«Jesus de Nazaré»: Verdade deve determinar a acção política. Bento XVI alerta para
o «domínio do pragmatismo» e pede redescoberta da verdade sobre o homem, para lá do
«código genético»
(23/3/2011) Bento XVI afirma no novo volume da sua obra sobre «Jesus de Nazaré» que
a política deve assumir a verdade como “categoria para a sua estrutura”, evitando
a “mentira ideológica”. “Não deve porventura haver critérios comuns que garantam
verdadeiramente a justiça para todos, critérios esses subtraídos à arbitrariedade
das opiniões mutáveis e à concentração do poder?”, questiona o Papa numa passagem
da sua obra. Partindo do relato que o Evangelho de São João faz do diálogo entre
Jesus e o governador romano Pôncio Pilatos, Bento XVI coloca em confronto os termos
“poder” e “verdade”, perguntando se a última pode ser “uma categoria política”. “O
domínio requer um poder; melhor, define-o. Jesus, pelo contrário, qualifica como essência
da sua realeza o testemunho da verdade”, diz o Papa. No capítulo dedicado ao «processo
de Jesus», Bento XVI dedica uma longa reflexão à pergunta de Pilatos: «Que é a verdade?». “Esta
pergunta do pragmático, colocada superficialmente e com um certo cepticismo, é uma
pergunta muito séria, na qual está efectivamente em jogo o destino da humanidade”,
defende. Para o Papa, “no mundo, verdade e opinião errada, verdade e mentira estão
continuamente misturadas e são quase indissociáveis. “A Verdade, em todas as suas
grandeza e pureza, não aparece”, lamenta. Bento XVI alerta para o “domínio do pragmatismo”,
que “faz com que o poder dos fortes se torne o deus deste mundo”. “Não é verdade
que as grandes ditaduras existiram em virtude da mentira ideológica e que só a verdade
pôde trazer a libertação?”, pergunta. O Papa admite que um responsável político
questione se “ deve deixar a verdade, enquanto dimensão inacessível, à subjectividade
e, pelo contrário, esforçar-se por conseguir estabelecer a paz e a justiça com os
instrumentos disponíveis no âmbito do poder”. “Dado ser impossível um consenso
sobre a verdade”, acrescenta, outros podem pensar que “a política, apostando nela”,
se tornará “instrumento de certas tradições que, na realidade, não passam de formas
de conservação do poder”. Segundo Bento XVI, não foi apenas Pilatos quem pôs de
parte a questão da verdade “como insolúvel e, para a sua função, impraticável”. “Ainda
hoje, tanto na ágora política como na discussão acerca da formação do direito, a maioria
sente aversão por ela”, precisa. O Papa alude a uma “verdade funcional acerca do
homem” que não revela “a verdade sobre ele mesmo - o que é, donde vem, para que existe,
que é o bem ou o mal”. Bento XVI cita Francis S. Collins, que dirigiu o «Projecto
Genoma Humano», quando este afirmou que “a linguagem de Deus foi decifrada”. “Sim,
na grandiosa matemática da criação, que hoje podemos ler no código genético do homem,
percebemos verdadeiramente a linguagem de Deus; mas não a linguagem inteira, infelizmente”,
observa. “Sem a verdade, o homem não se encontra a si mesmo; no fim de contas,
abandona o campo aos mais fortes”, escreve ainda. Nesse sentido, indica o texto
de Joseph Ratzinger, “«Dar testemunho da verdade» significa pôr em realce Deus e a
sua vontade face aos interesses do mundo e às suas potências”. Em Jesus, prossegue,
há uma “realeza da Verdade” e a “instauração desta realeza como verdadeira libertação
do homem é o que interessa”.