favoráveis ou contrárias à energia nuclear.
O desastre nuclear do Japão demonstra, mais uma vez, que o homem, enquanto ser que - por dom gratuito de Deus – ocupa o centro da Criação, deve necessariamente adoptar um comportamento racional, responsável e atento perante a Natureza. Por outras palavras, a humanidade inteira é chamada a realizar aquela solidariedade desde sempre propugnada pela Igreja. As noções de “centralidade do homem no seio da Criação”, de “responsabilidade na gestão dos recursos” e de “dever de solidariedade” formam um circulo virtuoso, ao qual é hoje um dever olhar, no momento em que se procuram novos caminhos para evitar o repetir de incidentes como os de Fukushima Daiichi.
De resto, a emergência de Fukushima estimulou a activação imediata de mecanismos de cooperação bilateral, mesmo em África: numerosos Estados responderam de forma consistente com géneros naturais e contributos financeiros, endereçados na sua grande maioria, aos organismos empenhados na contenção dos prejuízos causados ao meio ambiente. Para além do mérito que estes países têm - independentemente dos limitados recursos económicos de que dispõem - pela capacidade de praticar tais formas de solidariedade, estas acções são também sinais de um duma consciência bastante elevada da parte dos governantes africanos em elação a pertença de todas as populações à Família Humana, cujos membros partilham necessariamente uma única sorte e o mesmo destino.
Por seu lado o Japão – que tinha precedentemente dado início, no Continente africano, a vários programas de desenvolvimento, sobretudo no campo da educação – não deu nenhum sinal de querer renunciar a esses programas confirmando, assim, a sua própria intenção de manter os acordos de colaboração com os Estados africanos no desenvolvimento local.
A experiência do Japão, que chama a atenção para o facto de que não se pode ter plena confiança nos sistemas de segurança das centrais nucleares, demonstrou, mais uma vez, a gravidade e o risco ligado a eventuais escolhas políticas irresponsáveis, que não tomem na devida consideração a questão da segurança nuclear. Além disso, Fukushima recorda-nos que a questão da energia diz respeito ao mundo inteiro, não fosse mais porque boa parte do urânio queimado no Japão e nas centrais do mundo provém, precisamente, da África, e porque a globalização favorece a circulação de mercadorias, pessoas e bens, tornando praticamente impossível, hoje em dia, limitar os danos dos acidentes entre os próprios confins territoriais.
Perante “Fukushima”, a África está, portanto, a dar prova de empenho e solidariedade, mas é também chamada a dar o seu próprio contributo intelectual e político ao debate mundial sobre a produção de energia nuclear.
Uma dezena de países africanos, entre os quais o Egipto, o Sudão, a Nigéria, a África do Sul, já dispõem de tecnologia nuclear, ou já manifestaram a vontade, legítima, de dotar-se de tais tecnologias a fim de produzir energia eléctrica. Embora a experiência de Fukushima tenha confirmado o potencial perigo e as dificuldades em controlar totalmente a produção de energia atómica, o nuclear civil continua a ser um recurso importante, sobretudo para aqueles países que dificilmente conseguem prover doutra forma à produção da electricidade que o desenvolvimento nacional requer. Em África, o deficit energético pode ter como causa diversos factores, tais como a escassez de chuva, o mau funcionamento das centrais alimentadas com carvão ou ainda os altos riscos ligados à exploração das tecnologias pesadas alimentadas a gasolina.
Contudo, as Igrejas locais não perdem a ocasião para recordar aos governos que o discernimento é o critério a ser privilegiado na procura do bem comum. Evitando entrar em pormenores técnicos, a Igreja coloca a questão energética a nível da “humanidade”, chamando sempre a atenção para a relação entre o Criador, o ser humano e a Natureza (ou o Criado).
Embora o acidente que se verificou no Japão não possa ser considerado, de forma estrita, um erro humano, constitui, no entanto, mais uma prova de que a produção de energia nuclear requer a máxima atenção, competência e responsabilidade da parte de todos aqueles que participam em tal processo, como os políticos que tomam tais decisões.
Para além das raças, das formas políticas e dos confins territoriais, a humanidade toda está envolvida nas decisões de qualquer Estado ligadas à energia atómica, todos os Filhos de Deus são responsáveis e têm o dever de inspirar-se na solidariedade. Por outras palavras, têm o dever de cuidar dos próprios irmãos.
É significativo que, por duas vezes, em 1945 e em 2011, o Japão tenha sofrido as consequências devastantes do nuclear: a primeira vez devido à vontade humana de atingir e danificar a Nação. A segunda vez foi, pelo contrário, a Natureza que pôs em crise a solidez das tecnologias e da capacidade humana. Em ambas as situações foi, todavia, o ser humano a sofrer as consequências.
Na encíclica “Caritas in Veritate”, Bento XVI dizia:
“É necessário ter grande consideração para com o bem comum (…). É o bem daquele nós-todos, formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social. (…) Desejar o bem comum e fazer com que se torne possível é uma exigência de justiça e caridade. Empenhar-se a favor do bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, servir-se daquele conjunto de situações que estruturam juridicamente, civilmente, politicamente, culturalmente, a vida social (…).
As actuais dinâmicas económicas internacionais, caracterizadas pelas graves distorções e disfunções, requerem profundas mudanças também no modo de conceber a empresa. (…) Nos últimos anos notou-se o crescimento duma nova classe cosmopolita de gestores que, muitas vezes respondem apenas aos novos accionistas de referência, constituídos, geralmente, apenas por fundos anónimos que estabelecem a sua compensação.
Os actores e as causas tanto do subdesenvolvimento como do desenvolvimento são múltiplos, as culpas e os méritos também. As ideologias simplificam de forma artificiosa a realidade. É necessário examinar a espessura humana dos problemas” (Sob a orientação de Albert Mianzoukouta, do Programa francês para a África)







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