Igreja Católica continua à procura de Jesus. Padre e poeta, português, Tolentino
Mendonça alerta para o risco de o cristianismo se reduzir «a uma dimensão ornamental»
e «puramente sociológica»
(8/3/2011) A Igreja Católica oferece uma imagem de Jesus que não é “imposta” mas
“tacteada”, e “só a mística, a oração e o ambiente litúrgico da fé” são “capazes de
a tocar”, considera o padre e biblista José Tolentino Mendonça. Em entrevista à
ECCLESIA, o sacerdote madeirense salienta a variedade de representações cristãs existentes
dentro desta procura: “A força e a autenticidade do cristianismo passam muito por
uma diversidade de abordagens e perspectivas que se complementam”. “Há linhas permanentes
na diversidade do modo como o cristianismo é vivido”, o que, “antes de tudo”, se deve
traduzir em “colocar Jesus no centro”, assinala o professor da Faculdade de Teologia
da Universidade Católica, acrescentando que é possível “falar de uma espiritualidade
cristã, sabendo que ela é plural”. O responsável pelo diálogo da Igreja com a cultura
lembra que Jesus viveu no Oriente e que “o cristianismo é sempre uma realidade aberta”,
mesmo tendo em conta o “impacto” mundial da teologia concebida na Europa. O pensamento
tradicional do Velho Continente “é muito positivista”, “racional” e “limitado”, pelo
que é preciso aprender “outras modalidades de abordagem do mistério cristão”, por
exemplo através da observação da “vitalidade de algumas Igrejas na Ásia” e da leitura
de “teólogos do continente africano e americano”. O poeta constata o “regresso
à beleza e à estética para falar de Deus” e recorda as liturgias de África, em que
as missas vão para além de uma hora de duração e onde os ritos incluem o “gesto” e
a “corporeidade”, não se limitando a uma “celebração mental”. Para Tolentino Mendonça,
o diálogo cultural é uma “imensa prioridade para a Igreja”, que precisa de “tornar
Jesus pertinente” para a sociedade actual: “Há o perigo de termos uma coisa extraordinária,
uma boa-nova para anunciar, mas ninguém nos querer ouvir. E nós próprios perdermos
a capacidade de tornar o anúncio, audível”, afirma. “A cultura – prossegue – é
o novo templo, é o novo espaço da missão, é o novo lugar do anúncio” por ser “tudo
aquilo que torna a vida humana decisiva” e por constituir “o horizonte de felicidade
que cada tempo procura”. À abundância de culturas e à pluralidade de leituras sobre
Cristo, acrescenta-se a particularidade de cada pessoa, que vive “uma história única
no seguimento de Jesus”, motivo pelo qual a teologia tem vindo a valorizar a “biografia
crente”, ou seja, “a história de vida, o capital de experiência cristã” que cada fiel
constrói e transporta. Entre os itinerários de fé a que a Igreja é chamada a dar
atenção encontram-se os dos “não praticantes”, que devem ser olhados “não como um
peso mas como um desafio”: “Os cristãos desactivados não deixam de ser cristãos”,
diz o director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. Depois de frisar
que “o discipulado é a base de toda a procura cristã” e o biblista realça que o crescimento
espiritual cristão implica “luta”, “resistência” e “desprendimento”, cuja exigência
deve ser entendida dentro de uma perspectiva de “ternura” e “esperança”. Tolentino
Mendonça alerta para o risco de se reduzir a crença “a uma dimensão ornamental” e
“puramente sociológica”: “O cristianismo – sublinha – tem de ser fermento e vida,
uma decisão e um caminho”. ( Em Ecclesia)