A nova Evangelização para a transmissão da fé cristã Sínodo dos Bispos: XIII Assembleia
geral ordinária
LINEAMENTA ÍndicePrefácio Introdução 1.
A urgência de uma nova evangelização 2. O dever de evangelizar 3.
Evangelização e discernimento 4. Evangelizar no mundo de hoje a partir
dos seus desafios Perguntas Primeiro Capítulo Tempo
de “nova evangelização” 5. “Nova Evangelização”: o significado de uma definição 6.
Os cenários da nova evangelização 7. Encarar como cristãos os novos cenários 8.
“Nova Evangelização” e demanda de espiritualidade 9. Novas formas de
ser Igreja 10. Primeira evangelização, cura pastoral, nova evangelização Perguntas Segundo
Capítulo Proclamar o Evangelho de Jesus Cristo. 11. Objectivo
da transmissão da fé: o encontro e a comunhão com Cristo 12. A Igreja transmite
a féque vive 13. Palavra de Deus e transmissão da fé 14. A pedagogia
da fé 15. As Igrejas locais como agentes da transmissão 16. Apresentar
razões: o estilo da proclamação 17. Os frutos da transmissão da fé Perguntas Capítulo
Três Iniciação àexperiência cristã 18. A iniciação cristã, processo
de evangelização 19. Primeiro anúncio e necessidade de novas formasde discurso
sobre Deus 20. Iniciar àfé, educar para a verdade 21. O objectivo
de uma “ecologia da pessoa humana” 22. Evangelizadores e educadores porque
testemunhas Perguntas Conclusão 23. O Pentecostes, fundamento
da “nova evangelização” 24. A “nova evangelização”, visão para a Igreja
de hoje e de amanhã 25. A alegria de evangelizarPrefácio«Ide,
portanto, fazei discípulos de todas as nações, baptizando-os em nome do Pai e do Filho
e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que vos tenho ordenado» (Mt.
28, 19-20). Com estas palavras, Jesus Cristo, antes de subir aos céus e
se sentar àdireita de Deus Pai (cf. Ef. 1, 20), enviou os seus
discípulos para anunciar a Boa Nova ao mundo. Eles representavam um pequeno grupo
de testemunhas de Jesus de Nazaré, testemunhas da sua vida terrena, do seu ensinamento,
da sua morte e, especialmente, da sua ressurreição (cf. Act. 1, 22).
A missão era enorme, superior às suas capacidades. O Senhor Jesus, para os incentivar,
promete-lhes a vinda do Paráclito, que o Pai enviaráem seu nome(cf. Jo.
14, 26) e os «guiaráem toda a verdade» (Jo. 16, 13). Assegura-lhes,
além disso, a sua perene presença: «e eis que Eu estou sempre convosco, atéao
fim do mundo» (Mt. 28, 20). Depois do Pentecostes, quando o fogo
do amor de Deus pousou sobre os apóstolos (cf. Act. 2, 3), unidos
em oração «juntamente com algumas mulheres e Maria, mãe de Jesus» (Act. 1,
14), o mandamento do Senhor Jesus começou a realizar-se. O Espírito Santo,
que Jesus Cristo concede em abundância (cf. Jo. 3, 34), estána
origem da Igreja, que, por sua natureza, émissionária. De facto, logo que receberam
a unção do Espírito, o apóstolo São Pedro «levantou-se e falou em voz alta»
(Act. 2, 14) anunciando a salvação no nome de Jesus, «que Deus constituiu
Senhor e Cristo» (Act. 2, 36). Transformados pelo dom do Espírito, os discípulos
espalharam-se por todo o mundo conhecido e difundiram o«evangelho de Jesus
Cristo, Filho de Deusin » (Mc. 1, 1). O seu anúncio chegou às regiões
do Mediterrâneo, da Europa, da África e da Ásia. Guiados pelo Espírito, dom do Pai
e do Filho, os seus sucessores continuaram essa missão, que permanece actual atéao
fim dos tempos. Enquanto existe, a Igreja deve anunciar o Evangelho da vinda do Reino
de Deus, o ensinamento do seu Mestre e Senhor e, sobretudo, a pessoa de Jesus Cristo. A
palavra«Evangelho»,τὸεὐαγγέλιον,
éusada desde os tempos da Igreja primitiva. Éusada muitas vezes por São Paulo para
descrever a pregação do Evangelho, que Deus lhe confiou(cf. 1 Ts. 2,
4) «no meio de tantas lutas» (1 Ts. 2, 2) e toda a nova economia da
salvação(cf. 1 Ts. 1, 5ss; Gl. 1, 6-9ss). O termo Evangelho
éusado, para além de Marcos(cf. Mc. 1, 14. 15; 8, 35; 10, 29; 13, 10;
14, 9; 16, 15), também pelo evangelista Mateus, muitas vezes na específica
combinação de «o Evangelho do Reino» (Mt. 9, 35; 24, 14; cf. 26, 13). São
Paulo utiliza, do mesmo modo, o termo evangelizar (εὐαγγελίσασθαι,
cf. 2 Cor. 10, 16), que se encontra igualmente nos Actos dos Apóstolos
(cf. particularmente Act. 8, 4. 12. 25 35. 40), e cuja utilização
conheceu um notável desenvolvimento na história da Igreja. Nos últimos tempos,
com o termo evangelização, pretende-se referir a actividade da Igreja na sua totalidade.
A Exortação Apostólica , publicada no dia 8 de Dezembro de 1975, inclui, dentro
dessa categoria, a pregação, a catequese, a liturgia, a vida sacramental, a piedade
popular e o testemunho de vida dos cristãos(cf. 17, 21, 48ss).
Nesta exortação, o Servo de Deus Papa Paulo VI recolheu os resultados da Terceira
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, realizada de 27 de Setembro a 26
de Outubro de 1974, dedicada ao temaA evangelização no mundo moderno. O Documento
conferiu um notável dinamismo àacção evangelizadora da Igreja nas décadas seguintes,
acompanhada por uma autêntica promoção humana(cf.29, 38, 70). Dentro
do amplo contexto da evangelização, uma especial atenção foi reservada ao anúncio
da Boa Nova às pessoas e aos povos que ainda não conhecem o Evangelho de Jesus Cristo.
A eles se dirige amissio ad gentes. Esta tem caracterizado a actividade constante
da Igreja, ainda que tenha conhecido momentos especiais em alguns períodos históricos.
Basta pensar àepopeia missionária no continente americano ou, mais tarde, nas missões
em África, Ásia e Oceânia. Com o Decreto, o Concílio Vaticano II sublinhou
a natureza missionária de toda a Igreja. De acordo com o mandato do seu fundador,
Jesus Cristo, os cristãos não somente devem apoiar, com a oração e o sustento material,
os missionários, ou seja, as pessoas dedicadas ao anúncio aos não cristãos, mas considerarem-se
também chamados a contribuir para a propagação do Reino de Deus no mundo, segundo
os costumes e a vocação de cada um. Esta tarefa torna-se particularmente urgente na
actual fase de globalização em que, por várias razões, muitas pessoas que não conhecem
Jesus Cristo imigram para países de antiga tradição cristãe, de consequência, entram
em contacto com os cristãos, testemunhas do Senhor ressuscitado, presente na sua Igreja,
de modo especial na sua Palavra e nos sacramentos. Ao longo dos seus 45
anos, o Sínodo dos Bispos tratou o tema damissio ad gentes em várias Assembleias.
Por um lado, teve presente a natureza missionária de toda a Igreja e, por outro, as
indicações do Concílio Vaticano II, que no Decreto reiterou a preocupação
missionária, qual importante objectivo da própria actividade do Sínodo dos Bispos:«O
cuidado de anunciar o Evangelho em todas as partes da terra pertence, antes de mais,
ao corpo episcopal; por isso, o Sínodo episcopal ou ‘Conselho permanente de Bispos
para toda a Igreja’, entre os assuntos de importância geral, deve atender de modo
especial àactividade missionária, que éa principal e a mais sagrada da Igreja» ( 29). Nas
últimas décadas tem-se falado também da urgência danova evangelização. Tendo
presente a evangelização como horizonte comum da Igreja, bem como a acção de anúncio
do Evangelhoad gentes, que requer a formação de comunidades locais, de Igrejas
particulares, nos Países missionários de primeira evangelização, a nova evangelização
é, antes de mais, endereçada a quantos se afastaram da Igreja nos Países da antiga
cristandade. Tal fenómeno, infelizmente, existe em vários graus, mesmo nos Países
onde a Boa Nova foi anunciada nos últimos séculos, mas que ainda não foi suficientemente
bem acolhida a ponto de transformar a vida pessoal, familiar e social dos cristãos.
As Assembleias especiais do Sínodo dos Bispos, a nível continental, celebrados em
preparação do Jubileu do Ano 2000, evidenciaram este facto. Este éum dos grandes desafios
para a Igreja universal. Por isso, Sua Santidade Bento XVI, depois de auscultar a
opinião dos seus irmãos no episcopado, decidiu convocar a XIII Assembleia Geral do
Sínodo dos Bispos sobre o temaA nova evangelização para a transmissão da fécristã,
que se realizaráde 7 a 28 de Outubro de 2012. Retomando a reflexão atéagora realizada
sobre o argumento, a Assembleia sinodal terápor objectivo analisar a situação actual
nas Igrejas particulares, para traçar, em comunhão com o Santo Padre Bento XVI, Bispo
de Roma e Pastor Universal da Igreja, novas formas e expressões da Boa Notícia que
devem ser transmitidas ao homem contemporâneo com renovado entusiasmo, próprio dos
santos, alegres testemunhas do Senhor Jesus Cristo, «Aquele que era, que ée que
há de vir» (Ap. 4, 8). É um desafio a retirar, como o escriba que se tornou
discípulo do Reino dos céus, coisas novas e coisas antigas do precioso tesouro da
Tradição (cf. Mt. 23, 52). Os Lineamenta que agora
apresentamos, elaborado com a ajuda do Conselho Ordinário da Secretaria Geral do Sínodo
dos Bispos, representam uma etapa importante na preparação do Sínodo. No final de
cada capítulo encontram-se algumas perguntas que se destinam a facilitar a discussão
a nível da Igreja universal. Na verdade, osLineamenta são enviados ao Sínodo
dos Bispos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, às Conferências Episcopais,
aos Dicastérios da Cúria Romana e à União dos Superiores Gerais, organismos com os
quais a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos mantém relações oficiais. Os Lineamenta
pretendem promover a reflexão sobre este documento nas respectivas estruturas:
dioceses, zonas pastorais, paróquias, congregações, associações, movimentos, etc.
As respostas destes organismos deveriam ser resumidos pelos responsáveis das Conferências
Episcopais, dos Sínodos dos Bispos, bem como pelos outros organismos mencionados,
e enviados àSecretaria do Sínodo dos Bispos até1 de Novembro de 2011, Solenidade de
Todos os Santos. Com o apoio do Conselho Ordinário, tais respostas serão cuidadosamente
analisadas e integradas no Instrumentum laboris, que é o documento de trabalho
da próxima Assembleia sinodal. Agradecendo antecipadamente a vossa valiosa
colaboração, que representa uma preciosa troca de dons, de preocupações e de solicitude
pastoral, confiamos o itinerário da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos
Bispos àmaterna protecção da Bem-Aventurada Virgem Maria, Estrela da Nova Evangelização.
A sua intercessão obtenha para a Igreja a graça de se renovar no Espírito Santo para
que o nosso tempo possa colocar em marcha, com renovado entusiasmo, o mandamento do
Senhor ressuscitado: «Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a todos os povos»
(Mc. 16, 15). Vaticano, 2 de Fevereiro de 2011, Festa da Apresentação
do SenhorMons. Nikola Eterović Arcebispo titular de Cibale Secretário-Geral INTRODUÇÃO «Fui
encontrado por aqueles que não me procuravam, manifestei-me àqueles que não perguntavam
por mim»(Rm. 10, 20)
1.A urgência de uma nova
evangelização Encerrando os trabalhos do , o Papa Bento XVI colocou em
primeiro plano da agenda da Igreja, claramente, o tema da nova evangelização. «Éfrequentemente
referida a necessidade urgente de uma nova evangelização também para o Médio Oriente.
Éum tema muito difuso, sobretudo nos Países de antiga cristianização. A recente criação
do responde igualmente a esta necessidade profunda. Por isso, depois de ter consultado
o episcopado do mundo e após a consulta do Conselho Ordinário da Secretaria Geral
do Sínodo dos Bispos, decidi dedicar a próxima Assembleia Geral Ordinária, em 2012,
ao seguinte tema: Nova evangelizatio ad christianam fidem tradendam - A nova
evangelização para a transmissão da fécristã». Como ele mesmo recorda, a decisão
de dedicar esta Assembleia ao tema da nova evangelização deve ser lida dentro de um
projecto unificado, que tem como etapas recentes a criação de um dicastério ad
hoc e a publicação da exortação apostólica pós-sinodal , um projecto que se enraíza
no compromisso de uma renovada acção evangelizadora que animou o magistério e o ministério
apostólico do e do . Desde o até hoje, a nova evangelização se propôs, sempre com
maior lucidez, como o instrumento graças ao qual confrontar-se com os desafios de
um mundo em acelerada transformação e como a via para viver, hoje, o dom de ser reunidos
pelo Espírito Santo para fazer a experiência do Deus que énosso Pai, testemunhando
e anunciando a todos a Boa Nova - o Evangelho - de Jesus Cristo. 2. O dever
de evangelizar A Igreja que anuncia e transmite a féimita a acção do próprio
Deus que se comunica àhumanidade dando-lhe o seu Filho, vive na comunhão trinitária,
derrama o Espírito Santo para comunicar com a humanidade. Para que a evangelização
seja um eco desta comunicação divina, a Igreja tem de se deixar plasmar pela acção
do Espírito Santo e conformar-se com Cristo crucificado, que revela ao mundo o rosto
do amor e da comunhão de Deus. Desta maneira redescobre a sua vocação de Ecclesia
Mater, gerando filhos para o Senhor, transmitindo a fé, ensinando o amor que gera
e alimenta os filhos. No coração do anúncio estáJesus Cristo, professado e testemunhado.
Transmitir a fésignifica, no essencial, transmitir as Escrituras e, de um modo especial,
o Evangelho que permite conhecer a Jesus, o Senhor. O Papa Paulo VI, relançando
a prioridade da evangelização, lembrou a todos os fiéis: «não deixaria de ter a sua
utilidade que cada cristão e cada evangelizador aprofundasse na oração este pensamento:
os homens poderão salvar-se por outras vias, graças àmisericórdia de Deus, se nós
não lhes anunciarmos o Evangelho; mas nós, poder-nos-emos salvar se, por negligência,
por medo ou por vergonha, aquilo que São Paulo chamava exactamente “envergonhar-se
do Evangelho”, ou por se seguirem ideias falsas, nos omitirmos de o anunciar?». A
pergunta, com a qual se conclui a , soa aos nossos ouvidos como uma original exegese
do texto de São Paulo do qual partimos e que ajuda a colocarmo-nos, imediatamente,
no centro do tema que queremos afrontar neste texto: a absoluta centralidade da tarefa
da evangelização para a Igreja de hoje. Verificar as nossas vivências, a nossa atitude
para com a evangelização, éútil a um nível funcional para melhorar as nossas práticas
e as nossas estratégias de anúncio. Essa é, no fundo, a via para nos interrogarmos
hoje sobre a qualidade da nossa fé, sobre o nosso modo de sentir e de ser cristãos,
discípulos de Jesus Cristo enviados a anunciá-lo ao mundo, de sermos testemunhas cheios
do Espírito Santo (cf. Lc. 24, 48s; Act. 1, 8), chamados a fazer, das
pessoas de todas as nações, discípulos (cf. Mt. 28, 19s). A palavra dos
discípulos de Emaús (cf. Lc. 24, 13-35) é paradigmática da possibilidade de
um anúncio falhado de Cristo, porque incapaz de transmitir vida. Os dois discípulos
de Emaús anunciam um morto (cf. Lc. 24, 21-24), narram a sua frustração e a
sua perda de esperança. Dizem a possibilidade, para a Igreja de todos os tempos, de
um anúncio que não dávida, que mantém encerrado na morte o Cristo anunciado, os anunciadores
e os destinatários do anúncio. A pergunta sobre a transmissão da fé, que não éuma
acção individualista e solitária, mas um evento comunitário, eclesial, não deve dirigir
as respostas no sentido da busca de estratégias eficazes de comunicação, e tão pouco
centrar-se analiticamente sobre os destinatários, por exemplo os jovens, mas deve
declinar-se como questão que diz respeito ao sujeito encarregado desta operação espiritual.
Deve tornar-se uma pergunta da Igreja sobre si mesma. Isto consente de encarar o problema
de maneira não extrínseca, mas correcta, dado que põe em causa a Igreja toda no seu
ser e no seu viver. E talvez assim se possa atécompreender que o problema da falta
de fecundidade da evangelização de hoje, da catequese nos tempos modernos, éum problema
eclesiológico, que diz respeito àcapacidade que a Igreja tem de se configurar, ou
não, como uma comunidade real, como uma verdadeira fraternidade, como um corpo e não
como uma máquina ou uma empresa. «A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária».
Esta afirmação do Concílio Vaticano II resume de forma simples e completa a Tradição
da Igreja: a Igreja é missionária porque decorre da missão de Jesus Cristo e da missão
do Espírito Santo, segundo o plano de Deus Pai. Além disso, a Igreja é missionária
porque assume esta origem como protagonista, fazendo-se arauto e testemunha da Revelação
de Deus, reunindo o povo de Deus da dispersão, para que se possa cumprir aquela profecia
de Isaías que os Padres da Igreja leram como dirigida a ela: «Amplia o lugar da tua
tenda, e estendam-se as cortinas das tuas habitações; não o impeças; alonga as tuas
cordas, e fixa bem as tuas estacas, porque transbordarás para a direita e para a esquerda;
e a tua descendência possuiráos gentios e faráque sejam habitadas as cidades assoladas»
( Is. 54, 2-3). As afirmações do apóstolo Paulo, «anunciar o Evangelho não
é título de glória para mim; é, antes uma necessidade que se me impõe. Ai de mim,
se eu não anunciar o evangelho» (1 Cor. 9, 16) podem, assim, aplicar-se e dirigir
àIgreja no seu todo. Como nos recorda o Papa Paulo VI: «Evangelizar constitui, de
facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela
existe para evangelizar». Nesta dupla dinâmica, missionária e evangelizadora, a
Igreja não reveste, portanto, apenas o papel de actor, de sujeito da proclamação,
mas também aquele reflexivo da escuta e do seguimento. Evangelizadora, a Igreja começa
por se evangelizar a si mesma. A Igreja sabe que é o resultado visível desta constante
obra de evangelização que o Espírito guia através da história, a fim de que o povo
dos redimidos testemunhe a memória viva do Deus de Jesus Cristo. E hoje podemos apoiar
ainda com maior convicção esta nossa certeza, porque vimos de uma história que nos
relegou páginas extraordinárias de coragem, dedicação, intuição e razão; páginas que
nos deixaram muitos ecos e vestígios em textos, orações, modelos e métodos pedagógicos,
itinerários espirituais, caminhos de iniciação àfé, obras e instituições educacionais. 3.
Evangelização e discernimento Reconhecer esta dimensão de escuta
e de discipulado inscrita na obra de evangelização éimportante para a Igreja por uma
segunda razão, além daquela jáacima mencionada, de agradecimento e de contemplação
das mirabilia Dei. A Igreja reconhece-se como fruto desta evangelização, assim
como agente, porque consciente de que a condução de todo este processo não estáem
suas mãos, mas nas mãos de Deus, que a conduz na história através do seu Espírito.
Como o deixa bem intuir São Paulo, no texto que serve de porta de acesso a esta introdução
(Rm. 10, 20), a Igreja sabe que a direcção da acção de evangelizadora pertence
ao Espírito Santo: a Ele se confia para reconhecer os instrumentos, os tempos e os
espaços daquele anúncio que échamada a viver. Sabia-o bem São Paulo, que num momento
de grandes mutações, como o das origens da Igreja, reconhece, não apenas “teoricamente”,
mas “praticamente”, este primado de Deus na organização e na condução da evangelização;
e chega a documentar as razões deste primado remontando às Escrituras, de modo particular
aos Profetas. O apóstolo Paulo reconhece este primado da acção do Espírito de uma
forma muito intensa e importante para a Igreja nascente: aos crentes parece, de facto,
que as estradas a percorrer sejam outras; os primeiros cristãos mostram-se incertos
diante de algumas opções fundamentais a tomar. O processo de evangelização transforma-se
num processo de discernimento; o anúncio exige que antes exista um momento de escuta,
de compreensão, de interpretação. A nossa época assemelha-se muito à situação vivida
por São Paulo: também nós nos encontramos, como cristãos, imersos num período de fortes
mudanças históricas e culturais, como veremos mais adiante. Também para nós, o acto
de evangelização exige uma análoga, simétrica e simultânea acção de discernimento.
O Concílio Vaticano II, mais de quarenta anos atrás, tinha afirmado já: «A humanidade
vive um período novo da sua história, caracterizada por profundas mudanças e rápidas
transformações que progressivamente se estendem a todo o universo».1 Estas
mudanças, de que nos fala o Concílio, multiplicaram-se no período sucessivo àsua celebração
e, ao contrário daqueles anos, induzem não só à esperança, suscitam não apenas as
expectativas utópicas, mas geram também medo e semeiam cepticismo. A primeira década
deste novo século/milénio foi teatro de transformações que marcaram indelevelmente,
e em mais de um caso em modo dramático, a história da humanidade. Vivemos um momento
histórico cheio de mudanças e de tensões, de perda de equilíbrios e de pontos de referência.
Esta época força-nos a viver frequentemente encurralados no presente e na precariedade,
sendo cada vez mais difícil a escuta e a transmissão da memória humana e a partilha
dos valores sobre os quais construir o futuro das novas gerações. Neste contexto,
a presença dos cristãos, o trabalho das suas instituições, é percebido de modo menos
natural e com maior suspeita; nas últimas décadas, multiplicaram-se as interrogações
críticas que confrontam a Igreja e os cristãos, tal como a Deus que proclamamos. A
tarefa da evangelização encontra-se, assim, diante de novos desafios, que põem em
causa práticas consolidadas, enfraquecem percursos habituais e jápadronizados; numa
palavra, obrigam a Igreja a questionar-se de modo novo sobre o sentido das suas acções
de anúncio e de transmissão da fé. A Igreja não chega a este desafio, contudo, sem
preparação: com isso se debateram já as Assembleias do Sínodo dos Bispos dedicadas
especificamente ao tema do anúncio e da transmissão da fé, como testemunham as exortações
apostólicas conclusivas e . A Igreja viveu nestes dois eventos um momento significativo
de revisão e de revitalização do seu mandato de evangelização. 4.Evangelizar
no mundo de hoje a partir dos seus desafios O texto de São Paulo que nos
orienta nesta introdução ajuda-nos a compreender o significado e as razões da próxima
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, para a qual nos estamos preparando.
Num tempo assim tão prolongado e tão diferenciado de mudanças e transformações ébom
que a Igreja estabeleça espaços e ocasiões para a escuta e para o diálogo recíproco,
para que se mantenha a um nível elevado de qualidade o exercício daquele discernimento
que nos épedido pela acção de evangelização que, como Igreja, somos chamados a viver.
A próxima Assembleia Geral Ordinária pretende ser um momento privilegiado, um marco
importante neste caminho de discernimento. Das Assembleias sobre a evangelização e
sobre a catequese o contexto sócio cultural foi medido com mudanças significativas
e imprevistas, cujos efeitos - como na crise económica e financeira - são ainda bem
visíveis e activos nas nossas respectivas realidades locais. A própria Igreja tem
sido directamente afectada por essas mudanças, forçada a lidar com perguntas, com
a compreensão dos fenómenos, com as práticas que se devem corrigir, com os caminhos
e realidades aos quais comunicar de modo novo a esperança do Evangelho. Tal contexto
move-nos naturalmente para a próxima Assembleia sinodal. Da escuta e do confronto
recíproco sairemos todos mais enriquecidos e prontos para identificar os caminhos
que Deus, através de Seu Espírito, está construindo para se manifestar e fazer-se
encontrar pelos homens, segundo a imagem do profeta Isaías (cf. Is. 40, 3;
57, 14; 62, 10). Um discernimento exige a identificação dos objectos e dos temas
sobre os quais fazer convergir a nossa atenção e a partir dos quais acender a escuta
e o diálogo recíproco. Destinado a apoiar a acção de evangelização e das mudanças
que estão ocorrendo, o nosso exercício de discernimento échamado a colocar no centro
da nossa escuta os capítulos essenciais desta prática da Igreja: o nascimento, a propagação
e o progressivo afirmar-se de uma “nova evangelização” dentro das nossas Igrejas;
as modalidades com as quais a Igreja faz sua e vive hoje a tarefa de transmitir a
fé; o rosto e a declinação concreta que assumem no nosso presente os instrumentos
dos quais a Igreja dispõe para construir a fé(iniciação cristã, educação), e os desafios
com os quais são chamados a confrontar-se. Estes capítulos são a marca do presente
texto. O seu objectivo édar início àescuta e ao diálogo, para ampliar os limites do
discernimento que existe jána nossa Igreja, e dar-lhe, assim, uma ênfase e um eco
ainda mais católico e universal. Perguntas O discernimento de
que estamos a falar ésempre, por natureza, histórico e determinado: parte de um facto
concreto, estrutura-se como reacção a um evento determinado. Apesar de compartilharem
de modo geral o mesmo espaço cultural, as nossas Igrejas locais viveram, nas últimas
décadas, etapas e episódios neste processo de discernimento que são únicas, típicas
do seu contexto e da sua história. 1. Qual desses episódios éútil para ser comunicado
às outras Igrejas locais? 2. Quais, dentre estes exercícios de discernimento histórico,
seria útil partilhar no espaço interno àcatolicidade da Igreja, para que da escuta
mútua destes acontecimentos a Igreja universal possa reconhecer as estradas que o
Espírito Santo lhe indica para a obra de evangelização? 3. O tema da “nova evangelização”
conheceu jáuma difusão capilar nas nossas Igrejas locais. Como tem sido assumida e
vivida? A que processos de interpretação deu origem? 4. Que acções pastorais têm
beneficiado de um modo especial com a assunção do tema da “nova evangelização”? Que
acções conheceram uma mudança e quais as que conheceram um incremento significativo?
Pelo contrário, quais as acções que desenvolveram formas de resistência e quais as
que se distanciaram do assunto?PRIMEIRO CAPÍTULO Tempo de “nova evangelização” «Como
acreditarão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não há
quem o anuncie?» (Rm. 10, 14)5. “Nova Evangelização”: o significado
de uma definição Embora esteja certamente generalizada e suficientemente
assimilada, o termo “nova evangelização” continua a ser recente no universo da reflexão
eclesial e pastoral, e por isso com um significado nem sempre claro e consensual.
Introduzido pelo Papa João Paulo II, durante a sua ,1o termo “nova
evangelização” – inicialmente usado sem qualquer ênfase e quase não deixando pressagiar
o papel que depois assumiria – foi por ele retomado posteriormente e relançado, sobretudo,
no seu Magistério dirigido às Igrejas da América Latina. A este termo o Papa João
Paulo II recorre para fazer dele uma rampa de lançamento; apresenta-o como um meio
de comunicação de forças com vista a um novo ardor missionário e evangelizador. Aos
Bispos da América Latina diz-lhes: «A comemoração do meio milénio de evangelização
alcançaráo seu significado pleno se for um compromisso vosso como bispos, juntamente
com o vosso Presbitério e com os vossos fieis; compromisso não certamente de reevangelização
mas de uma nova evangelização. Nova em seu ardor, em seus métodos, em suas expressões».1Não
se trata de fazer de novo qualquer coisa que foi mal feita ou que não funcionou, como
se a nova acção fosse um implícito juízo sobre o falhanço da primeira. A nova evangelização
não é uma duplicação da primeira, não éuma simples repetição, mas é a coragem de ousar
novos caminhos, para atender às mudanças de condições dentro do qual a Igreja échamada
a viver hoje o anúncio do Evangelho. O continente latino-americano era chamado naquela
época a confrontar-se com novos desafios (a propagação da ideologia comunista, o aparecimento
das seitas); a nova evangelização éa acção sucessiva ao processo de discernimento
com a qual a Igreja na América Latina échamada a ler e a avaliar a situação na qual
se encontra. Nesta acepção, o termo éretomado e relançado no Magistério do Papa
João Paulo II, dirigido àIgreja universal. «A Igreja deve hoje enfrentar outros desafios,
lançando-se para novas fronteiras, quer na primeira missão ad gentes, quer
na nova evangelização dos povos que járeceberam o anúncio de Cristo. A todos os cristãos,
às Igrejas particulares e àIgreja universal, pede-se a mesma coragem que moveu os
missionários do passado, a mesma disponibilidade para escutar a voz do Espírito»:1
a nova evangelização é, antes de mais, uma acção espiritual, a capacidade de assumir,
no presente, a coragem e a força dos primeiros cristãos, dos primeiros missionários.
É, portanto, uma acção que requer, em primeiro lugar, um processo de discernimento
acerca do estado de saúde do cristianismo, o reconhecimento das medidas tomadas e
das dificuldades encontradas. O Papa João Paulo II precisarámais adiante: «A Igreja
deve dar hoje um grande passo em frente na sua evangelização, deve entrar numa nova
etapa histórica do seu dinamismo missionário. Num mundo que, com o encurtar das distâncias,
se torna sempre mais pequeno, as comunidades eclesiais devem ligar-se entre si, trocar
energias e meios, empenhar-se juntas na missão, única e comum, de anunciar e de viver
o Evangelho. “As Igrejas ditas mais jovens — disseram os Padres sinodais — têm necessidade
da força das mais antigas, enquanto que estas precisam do testemunho e do entusiasmo
das mais jovens, de forma que cada Igreja beneficie das riquezas das outras Igrejas”».1 Estamos
agora em condições de compreender o funcionamento dinâmico confiado ao conceito de
“nova evangelização”: recorre-se a ele para indicar o esforço de renovação que a Igreja
échamada a fazer para estar àaltura dos desafios que o contexto social e cultural
de hoje coloca àfécristã, ao seu anúncio e ao seu testemunho, como consequência das
profundas mudanças em curso. A Igreja responde a estes desafios não cruzando os braços,
não fechando-se em si mesma, mas através do lançamento de uma operação de revitalização
do seu próprio corpo, tendo colocado no centro a figura de Jesus Cristo, o encontro
com Ele, que doa o Espírito Santo e as energias para um anúncio e uma proclamação
do Evangelho através de novos caminhos, capazes de falar às culturas de hoje. Assim
configurado, o conceito de “nova evangelização” éassumido e relançado nas Assembleias
do Sínodo por Continentes, celebrados em preparação do Jubileu do Ano 2000, fixando-se
jácomo um conceito assumido nas reflexões pastorais e eclesiais das Igrejas locais.
“Nova Evangelização” ésinónimo de renascimento espiritual da vida de fédas igrejas
locais, início de percursos de discernimento das mudanças que afectam a vida cristãnos
diferentes contextos culturais e sociais, releitura da memória da fé, assunção de
novas responsabilidades e novas energias em vista de uma proclamação alegre e contagiante
do Evangelho de Jesus Cristo1. Suficientemente sintéticas e exemplares
são as palavras do Papa João Paulo II à Igreja na Europa: «resultou a urgência e a
necessidade da “nova evangelização”, cientes de que a Europa, hoje, não deve simplesmente
fazer apelo àsua precedente herança cristã: épreciso, de facto, que seja posta em
condições de decidir novamente do seu futuro no encontro com a pessoa e a mensagem
de Jesus Cristo»1. Apesar dessa popularidade e notoriedade, o
termo não consegue ainda, no entanto, fazer-se aceitar de modo pleno e total no debate,
tanto dentro da Igreja como dentro da cultura. Algumas reservas perduram acerca dela
ainda, como se com este termo se quisesse desenvolver um processo de rejeição e de
remoção de algumas páginas do passado recente da vida das Igrejas locais. Háquem duvide
que a “nova evangelização” cubra ou esconda a intenção de novas acções de proselitismo
por parte da Igreja, especialmente em relação a outras confissões cristãs.1Tende-se
a pensar que com esta definição se opere uma mudança na atitude da Igreja para com
aqueles que não crêem, transformados em objecto de persuasão e não mais considerados
como interlocutores de um diálogo em que se partilha uma mesma humanidade e se busca
a verdade da nossa existência. A esta última preocupação entendeu dar atenção, e também
uma resposta, durante a sua , o : «Isto traz-me àmente a palavra que Jesus cita do
profeta Isaías, isto é, que o templo deveria ser uma casa de oração para todos os
povos (cf. Is. 56, 7; Mc. 11, 17). Estava Ele a pensar no chamado pátio
dos gentios, que acabava de esvaziar de negócios externos a fim de o espaço ficar
livre para os gentios que ali queriam rezar ao único Deus, embora sem poder participar
no mistério, para cujo serviço estava reservado o interior do templo. Espaço de oração
para todos os povos: ao dizê-lo, Jesus pensava em pessoas que conhecem Deus, por assim
dizer, só de longe; que estão insatisfeitas com os seus deuses, ritos e mitos; que
desejam o Puro e o Grande, mesmo se Deus permanece para eles o “Deus desconhecido”
(cf. Act. 17, 23). Também elas deviam poder rezar ao Deus desconhecido e assim
estar em relação com o Deus verdadeiro, embora no meio de escuridão de vário gênero.
Penso que a Igreja deveria também hoje abrir uma espécie de “pátio dos gentios”, onde
os homens pudessem de qualquer modo agarrar-se a Deus, sem O conhecer e antes de terem
encontrado o acesso ao seu mistério, a cujo serviço está a vida interna da Igreja»1. Nós,
crentes, devemos levar a sério atémesmo as pessoas que se consideram agnósticos ou
ateus. Esses talvez se assustem quando se fala de nova evangelização, como se tivessem
de se tornar objecto de missão. Mas a questão de Deus, todavia, continua presente
também para eles. A busca de Deus foi a razão fundamental pela qual nasceu o monaquismo
ocidental e, com ele, a cultura ocidental. O primeiro passo da evangelização consiste
no procurar manter viva essa procura. É preciso manter o diálogo não sócom as religiões,
mas também com quem considera a religião como algo de estranho. A imagem do “pátio
dos gentios” chega-nos como um ulterior elemento da reflexão sobre a “nova evangelização”,
que revela a audácia dos cristãos em nunca desistir de procurar positivamente todas
as vias para estabelecer formas de diálogo que cheguem aos anseios mais profundos
dos homens e à sua sede de Deus. Tal audácia permite colocar nesses contextos a questão
de Deus, partilhando a própria experiência de procura e contando o encontro com o
Evangelho de Jesus Cristo como um dom. Este tipo de capacidade, tal atitude, exige
um primeiro momento de exame pessoal e de purificação, para reconhecer os sinais de
medo, de fadiga, de confusão, de fechamento em si mesmo que a cultura, na qual vivemos,
pôde gerar em nós. Num segundo momento, seráurgente a iniciativa, o colocar-se em
marcha, com o apoio do Espírito Santo, para aquela experiência de Deus vivida como
Pai que o encontro com Cristo nos permite de anunciar a todos os homens. Estes momentos
não constituem etapas que se sucedem umas às outras, mas impulsos espirituais que
acontecem sem solução de continuidade dentro da vida cristã. O apóstolo Paulo dáconta
deles, quando descreve a experiência da fé como uma libertação «do poder das trevas»
e um ingresso «no reino do Filho do Seu amor, através do qual temos a tlineredenção
e o perdão dos pecados» (Cl. 1, 13-14, cf. também Rm. 12, 1-2). Da mesma
forma, esta ousadia não éalgo de completamente novo ou de completamente inédito para
o cristianismo, havendo já na literatura patrística marcas dessa atitude1. 6.Os cenários da nova evangelização A nova evangelização é, portanto,
uma atitude, um estilo audaz. Éa capacidade do cristianismo de saber ler e decifrar
os novos cenários que nestas últimas décadas se têm vindo a criar na história da humanidade,
para os habitar e transformar em lugares de testemunho e de anúncio do Evangelho.
Estes cenários foram identificados, analisados e descritos diversas vezes2;
são cenários sociais, culturais, económicos, políticos, religiosos. Em primeiro
lugar, antes de mais, deve ser indicado o cenário de fundo cultural. Vivemos numa
época de profunda secularização, que perdeu a capacidade de ouvir e compreender as
palavras do Evangelho como uma mensagem viva e revigorante. A secularização, enraizada
de modo particular no mundo ocidental, fruto de episódios e de movimentos e pensamentos
sociais que lhe marcaram profundamente a história e a identidade, apresenta-se, hoje,
nas nossas culturas, através da imagem positiva da libertação, da possibilidade de
imaginar a vida do mundo e da humanidade sem fazer referência à transcendência. Ultimamente
não se apresenta tanto como forma pública de discurso directo e forte contra Deus,
contra a religião e contra o cristianismo, embora recentemente, em alguns casos, os
tons anti cristãos, anti religiosos e anti clericais se tenham feito sentir. A secularização
assumiu, sobretudo, um certo tom resignado que permitiu a essa forma cultural de invadir
o quotidiano das pessoas e desenvolver uma mentalidade na qual Deus foi posto de parte,
total ou parcialmente, da existência e da consciência humana. Esta sua forma permitiu-lhe
de entrar na vida dos cristãos e das comunidades eclesiais, tornando-se, assim, não
jásomente uma ameaça externa para os crentes, mas um terreno de confrontação permanente2.
São expressões da chamada cultura do relativismo. Além disso, em causa estão sérias
implicações antropológicas que colocam em questão a própria experiência humana básica,
como a relação homem-mulher, o sentido da procriação e da morte. As características
de uma forma secularizada de entender a vida influenciam o comportamento diário de
muitos cristãos, que se mostram frequentemente influenciados, mesmo atécondicionados,
pela cultura da imagem com os seus modelos e impulsos contraditórios. A mentalidade
hedonista e consumista predominante provoca neles uma tendência para a superficialidade
e egocentrismo que não éfácil de combater. A “morte de Deus”, proclamada por muitos
intelectuais no passado, estádando lugar a um culto estéril do indivíduo. O risco
de perder os elementos fundamentais da gramática da fééuma realidade, com a consequência
de cair na atrofia espiritual e num vazio do coração, ou, pelo contrário, em sucedâneos
de pertença religiosa e de vago espiritualismo. Num cenário como este, a nova evangelização
apresenta-se como um estímulo, do qual as comunidade cansadas e fatigadas necessitam,
para redescobrir a alegria da experiência cristã, para reencontrar «o amor de um tempo»
que se perdeu (Ap. 2,4 ), para confirmar a natureza da liberdade na busca da Verdade. Por
outro lado, em outras regiões do mundo, assiste-se a um promissor renascimento religioso.
Muitos aspectos positivos da redescoberta de Deus e do sagrado em várias religiões
são obscurecidos pelo fenómeno do fundamentalismo, que muitas vezes manipula a religião
para justificar a violência e atémesmo o terrorismo. Trata-se de um grave abuso. «Não
se pode usar a violência em nome de Deus»2. Além disso, a proliferação
das seitas éum desafio permanente. Junto a este primeiro cenário cultural, podemos
indicar um segundo, mais social: o grande fenómeno migratório que força cada vez mais
as pessoas a deixarem o seu país de origem e a viverem em ambientes urbanizados, modificando
a geografia étnica das nossas cidades, das nossas nações e dos nossos continentes.
Deste facto deriva um encontro e a mistura das culturas que as nossas sociedades não
conheciam desde hámuitos séculos. Estão a acontecer formas de contaminação e de erosão
das referências fundamentais da vida, dos valores pelos quais se dava a vida, das
próprias ligações através dos quais os indivíduos estruturam as suas identidades e
acedem ao sentido da vida. O resultado cultural destes processos éum clima de extrema
fluidez e “liquidez” em que hácada vez menos espaço para as grandes tradições, inclusivamente
aquelas religiosas, e a sua missão de estruturar de modo objectivo o sentido da história
e da identidade dos sujeitos. A este cenário social estáligado aquele fenómeno que
se conhece pelo termo de globalização, realidade que não éfácil de decifrar, e que
requer, por parte dos cristãos, um forte trabalho de discernimento. Pode ser vista
como um fenómeno negativo, se desta realidade prevalecer uma interpretação determinista,
vinculada apenas àesfera económica e produtiva; pode, porém, ser vista como um momento
de crescimento, em que a humanidade aprende a desenvolver novas formas de solidariedade
e novas formas de partilhar o desenvolvimento de todos ao bem2. A nova
evangelização, num cenário como este, permite-nos aprender que a missão não émais
um movimento norte-sul ou este-oeste, porque épreciso desvincular-se das delimitações
geográficas. Hoje a missão diz respeito a todos os cinco continentes. Épreciso aprender
a conhecer os sectores e os ambientes que são estranhos àfé, porque nunca a encontraram
e não apenas porque se afastaram dela. Desvincular-se das delimitações quer dizer
ter a energia para levantar a questão de Deus em todos aqueles processos de encontro,
de mistura, de reconstrução dos tecidos sociais que estão em marcha em cada um dos
nossos contextos locais. Esta profunda mistura das culturas éo pano de fundo sobre
o qual opera um terceiro cenário, que vai marcando, de um modo cada vez mais determinante,
a vida das pessoas e a consciência colectiva. Trata-se do desafio dos meios de comunicação
social, que hoje oferecem enormes possibilidades e representam um dos grandes desafios
para a Igreja. Inicialmente característico apenas do mundo industrializado, o cenário
que apresentamos écapaz de afectar hoje uma grande parte dos países em vias de desenvolvimento.
Não hálugar no mundo de hoje que não possa ser alcançado e, por isso, não estar sujeito
àinfluência da cultura mediática e digital, que progressivamente se estrutura como
o “lugar” da vida pública e da experiência social. A difusão desta cultura traz consigo
indubitáveis vantagens: maior acesso àinformação, maior possibilidade de conhecimento,
de partilha, de formas novas de solidariedade, de capacidade de construir uma cultura
sempre mais global, tornando os valores e os melhores desenvolvimentos do pensamento
e da expressão humana património de todos. Esse potencial, no entanto, não pode esconder
os riscos que uma excessiva difusão de uma cultura deste tipo estájágerando. Manifesta-se
uma profunda concentração egocêntrica sobre si e apenas sobre as suas necessidades
individuais. Afirma-se uma exaltação da dimensão emotiva na estruturação das relações
e dos laços sociais. Assiste-se àperda do valor objectivo da experiência da reflexão
e do pensamento, reduzida, em muitos casos, a puro lugar de confirmação do próprio
sentir. Espalha-se uma progressiva alienação da dimensão ética e política da vida,
reduzindo a alteridade ao papel funcional de espelho e espectador das minhas acções.
O último ponto ao qual podem levar estes riscos éaquilo a que se chamou a cultura
do efémero, do imediato, da aparência, ou seja de uma sociedade incapaz de memória
e do futuro. Neste contexto, a nova evangelização, pede aos cristãos a coragem de
habitar esses “novos areópagos”, encontrando os instrumentos e os percursos para tornar
audível também nesses lugares ultramodernos o património educativo e de sabedoria
preservada pela tradição cristã2. Um quarto cenário, que marca com as
suas mudanças a actividade evangelizadora da Igreja, éo cenário económico. Inúmeras
vezes o Magistério dos Sumos Pontífices denunciou os crescentes desequilíbrios entre
o Norte e o Sul do mundo, no acesso e na distribuição dos recursos, bem como nos danos
causados. A continuação da crise económica em que nos encontramos assinala o problema
do uso das forças materiais, que sente dificuldades em encontrar as regras de um mercado
mundial capaz de tutelar uma convivência mais justa2. Apesar de a comunicação
social reservar sempre menor atenção a uma leitura destes problemas a partir da voz
dos pobres, das Igrejas espera-se ainda muito em termos de sensibilização e de acções
concretas. Um quinto cenário éo da investigação científica e tecnológica. Vivemos
numa época que ainda não recuperou da estupefacção suscitada pelos constantes alvos
que a investigação nestes tempos tem sido capaz de superar. Todos podemos sentir na
vida diária os benefícios trazidos por estes progressos. E com frequência nos sentimos
dependentes desses benefícios. A ciência e a tecnologia correm, assim, o risco de
se tornarem os novos ídolos do presente. Num contexto digital e globalizado como o
nosso éfácil que a ciência se torne a nova religião, reenviando para ela as questões
da verdade e da procura de sentido, sabendo que receberemos apenas respostas parciais
e insuficientes. Encontramo-nos diante do aparecimento de novas formas de gnosticismo,
que encaram a técnica como uma forma de sabedoria, na busca de uma organização mágica
da vida que funcione como saber e como sentido. Assistimos ao surgimento de novos
cultos. Cultos que conferem formas terapêuticas às práticas religiosas que os homens
estão dispostos a viver, estruturando-se como religiões da prosperidade e da gratificação
instantânea. Um sexto cenário é, enfim, o da política. Desde o Concílio Vaticano
II atéhoje as mudanças podem, justamente, ser definidas como epocais. Chegou ao fim,
com a crise da ideologia comunista, a divisão do mundo ocidental em dois blocos. Isso
favoreceu a liberdade religiosa e a possibilidade de reorganização das Igrejas históricas.
O emergir, na cena mundial, de novos actores económicos, políticos e religiosos, como
o mundo islâmico, o mundo asiático, criou uma situação inédita e totalmente desconhecida,
rica de potencialidades, mas também cheia de perigos e de novas tentações de domínio
e de poder. Neste cenário, o compromisso pela paz, o desenvolvimento e a libertação
dos povos, a melhoria das formas de governo mundial e nacional, a construção de formas
possíveis de escuta, convivência, diálogo e cooperação entre diferentes culturas e
religiões, a defesa dos direitos humanos e dos povos, especialmente das minorias,
a promoção dos mais fracos, a salvaguarda da criação e o compromisso com o futuro
do nosso planeta, são temas e áreas que carecem de ser iluminados pela luz do Evangelho. 7.
Encarar como cristãos os novos cenários Diante destas mudanças
énatural que a primeira reacção seja de perplexidade e de medo, confrontados com transformações
que interrogam a nossa identidade e a nossa féatéaos fundamentos. É natural assumir
aquela atitude de discernimento crítico, várias vezes lembrado pelo Papa Bento XVI,
quando nos convida a fazer uma releitura do presente a partir da perspectiva da esperança
que o cristianismo oferece como um dom2. Aprendendo novamente o que é a
esperança, os cristãos poderão ser capazes de operar no contexto dos seus conhecimentos
e das suas experiências, dialogando com os outros homens, intuindo o que podem oferecer
ao mundo como dom, o que podem partilhar, o que podem assumir para exprimir ainda
melhor esta esperança, e, por outro lado, sobre que elementos têm o direito de resistir.
Os novos cenários, com os quais somos chamados a confrontarmo-nos, apelam para que
se desenvolva uma crítica aos estilos de vida, às estruturas de pensamento e de valor,
às linguagens construídas para comunicar. Ao mesmo tempo essa deverá funcionar como
uma autocrítica do cristianismo moderno, que deve aprender sempre de novo a questionar-se,
a partir das próprias raízes. Aqui encontra o seu específico e a sua força o instrumento
da nova evangelização: épreciso olhar para estas situações, para estes fenómenos,
sabendo superar o nível emocional do juízo defensivo e do medo, para aproveitar objectivamente
os sinais do novo, juntamente com os desafios e fragilidades. “Nova evangelização”
significa, portanto, trabalhar nas nossas Igrejas locais para construir caminhos de
leitura dos fenómenos acima indicados que permitam traduzir a esperança do Evangelho
em termos práticos. Isto significa que a Igreja se edifica aceitando medir-se com
esses desafios, tornando-se cada vez mais a artífice da civilização do amor. “Nova
evangelização” quer dizer, além disso, ter a audácia de levar a questão de Deus para
dentro destes problemas, concretizando aquilo que éespecífico da missão da Igreja
e mostrando neste mundo como a perspectiva cristãilumina de um modo completamente
novo os principais problemas da história. A nova evangelização pede-nos para lidar
com estes cenários não permanecendo fechados no recinto das nossas comunidades e das
nossas instituições mas, a partir de dentro, aceitar o desafio de entrar em tais fenómenos,
para lhes levar a palavra e o nosso testemunho. Esta éa forma que a martyria
cristã assume hoje no mundo, aceitando o confronto também com aquelas recentes formas
de ateísmo agressivo ou de extremo secularismo, cujo objectivo éo eclipse da questão
de Deus na vida humana. Neste contexto, “nova evangelização” significa para a Igreja
apoiar convictamente o esforço de ver todos os cristãos unidos no mostrar ao mundo
a força profética e transformadora da mensagem evangélica. A justiça, a paz, a convivência
entre os povos, a salvaguarda da criação são as palavras que marcaram o caminho ecuménico
das últimas décadas. Os cristãos, todos juntos, oferecem-se ao mundo, como lugar onde
fazer emergir a questão de Deus na vida das pessoas. Na verdade, estas palavras adquirem
o seu sentido mais autêntico apenas àluz e no contexto da palavra de amor que Deus
teve para connosco em Seu Filho Jesus Cristo. 8. “Nova Evangelização” e demanda
de espiritualidade Este esforço por trazer a questão de Deus para dentro
dos problemas do homem de hoje, intercepta o retorno da necessidade religiosa e a
procura da espiritualidade que a partir das novas gerações emerge com renovado vigor.
As mudanças de cenário que analisamos atéeste ponto não podiam não exercer influencia
também sobre o modo como os homens deram voz e corpo ao seu sentido religioso. A própria
Igreja Católica éafectada por este fenómeno, que oferece recursos e oportunidades
de evangelização inesperadas háalgumas décadas. Os grandes encontros mundiais da juventude,
as peregrinações aos lugares de culto antigos e modernos, a primavera dos movimentos
e dos grupos eclesiais são o sinal visível de um sentimento religioso que não se apagou.
A “nova evangelização”, neste contexto, exorta a Igreja a saber discernir os sinais
do Espírito na acção, dirigindo e educando as suas expressões, em vista de uma féadulta
e consciente «atéchegar àmedida da plenitude de Cristo» (Ef. 4, 13)2.
Além dos grupos recentemente nascidos, fruto promissor do Espírito Santo, uma grande
tarefa na nova evangelização diz respeito àvida consagrada nas suas antigas e novas
formas. Recordemos que nos dois mil anos de cristianismo todos os grandes movimentos
de evangelização estiveram ligados a formas de radicalismo evangélico. Neste contexto,
insere-se o encontro e o diálogo com as grandes tradições religiosas, especialmente
as orientais, que a Igreja aprendeu a viver nas últimas décadas, e continua a intensificar.
Este encontro apresenta-se como uma óptima ocasião para conhecer e comparar a forma
e as linguagens da questão religiosa tal como se apresenta nas outras experiências
religiosas. Isso permite ao catolicismo de compreender com maior profundidade as formas
com as quais a fécristãescuta e assume a questão religiosa de cada homem. 9. Novas
formas de ser Igreja Estas novas condições da missão fazem-nos supor que
o termo “nova evangelização” indica, finalmente, a necessidade de identificar novas
expressões de evangelização para ser Igreja dentro dos contextos sociais e culturais
actuais assim em mutação. As figuras tradicionais e consolidadas - que convencionalmente
são indicados com os termos “países da cristandade” e “terras de missão” - para além
da sua clareza conceptual mostram játambém as suas limitações. São demasiado simples
e referem-se a um contexto em vias de ser superado, para poderem funcionar como modelos
para a construção de comunidades cristãs de hoje. Épreciso que a prática cristãguie
a reflexão num progressivo trabalho de construção dum novo modelo de ser Igreja, que
evite as armadilhas do sectarismo e da “religião civil” e permita, num contexto pós
ideológico como o do presente, continuar a manter a forma de uma Igreja missionária.
Por outras palavras, a Igreja precisa, na sua variedade de formas, de não perder o
rosto de Igreja “doméstica, popular”. Mesmo em contextos de minoria ou de discriminação,
a Igreja não pode perder a sua capacidade de estar perto da vida das pessoas, para
a partir daíanunciar a mensagem vivificante do Evangelho. Como afirmava o Papa João
Paulo II, “nova evangelização” significa refazer o tecido cristão da sociedade humana,
refazendo o tecido das próprias comunidades cristãs;2ou seja ajudar
a Igreja a continuar a estar presente «nas casas dos seus filhos e das suas filhas»2,
para animar as suas vidas e encaminhá-las para o Reino que estápara vir. Neste
trabalho de discernimento podem ser de grande ajuda as Igrejas Orientais Católicas
e todas as comunidades cristãs que no seu passado recente viveram ou estão a viver
a experiência da clandestinidade, da perseguição, da exclusão, de serem vitimas da
intolerância de natureza étnica, ideológica e religiosa. O seu testemunho de fé, a
sua tenacidade, a sua capacidade de resistência, a força da sua esperança, a intuição
de algumas das suas práticas pastorais são uma dádiva a ser partilhada aquelas comunidades
cristãs que, embora tenham um passado glorioso às suas costas, vivem um presente feito
de fadiga e dispersão. Para as Igrejas pouco habituadas a viver a sua fénuma situação
de minoria écertamente um dom poder ouvir experiências que lhes incutam aquela confiança
indispensável para se lançarem em frente, exigida pela nova evangelização. É tempo
de nova evangelização também para o Ocidente, onde muitos que receberam o baptismo
vivem completamente fora da vida cristã e sempre mais pessoas conservam ainda certamente
alguma coisa daquela ligação àfémas conhecem jápouco e mal os seus fundamentos. Frequentes
vezes a apresentação da fé cristã é distorcida por caricaturas e estereótipos que
a cultura difunde, numa atitude de indiferença, quando não de clara oposição. É hora
de nova evangelização para aquele ocidente no qual «países inteiros e nações, onde
a religião e a vida cristãforam em tempos tão prósperas e capazes de dar origem a
comunidades de féviva e operosa, encontram-se hoje sujeitos a dura prova, e, por vezes,
são atéradicalmente transformados pela contínua difusão do indiferentismo, do secularismo
e do ateísmo. É o caso, em especial, dos países e das nações do chamado Primeiro Mundo,
onde o bem-estar económico e o consumismo, embora misturada tantas vezes com situações
tremendas de pobreza e de miséria, inspiram e permitem viver “como se Deus não existisse”».3 As
comunidades cristãs devem ser capazes de assumir com responsabilidade e coragem esta
demanda de renovação que a mudança do contexto cultural e social coloca àIgreja. Elas
devem aprender a viver e a lidar com esta longa transição de figura, mantendo como
ponto de referência, como estrela polar de orientação, o mandamento de evangelizar. 10.Primeira evangelização, cura pastoral, nova evangelização A tarefa
missionária, com a qual se conclui o Evangelho (cf. Mc. 16, 15s; Mt. 28,19s; Lc. 24,48s)
estálonge de estar concluída; entrou numa nova fase. O Papa João Paulo II recordava
jáque « os confins entre o cuidado pastoral dos fieis, a nova evangelização e a actividade
missionária específica não são facilmente identificáveis, e não se deve pensar em
criar entre esses âmbitos barreiras ou compartimentos estanques. [...] As Igrejas
de antiga tradição cristã, por exemplo, preocupadas com a dramática tarefa da nova
evangelização, estão mais conscientes de que não podem ser missionárias dos não cristãos
de outros países e continentes, se não se preocuparem seriamente com os não cristãos
da própria casa: a actividade missionária ad intra é sinal de autenticidade
e de estímulo para realizar a outra ad extra, e vice-versa».3 O
cristão e a Igreja ou são missionários ou não são nada. Quem ama a sua fépreocupa-se
também em dar testemunho dela e levá-la aos outros permitindo que possam participar
dela. A falta de zelo missionário é falta de zelo pela fé. Pelo contrário, a fé fortalece-se
com a sua transmissão. O texto do Papa parece querer traduzir o conceito de nova evangelização
numa pergunta crítica e muito directa: estamos interessados em transmitir a fée a
ganhar para ela os não cristãos? Levamos verdadeiramente a peito a missão? A nova
evangelização éo nome dado a esta nova atenção da Igreja àsua missão fundamental,
à sua identidade e razão de ser. Por isso, é uma realidade que não diz respeito apenas
a algumas regiões bem definidas, mas éa estrada que permite explicar e pôr em prática
a herança apostólica no nosso e para o nosso tempo. Com o programa da nova evangelização
a Igreja pretende introduzir no mundo de hoje e na actual discussão a sua temática
mais original e específica: a proclamação do Reino de Deus, iniciado em Jesus Cristo.
Não hásituação eclesial que se possa sentir excluída de tal programa: as antigas Igrejas
cristãs, com o problema do prático abandono da fépor parte de tantos e as novas Igrejas,
empenhadas nos percursos de inculturação que requerem contínuas verificações para
conseguir não apenas introduzir o Evangelho, que purifica e eleva essas culturas,
mas sobretudo para as abrir à novidade do Evangelho; de um modo mais geral, tal programa
diz respeito a todas as comunidades cristãs envolvidas no exercício de uma cura pastoral
que parece cada vez mais difícil de gerir e corre o risco de se transformar numa routine
pouco capaz de comunicar as razões para as quais nasceu. Nova Evangelização é,
então, sinónimo de missão; pede capacidade de recomeçar, de ir além, de ampliar os
horizontes. A nova evangelização é o contrário da auto suficiência e de fechamento
em si mesmo, da mentalidade do status quo e de uma visão pastoral que considera
suficiente continuar a fazer como sempre se fez. Hoje, o “business as usual”
jánão basta. Como algumas Igrejas locais se empenharam em afirmar, éhora de a Igreja
chamar as comunidades cristãs a uma conversão pastoral no sentido missionário da acção
das suas estruturas3. Perguntas As nossas comunidades
cristãs enfrentam períodos de fortes mudanças nas suas figuras eclesiais e sociais. 1.
Quais são as principais características desta mudança nas nossas Igrejas locais? 2.
Como são vividos os traços de uma Igreja missionária, de uma Igreja capaz de estar
no meio do povo, de uma Igreja «entre as casas de seus filhos e de suas filhas»? 3.
Em que modo a nova evangelização soube restaurar a vida e o vigor da primeira evangelização
ou da cura pastoral jáem acção? Como ajudou a vencer o cansaço e as dificuldades que
surgem no quotidiano das nossas Igrejas locais? 4. Que perspectivas, que leituras
da actual situação das diversas Igrejas locais foram feitas àluz da nova evangelização? O
mundo estápassando por mudanças profundas, que geram novos cenários e novos desafios
para o cristianismo. Seis casos foram apresentados: um cenário cultural (a secularização),
um social (a mistura dos povos), um mediático, um económico, um científico e um político.
Propositadamente estes cenários foram descritos de modo genérico e uniforme. 5.
Que figura específica assumiram no contexto das diversas Igrejas locais? 6. Como
éque esses cenários interagiram com a vida das Igrejas locais? Como influenciaram
as suas vidas? 7. Que questões e que desafios colocaram? Que respostas foram dadas? 8.
Quais foram os principais obstáculos e as dificuldades maiores no colocar a questão
de Deus dentro das questões do tempo? Quais as experiências que obtiveram maior sucesso? Ao
cenário religioso foi dado especial atenção. 9. Que transformações estáconhecendo
o modo de vida das pessoas na experiência religiosa? 10. Que novas questões de
espiritualidade, que novas necessidades religiosas estão emergindo? Hátradições religiosas
novas que se vão afirmando? 11. Como éque as comunidades cristãs têm sido afectadas
pela evolução do cenário religioso? Quais são as principais dificuldades? Quais as
novas oportunidades? A nova evangelização éa transformação que a Igreja pode imaginar
para continuar a viver a própria missão de anúncio dentro destes novos cenários. 12.
Que forma assumiu a nova evangelização nas Igrejas locais? 13. Que conteúdo, que
forma tomou a audácia que écaracterística da nova evangelização? Que energias soube
incutir àvida eclesial e pastoral? 14. Para designar quais acções e quais as dimensões
da vida e acção da Igreja? 15. Como éque as Igrejas locais conseguiram assumir
e fazer próprio o pedido do Papa João Paulo II, várias vezes repetido, de fazer uma
autêntica «nova evangelização: nova no seu ardor, nos seus métodos, nas suas expressões»? 16.
Como éque a celebração das Assembleias sinodais continentais ou regionais ajudaram
as comunidades cristãs a elaborar um programa de nova evangelização? SEGUNDO
CAPÍTULO Proclamar o Evangelho de Jesus Cristo «Ide por todo o
mundo e proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc. 16, 15)11.
Objectivo da transmissão da fé: o encontro e a comunhão com Cristo O
mandato missionário que os discípulos receberam do Senhor (cf. Mc. 16, 15)
contém uma referência explícita àproclamação e ao ensinamento do Evangelho («ensinando-os
a obedecer a tudo o que vos ordenei» Mt. 28, 20). O apóstolo Paulo apresenta-se como
«apóstolo [...] escolhido para anunciar o Evangelho de Deus» (Rm. 1, 1). A
missão da Igreja é, assim, realizar a traditioEvangelii, o anúncio
e a transmissão do Evangelho, que é«poder de Deus para a salvação de todo aquele que
crê» (Rm. 1, 16) e que, em última análise, se identifica com Jesus Cristo (cf.
1 Cor. 1, 24).3 Falando do Evangelho, não devemos pensar apenas
a um livro ou a uma doutrina; o Evangelho émuito mais do que isso: éuma Palavra viva
e eficaz, que realiza o que afirma. Não éum sistema de artigos de fée de preceitos
morais, e ainda menos um programa político, mas uma pessoa: Jesus Cristo, Palavra
definitiva de Deus, feito homem3. O Evangelho éEvangelho de Jesus Cristo:
não tem somente como conteúdo Jesus Cristo. Jesus é, através do Espírito Santo, muito
mais, éo promotor e o tema principal da sua mensagem, da sua transmissão. O objectivo
da transmissão da féé, portanto, a realização deste encontro com Jesus Cristo, no
Espírito, para chegar a fazer a experiência do Seu e do nosso Pai3. Transmitir
a fé significa criar em cada lugar e em cada tempo as condições para que o encontro
entre os homens e Jesus Cristo aconteça. A fé, como encontro com a pessoa de Cristo,
tem a forma da relação com Ele, da memória d’Ele (na Eucaristia) e do formar em nós
a mentalidade de Cristo, na graça do Espírito. Como reafirmou o Papa Bento XVI, «ao
início do ser cristão, não háuma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro
com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma,
o rumo decisivo. [...] Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo 4,
10), agora o amor jánão éapenas um «mandamento», mas éa resposta ao dom do amor com
que Deus vem ao nosso encontro»3. A própria Igreja toma forma a partir
da realização desta tarefa de anunciar o Evangelho e da transmissão da fé cristã. O
resultado que se espera deste encontro é o de inserir os homens na relação do Filho
com o Pai para sentir a força do Espírito. O fim da transmissão da fé, a finalidade
da evangelização, é a de levar «por Cristo ao Pai no Espírito» (Ef. 2, 18)3;
éesta a experiência da novidade do Deus cristão. Nesta perspectiva, transmitir a féem
Cristo significa criar as condições para uma fépensada, celebrada, vivida e anunciada:
isto significa inserir na vida da Igreja3. Esta é uma estrutura de transmissão
profundamente enraizada na tradição eclesial. A essa faz referência o Catecismo da
Igreja Católica, bem como o Compêndio do Catecismo, que a assume para a apoiar, a
declinar e a relançar3. 12.A Igreja transmite a fé que
vive A transmissão da fé é, portanto, uma dinâmica muito complexa que implica
totalmente a fé dos cristãos e a vida da Igreja. Ninguém pode transmitir aquilo em
que não acredita e que não vive. O sinal de uma fé bem arraigada e madura é, precisamente,
o modo natural com que é transmitida aos outros. «Ele chamou os que queria [...] para
que ficassem com ele e os enviar a pregar» (Mc. 3, 13-14). Não se pode transmitir
o Evangelho se na base não houver um “estar” com Jesus, um viver com Jesus, no Espírito,
a experiência do Pai; e, do mesmo modo, a experiência do “estar” impele ao anúncio,
à proclamação, à partilha do que foi vivido, experimentando-o como bom, positivo e
belo. Uma tarefa semelhante de anúncio e de proclamação não estáreservada apenas
a alguns, a uma elite. É um dom feito a todas as pessoas que respondem com confiança
ao apelo da fé. A transmissão da fé não é uma acção para especialistas, a ser contratada
a algum grupo ou a alguém especialmente dotado. É a experiência de cada cristão e
de toda a Igreja, que nesta acção redescobre continuamente a sua identidade de povo
reunido pelo chamamento do Espírito, que nos reúne da dispersão do nosso dia a dia
para viver a presença entre nós de Cristo, e descobrir, assim, o verdadeiro rosto
de Deus, que énosso Pai. «Os fiéis leigos, por força da sua participação no múnus
profético de Cristo, estão plenamente envolvidos nessa tarefa da Igreja. Pertence-lhes,
em particular, dar testemunho de como a fé cristã, mais ou menos conscientemente ouvida
e invocada por todos, seja a única resposta plenamente válida para os problemas e
as esperanças que a vida põe a cada homem e a cada sociedade. Será isso possível,
se os fiéis leigos souberem ultrapassar em si mesmos a ruptura entre o Evangelho e
a vida, refazendo na sua quotidiana actividade em família, no trabalho e na sociedade,
a unidade de uma vida que no Evangelho encontra inspiração e força para se realizar
em plenitude»4. Acção fundamental da Igreja, a transmissão da féestrutura
o rosto e as acções das comunidades cristãs4. Para anunciar e difundir
o Evangelho é preciso que a Igreja edifique comunidades cristãs capazes de articular
com precisão as obras fundamentais da vida de fé: caridade, testemunho, anúncio, celebração,
escuta, partilha. É preciso conceber a evangelização como o processo através do qual
a Igreja, animada pelo Espírito, anuncia e difunde o Evangelho em todo o mundo, seguindo
uma lógica que a reflexão do Magistério sintetizou deste modo: «guiada pelo amor,
permeia e transforma toda a ordem temporal, assumindo e renovando as culturas. Dá
testemunho entre os povos do novo modo de ser e de viver que caracteriza os cristãos.
Proclama explicitamente o Evangelho, mediante o primeiro anúncio, chamando àconversão.
Inicia à fé cristã e à vida cristã, através da catequese e dos sacramentos da iniciação,
os que se convertem a Jesus Cristo, ou os que empreendem o caminho do Seu seguimento,
incorporando-os e reconduzindo-os à comunidade cristã. Alimenta constantemente o dom
da comunhão entre os fiéis através da educação permanente da fé (homilia, ministério
da Palavra), dos sacramentos e do exercício da caridade. Suscita continuamente a missão,
enviando todos os discípulos de Cristo a anunciar o Evangelho, com palavras e obras,
em todo o mundo»4. 13.Palavra de Deus e transmissão
da fé Com a celebração do Concílio Vaticano II a Igreja Católica redescobriu
que esta transmissão da fé, entendida como encontro com Cristo, realiza-se mediante
a Sagrada Escritura e a Tradição viva da Igreja, sob a orientação do Espírito Santo4.
É assim que a Igreja constantemente se regenera pelo Espírito. Deste modo as novas
gerações são apoiadas no seu caminho de encontro com Cristo no seu corpo, que encontra
a sua plena expressão na celebração da Eucaristia. A centralidade desta função de
transmissão da féfoi revisitada e evidenciada nas últimas duas Assembleias do Sínodo
sobre a Eucaristia e, em particular, naquele dedicado àPalavra de Deus na vida e na
missão da Igreja. Nestas duas Assembleias, a Igreja foi convidada a reflectir e a
recuperar a plena consciência da dinâmica profunda que sustenta a sua identidade:
a Igreja transmite a fé que ela mesma vive, celebra, professa e testemunha4. Semelhante
tomada de consciência conferiu à Igreja empenhos concretos e desafios com os quais
medir esta sua missão de transmissão. É preciso amadurecer no povo de Deus uma maior
consciência do papel da Palavra de Deus, do seu poder revelador e manifestante da
intenção que Deus tem para com o homem, do seu desígnio de salvação4. Urge
um maior cuidado com a proclamação da Palavra de Deus nas assembleias litúrgicas e
uma dedicação mais convicta à tarefa da pregação4. É preciso uma atenção
mais consciente e uma confiança mais firme no papel que a Palavra de Deus pode realizar
na missão da Igreja, seja no momento específico do anúncio da mensagem da salvação,
seja na posição mais reflexiva de escuta e de diálogo com as culturas4. Os
Padres sinodais reservaram uma atenção particular ao anúncio da Palavra às novas gerações.
«Muitas vezes encontramos nos jovens uma abertura espontânea à escuta da Palavra de
Deus e um desejo sincero de conhecer Jesus. Nos jovens muitas vezes encontramos
uma abertura espontânea para a escuta da Palavra de Deus e um sincero desejo de
conhecer Jesus. [...] Esta solicitude pelo mundo juvenil implica a coragem de
um anúncio claro; devemos ajudar os jovens a ganharem confidência e familiaridade
com a Sagrada Escritura, para que seja como uma bússola que indica a estrada a seguir.
Para isso, precisam de testemunhas e mestres, que caminhem com eles e os orientem
para amarem e por sua vez comunicarem o Evangelho sobretudo aos da sua idade, tornando-se
eles mesmos arautos autênticos e credíveis»4. Do mesmo modo, os Padres
sinodais apelaram também às comunidades cristãs para que «abram itinerários de iniciação
cristãos quais, através da escuta da Palavra, da celebração da Eucaristia e do amor
fraterno vivido na comunidade, possam dar início a uma fécada vez mais adulta. A nova
demanda decorrente da mobilidade e do fenómeno da emigração, que abre novas perspectivas
àevangelização, deve ser considerada porque os imigrantes não sótêm necessidade de
ser evangelizados, como podem também eles serem agentes de evangelização»4. Com
as suas notas, a reflexão da Assembleia sinodal chamou as comunidades cristãs a examinarem
atéque ponto o anúncio da Palavra estána base da missão de transmitir a fé: «Por isso,
énecessário descobrir cada vez mais a urgência e a beleza de anunciar a Palavra para
a vinda do Reino de Deus, que o próprio Cristo pregou. [...] Todos nos damos conta
de quão necessário éque a luz de Cristo ilumine cada âmbito da humanidade: a família,
a escola, a cultura, o trabalho, o tempo livre e os outros sectores da vida social.
Não se trata de anunciar uma palavra anestesiante, mas desinstaladora, que chama àconversão,
que torna acessível o encontro com Ele, através do qual floresce uma humanidade nova»5. 14.A pedagogia da fé A transmissão da fé não se faz sócom palavras mas
exige um relacionamento com Deus através da oração e da própria fé em acção. E nesta
educação para a oração é crucial a liturgia, com o seu papel pedagógico, no qual o
sujeito que educa é o próprio Deus e o verdadeiro mestre da oração é o Espírito Santo. A
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos dedicada àcatequese tinha reconhecido
como dom do Espírito – para além do florescimento, em número e dedicação, dos catequistas
– a maturidade registada nos métodos que a Igreja soube desenvolver para implementar
a transmissão da fé e permitir aos homens viver o encontro com Cristo5.
São métodos de experiência que envolvem a pessoa humana. Métodos plurais, que activam
de modo diferenciado as faculdades do indivíduo, a sua inserção num grupo social,
as suas atitudes, as suas dúvidas e procuras. Esses métodos assumem como próprio instrumento
a inculturação5. Para evitar o risco de dispersão e de confusão inerente
a uma situação assim tão diversificada e em constante evolução, o Papa João Paulo
II recolheu por aquela ocasião um exemplo dos Padres sinodais e fez dele uma regra:
a pluralidade dos métodos na catequese pode ser um sinal de vitalidade e de genialidade,
se cada um destes métodos souber interiorizar e fazer sua uma lei fundamental que
é aquela da dupla fidelidade, a Deus e ao homem, numa mesma atitude de amor5. Ao
mesmo tempo, o Sínodo sobre a catequese tinha como grande preocupação o de não perder
os benefícios e os valores recebidos de um passado marcado pela preocupação de garantir
uma transmissão sistemática da fé, integral, orgânica e hierárquica5. Por
esse motivo, o Sínodo relançou dois instrumentos fundamentais para a transmissão da
fé: a catequese e o catecumenado. Graças a eles, a Igreja transmite a fé de forma
activa, semeando-a nos corações dos catecúmenos e dos que frequentam a catequese para
fecundar as suas experiências mais profundas. A profissão de fé recebida pela Igreja
(traditio), germinando e crescendo durante o processo catequético, é restituída
(redditio), enriquecida, com os valores das diferentes culturas. O catecumenado
transforma-se, assim, num importante centro de incremento da catolicidade e fermento
de renovação eclesial.5 A revitalização destes dois instrumentos - o
catecumenado e a catequese - destinava-se a incorporar aquela que foi designada como
“pedagogia da fé”.5 A este termo éconfiada a função de ampliar o conceito
de catequese, estendendo-o àquele de transmissão da fé. A partir do Sínodo sobre a
catequese, esta não éoutra coisa que o processo de transmissão do Evangelho, assim
como a comunidade cristão recebeu, o compreende, o celebra, o vive e o comunica5.
«A catequese de iniciação, sendo orgânica e sistemática, não se reduz ao meramente
circunstancial ou ocasional; sendo formação para a vida cristã, supera – incluindo-o
– o mero ensino; e sendo essencial, visa àquilo que é«comum» para o cristão, sem entrar
em questões disputadas, nem transformar-se em pesquisa teológica. Enfim, sendo iniciação,
incorpora na comunidade que vive, celebra e testemunha a fé. Realiza, portanto, ao
mesmo tempo, tarefas de iniciação, de educação e de instrução. Esta riqueza, inerente
ao Catecumenado dos adultos não batizados, deve inspirar as demais formas de catequese»5. O
catecumenado é entregue a nós, então, como o modelo que a Igreja recentemente assumiu
para moldar os seus processos de transmissão da fé. Relançado pelo Concílio Vaticano
II5, o catecumenado foi integrado em tantos projectos de reorganização
e revitalização da catequese, como modelo paradigmático de estruturação desta tarefa
de evangelização. Assim, o Directório Geral para a Catequese sintetiza esses elementos
básicos, sugerindo as razões pelas quais tantas Igrejas locais se inspiraram neste
paradigma para reorganizar as suas práticas de anúncio e de preparação para a fé,
dando mesmo origem a um novo modelo, o «catecumenado pós baptismal»6, que
recorda constantemente à Igreja a missão da iniciação à fé. Chama à responsabilidade
toda a comunidade cristã. Coloca no centro de todo o percurso o mistério da Páscoa
de Cristo. Faz da inculturação o princípio do próprio funcionamento pedagógico; é
concebido como um verdadeiro e real processo formativo6. 15.As Igrejas locais como agentes da transmissão O sujeito da transmissão
da féétoda a Igreja e manifesta-se nas Igrejas locais. O anúncio, a transmissão e
a experiência viva do Evangelho realizam-se nelas. Mas não apenas isso; as próprias
Igrejas locais, além de sujeitos, são também o resultado dessa acção de anúncio do
Evangelho e da transmissão da fé, como nos recorda a experiência das primeiras comunidades
cristãs (cf. Act. 2, 42-47): o Espírito reúne os crentes em torno das comunidades
que vivem fervorosamente a sua fé, alimentando-se da escuta da palavra dos Apóstolos
e da Eucaristia, gastando as suas vidas na proclamação do Reino de Deus. O Concílio
Vaticano II fixa essa descrição como fundamento da identidade de cada comunidade cristã,
quando afirma que «esta Igreja de Cristo estáverdadeiramente presente em todas as
legítimas comunidades locais de fiéis, as quais aderindo aos seus pastores, são elas
mesmas chamadas igrejas no Novo Testamento. Pois elas são, no local em que se encontram,
o novo Povo chamado por Deus, no Espírito Santo e com plena segurança (cf. 1 Tess.
1, 5). Nelas se congregam os fiéis pela pregação do Evangelho de Cristo e se celebra
o mistério da Ceia do Senhor “para que o corpo da inteira fraternidade seja unido
por meio da carne e sangue do Senhor”».6 A vida concreta das nossas
Igrejas têm tido a sorte de ver, no campo da transmissão da fé e, mais geralmente,
no campo do anúncio, uma realização concreta e, muitas vezes, exemplar desta afirmação
do Concílio. O número de cristãos que nas últimas décadas se entregou de modo espontâneo
e gratuito ao anúncio e à transmissão da fééverdadeiramente notável e marcou a vida
das nossas Igrejas locais como um verdadeiro dom do Espírito dado às nossas comunidades
cristãs. As acções pastorais relacionadas com a transmissão da fétornaram-se um lugar
que permitiu à Igreja estruturar-se em diferentes contextos sociais locais demonstrando
a riqueza e a variedade dos cargos e dos ministérios que a compõem e que animam a
vida do dia a dia. Em redor do Bispo assistiu-se ao florescimento do papel dos padres,
dos pais, dos religiosos, dos catequistas, das comunidades, cada um com a sua própria
missão e a sua própria competência6. Junto a estes dons e aspectos positivos
é preciso, no entanto, registar os desafios que a novidade da situação e as mudanças
que o caracterizam colocam a várias Igrejas locais: a escassez da presença numérica
dos presbíteros torna o resultado das suas acções menos eficaz do que se gostaria;
o cansaço e o desgaste vivido por tantas famílias enfraquece o papel dos pais; o nível
demasiado débil de partilha torna a influência da comunidade cristãevanescente. O
risco éque o peso de uma acção assim tão importante e fundamental recaia apenas nos
catequistas, játão sobrecarregados pelo peso do trabalho que lhes foi confiado e pela
solidão com que se entregam a ele. Como já foi mencionado no primeiro ponto, o
clima cultural e a situação de cansaço em que se encontram várias comunidades cristãs
corre o risco de enfraquecer a capacidade de anúncio, de transmissão e de educação
para a fédas nossas Igrejas locais. A pergunta do apóstolo Paulo - «como acreditarão
[...] se ninguém o anuncia? »(Rm. 10, 14) – soa aos nossos ouvidos hoje como
muito real. Em tal situação, devem ser reconhecidos como um dom do Espírito a frescura
e a energia que a presença dos grupos e movimentos conseguiram incutir na tarefa de
transmitir a fé. Ao mesmo tempo, somos chamados a trabalhar para que estes frutos
possam contagiar e comunicar o seu entusiasmo àquelas formas de catequese e de transmissão
da féque perderam o ardor inicial. 16.Apresentar razões: o estilo
da proclamação O contexto no qual nos encontramos pede às Igrejas locais,
assim, um novo impulso, um novo acto de fé no Espírito que a conduz, para que possam
assumir novamente, com alegria e entusiasmo, a tarefa fundamental pela qual Jesus
enviou os seus discípulos: o anúncio da Evangelho (cf. Mc. 16, 15), a pregação
do Reino (cf. Mc. 3, 15). É importante que cada cristão se sinta interpelado
por este mandamento de Jesus, se deixe guiar pelo Espírito a dar-lhe a resposta, segundo
a sua própria vocação. Num momento em que a escolha da fée do seguimento de Cristo
é menos fácil e pouco compreensível, e até por vezes contrastada e combatida, aumenta
a responsabilidade da comunidade e dos cristãos de serem testemunhas e arautos do
Evangelho, como o fez Jesus Cristo. A lógica de tal comportamento é-nos sugerida
pelo apóstolo Pedro quando nos convida àapologia, a apresentar razões, a «responder
a quem perguntar da razão da esperança que existe em vós» (1 Pd. 3, 15). Uma
nova temporada para o testemunho da nossa fé, uma nova forma de resposta (apo-logia)
a quem nos pede o logos, a razão, da nossa fésão as vias que o Espírito indica
às nossas comunidades cristãs: para nos renovar, para tornar presente no nosso mundo,
com maior vigor, a esperança e a salvação que nos foi dada por Jesus Cristo. Trata-se
de aprender, como cristãos, um novo estilo, de responder «com cortesia e respeito,
com a consciência limpa» (1 Pd. 3, 16), com aquele vigor suave que vem da união
com Cristo no Espírito e com aquela determinação de quem sabe ter como meta o encontro
com Deus Pai, no seu Reino6. Esse estilo deve ser um estilo global,
que abarca os pensamentos e as acções, os comportamentos pessoais e o testemunho público,
a vida interna das nossas comunidades e o seu ardor missionário, a sua atenção à educação
e à sua dedicação generosa para com os pobres, a capacidade de cada cristão de falar
nos vários contextos em que vive e trabalha para comunicar o dom da esperança cristã.
Este estilo deve fazer seu o zelo, a confiança e a liberdade de expressão (a parresia)
que se manifestavam na pregação dos Apóstolos (cf. Act. 4, 31; 9, 27-28) e
que o rei Agripa experimentou ao escutar Paulo: «Um pouco mais e quase me convencem
a tornar-me um cristão! » (Act. 26, 28). Numa altura em que tantas pessoas
vivem a sua vida como uma experiência real do «deserto da escuridão de Deus, do vazio
das almas sem mais consciência da dignidade e do caminho do homem», o Papa Bento XVI
recorda-nos que «a Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela, como Cristo, devem
pôr-se a caminho, para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da vida, da
amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dáa vida, a vida em plenitude»6. Este
éo estilo que o mundo tem direito a encontrar na Igreja, nas comunidades cristãs,
segundo a lógica da nossa fé6. Um estilo comunitário e pessoal; um estilo
que chama a um exame as comunidades no seu conjunto, mas também cada um dos baptizados,
como nos recorda o Papa Paulo VI: «ao lado da proclamação geral para todos do Evangelho,
uma outra forma da sua transmissão, de pessoa a pessoa, continua a ser válida e importante.
[...] Importaria, pois, que a urgência de anunciar a Boa Nova às multidões de homens,
nunca fizesse esquecer esta forma de anúncio, pela qual a consciência pessoal de um
homem éatingida, tocada por uma palavra realmente extraordinária que ele recebe de
outro»6. 17.Os frutos da transmissão da fé A
finalidade de todo o processo de transmissão da fééa edificação da Igreja como comunidade
de testemunhas do Evangelho. O Papa Paulo VI afirma: «Comunidade de crentes, comunidade
de esperança vivida e comunicada, comunidade de amor fraterno, ela tem necessidade
de ouvir sem cessar aquilo que ela deve acreditar, as razões da sua esperança e o
mandamento novo do amor. Povo de Deus imerso no mundo, e não raro tentado pelos
ídolos, ela precisa de ouvir, incessantemente, proclamar as grandes obras de Deus,
que a converteram para o Senhor; precisa sempre ser convocada e reunida de novo por
ele. Numa palavra, éo mesmo que dizer que ela tem sempre necessidade de ser evangelizada,
se quiser conservar frescor, alento e força para anunciar o Evangelho»6. Os
frutos que este processo contínuo de evangelização gera para a Igreja, como sinal
da força vivificante do Evangelho, formam-se no confronto com os desafios do nosso
tempo. Precisamos gerar famílias que sejam um sinal real e verdadeiro do amor e da
partilha, capazes de se abrirem àesperança, porque abertas àvida; épreciso ter a força
de construir comunidades dotadas de um verdadeiro espírito ecuménico e capazes de
diálogo com outras religiões; urge a coragem de apoiar iniciativas de justiça social
e de solidariedade, que coloquem no centro das atenções da Igreja os pobres; espera-se
alegria no dar a própria vida num projecto vocacional ou de consagração. Uma Igreja
que transmite a sua fé, uma Igreja da “nova evangelização” é capaz, em todos estes
âmbitos, de mostrar o Espírito que a guia e que transfigura a história: a história
da Igreja, dos cristãos, dos homens e das suas culturas. Faz parte desta lógica
de reconhecimento dos frutos também a coragem de denunciar as infidelidades e os escândalos
emergentes nas comunidades cristãs, como sinal e consequência de momentos de fadiga
e de cansaço neste âmbito do anúncio. A coragem de reconhecer as culpas; a capacidade
de continuar a testemunhar Jesus Cristo, enquanto contamos a nossa contínua necessidade
de salvação, sabendo que - como nos ensina o Apóstolo Paulo - podemos olhar para as
nossas fraquezas porque éassim que reconheceremos o poder de Cristo que nos salva
(cf. 2 Cor. 12, 9; Rm. 7,14 s); o exercício da penitência, o empenho
em formas de purificação e a vontade de reparar as consequências de nossos erros;
uma forte confiança de que a esperança que nos foi dada «não decepciona, porque o
amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado»
(Rm. 5, 5) são também esses frutos de uma transmissão da fé, de uma proclamação
do Evangelho que, em primeiro lugar, nunca deixa de renovar os cristãos, as suas comunidades,
enquanto leva ao mundo o Evangelho de Jesus Cristo. Perguntas Fazer
a experiência de Cristo éo objectivo da transmissão da fé, que deve ser partilhada
com os que estão perto e os que estão longe. Essa incentiva-nos àmissão. 1. De
que modo as nossas comunidades cristãs são capazes de oferecer lugares eclesiais que
sejam instrumentos de experiência espiritual? 2. De que modo os nossos caminhos
de féalcançam a adesão intelectual àverdade cristã, e como conseguem fazer viver experiências
reais de encontro e de comunhão, de “habitação” no mistério de Cristo? 3. Em que
modo as várias Igrejas encontraram soluções e respostas para a questão da experiência
espiritual que atravessa também as jovens gerações de hoje? A Palavra e a Eucaristia
são os principais veículos, a melhor maneira, de viver a fécristãcomo uma experiência
espiritual. 4. Em que modo as duas precedentes Assembleias sinodais ajudaram as
comunidades cristãs a aumentar a qualidade da escuta da Palavra nas nossas Igrejas?
De que forma contribuiu para aumentar a qualidade das nossas celebrações eucarísticas? 5.
Quais foram os elementos com melhor recepção? Que reflexões e sugestões estão ainda
àespera de ser acolhidas? 6. Em que medida os grupos de escuta e de partilha da
Palavra de Deus se estão a tornar um instrumento comum de vida cristãpara as nossas
comunidades? Em que modo as nossas comunidades expressam a centralidade da Eucaristia
(celebrada, adorada) e, partindo dela, estruturam as suas acções e as suas vidas? Depois
de décadas de forte efervescência, o campo da catequese estádando sinais de fadiga
e cansaço, antes de mais a nível dos sujeitos chamados a apoiar e animar esta actividade
eclesial. 7. Qual éa experiência concreta das nossas Igrejas? 8. Como se procurou
reconhecer e dar firmeza, nas comunidades cristãs, àfigura do catequista? Como se
tentou concretizar e dar eficácia ao reconhecimento de um papel activo também a outros
agentes na tarefa de transmitir a fé(pais, padrinhos, da comunidade cristã)? 9.
Que iniciativas foram concebidas para apoiar os pais, para os incentivar a um trabalho
(a transmissão e, conseuentemente, a transmissão da fé) que a cultura cada vez menos
lhes reconhece como tendo sido atribuída a eles ? Nas últimas décadas, respondendo
também a um pedido do Concílio Vaticano II, várias Conferências Episcopais empenharam-se
em projectos de reprogramação dos percursos e dos textos de catequese. 10. Qual
éa situação destes projectos? 11. Que benefícios produziram no processo de transmissão
da fé? Com que dificuldades e obstáculos se debateram? 12. Que instrumentos proporcionou
a publicação do Catecismo da Igreja Católica neste percurso de reprogramação? 13.
Como éque cada uma das comunidades cristãs (paróquias) e os diversos grupos e movimentos
trabalham para garantir na prática uma catequese o mais possível eclesial e projectada
de modo conforme e concorde com os outros agentes eclesiais? 14. No seguimento
das fortes mudanças culturais que ocorrem, quais são as instâncias pedagógicas face
às quais a actividade catequética das nossas Igrejas se sente mais desprotegida e
fragilizada? 15. Como éque o catecumenado foi assumido como modelo a partir do
qual construir o projecto de catequese e de educação para a fénas comunidades cristãs? A
situação da nossa época exige da Igreja um renovado estilo de evangelização, uma nova
disponibilidade para dar conta da nossa fée da esperança que nos habita. 16. Como
éque as Igrejas locais têm sido capazes de disseminar esta nova exigência nas comunidades
cristãs? Quais foram os resultados? Quais as dificuldades e as resistências? 17.
A urgência de um novo anúncio missionário tornou-se uma componente habitual das acções
pastorais das comunidades? A mensagem de que a missão agora também se vive nas nossas
comunidades cristãs locais, no nosso contexto de vida normal, conseguiu passar? 18.
Que outros sujeitos, para além da comunidade, animam o tecido social, levando-lhes
o anúncio do Evangelho? Com que acções e métodos? Com que resultados? 19. De que
modo cada baptizado tomou consciência de ser chamado, na primeira pessoa, a este anúncio?
Que experiências se podem contar a este propósito? O anúncio e a transmissão da
fégeram, como fruto, a comunidade cristã. 20. Quais são os principais frutos que
a transmissão da fétem gerado nas vossas Igrejas? 21. Estarão as comunidades cristãs
preparadas para reconhecer esses frutos, para os sustentar e fazer crescer? De que
frutos se sente mais a falta? 22. Que resistências, que problemas e também que
escândalos se opõem a este anúncio? Como éque as comunidades têm sido capazes de viver
estes momentos retirando daías forças para um renovado impulso espiritual e missionário?CAPÍTULO
TRÊS Iniciação à experiência cristã «Fazei discípulos de todas
as nações, baptizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os
a obedecer a tudo o que vos tenho ordenado» (Mt. 28, 19-20)18.A
iniciação cristã, processo de evangelização A reflexão sobre a transmissão
da féque acaba de ser apresentada, juntamente com as mudanças sociais e culturais
que se apresentam ao cristianismo hodierno como um desafio, levaram a Igreja a um
grande processo de reflexão e de revisão dos percursos de introdução à fé e de acesso
aos sacramentos. As afirmações do Concílio Vaticano II,6 que quando foram
escritas soavam para tantas comunidades cristãs como um desejo, hoje, pelo contrário,
tornaram-se realidade em várias igrejas locais. É possível fazer experiência de muitos
elementos ali enumerados começando, sem dúvida, pela tomada de consciência, hoje amadurecida
por todo o lado, da ligação intrínseca que une os sacramentos da iniciação cristã.
Baptismo, Confirmação e Eucaristia são vistos não mais como três sacramentos separados
mas como etapas de uma viagem de geração para a vida cristãadulta dentro de um percurso
orgânico de iniciação à fé. A iniciação cristãé, agora, um conceito e um instrumento
pastoral conhecido e bem estabelecido nas igrejas locais. Neste processo, as Igrejas
locais que têm uma tradição secular de iniciação àfédevem muito às Igrejas mais jovens.
Juntos aprenderam a tomar como modelo do caminho de iniciação àféo adulto e não jáa
criança7. Conseguiu-se dar importância ao sacramento do baptismo, assumindo
a estrutura do catecumenado antigo como um exemplo, para organizar os dispositivos
pastorais que nos nossos contextos culturais permitem uma celebração mais consciente,
mais preparada e capaz de garantir a participação futura na vida cristãdos recém baptizados.
Muitas comunidades cristãs empreenderam revisões significativas das suas práticas
de baptismo, revendo formas de participação dos pais, no caso do baptismo das crianças,
e explicitando o momento da evangelização, do anúncio explícito da fé. Tentaram organizar
as celebrações do sacramento do baptismo de modo a dar mais espaço ao envolvimento
da comunidade e dando um apoio mais visível aos pais na missão, como a da educação
cristã, que cada vez mais se torna difícil. Ouvindo a experiência das Igrejas Católicas
Orientais, recorreu-se à mistagogia, para pensar percursos de iniciação cristãque
não se fiquem no limiar da celebração sacramental, mas que continuem a sua acção formadora
mesmo depois, para recordar de modo explícito que o objectivo éo de educar para uma
fé cristã adulta7. A confrontação iniciada acendeu uma reflexão teológica
e pastoral que, tendo em conta as peculiaridades dos diferentes ritos, ajuda a Igreja
a encontrar uma reestruturação partilhada das suas práticas de introdução e de educação
para a fé. Emblemático a este propósito éa questão da ordem dos Sacramentos da iniciação.
Na Igreja existem tradições diferentes. Essa diversidade manifesta-se claramente nos
costumes eclesiais do Oriente e mesmo na prática do Ocidente em relação à iniciação
dos adultos, em comparação com o das crianças. Tal diversidade encontra uma ulterior
acentuação no modo como évivido e celebrado o sacramento da Confirmação. Podemos
dizer, certamente, que o rosto do futuro cristianismo no mundo e a capacidade da fécristãde
falar àsua cultura dependerádo modo como a Igreja no Ocidente souber gerir a revisão
das suas práticas baptismais. Nem tudo, porém, neste processo de revisão, funcionou
sempre em termos positivos. Houve mal-entendidos, ou seja, a vontade de interpretar
as mudanças necessárias, vistas como uma oportunidade, para introduzir as lógicas
da ruptura: as novas práticas pastorais eram lidas àluz de uma hermenêutica de ruptura
criativa, que via na novidade a possibilidade de dar um parecer sobre o passado recente
da Igreja e, ao mesmo tempo, a possibilidade de estabelecer formas sociais inéditas
para dizer e viver o cristianismo hoje. Neste contexto, chegou-se a falar da necessidade
absoluta de abandonar a prática de baptizar as crianças. Do mesmo modo, um sério obstáculo
àrevisão em curso veio dos comportamentos inertes mantidos por algumas comunidades
cristãs, na convicção de que a mera repetição dos gestos estereotipados fosse uma
garantia de bondade e de sucesso para a actividade da igreja. O processo de revisão
entrega àIgreja alguns lugares e alguns problemas como autênticos desafios, que põem
as comunidades cristãs diante da obrigação de discernir e, depois, de adoptar novos
estilos de acção pastoral. Écertamente um desafio para a Igreja encontrar neste momento
uma colocação partilhada do sacramento da Confirmação. O pedido foi feito também durante
a Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, e retomada pelo
Papa Bento XVI na posterior exortação pós-sinodal.7As Conferências Episcopais
adoptaram, num passado recente, diferentes escolhas a este respeito, motivadas pelas
diversas perspectivas a partir das quais era lida a questão (pedagógica, sacramental,
eclesial). Assim também se apresenta como um desafio àIgreja a capacidade de dar conteúdo
e força àquela dimensão mistagógica dos percursos de iniciação, sem a qual aqueles
mesmos itinerários resultariam desprovidos de um ingrediente essencial do processo
de construção da fé. Apresenta-se como um desafio posterior, enfim, a necessidade
de não delegar a eventuais percursos escolásticos de educação religiosa a tarefa,
que éexclusiva da Igreja, de proclamar o Evangelho e encaminhar para a fé, mesmo em
relação às crianças e adolescentes. As práticas neste sector são muito diferenciadas,
de nação para nação, e não permitem a elaboração de respostas únicas ou uniformes.
Mas o exemplo éválido para todas as Igrejas locais. Como se pode imaginar, o campo
da iniciação é, realmente, um ingrediente essencial da tarefa de evangelizar. A “nova
evangelização” tem muito a dizer sobre isso: épreciso, de facto, que a Igreja continue,
de modo forte e determinado, aqueles exercícios de discernimento jáem curso e, ao
mesmo tempo, que encontre energias para motivar os sujeitos e aquelas comunidades
que vão dando sinais de cansaço e de resignação. O rosto futuro das nossas comunidades
depende muito do esforço investido nesta acção pastoral e das iniciativas concretas
propostas e implementadas para uma sua revisão e relançamento. 19. Primeiro
anúncio e necessidade de novas formas de discurso sobre Deus O processo
de revisão dos percursos de iniciação àfédeu acrescida relevância a um desafio muito
presente na situação actual: a progressiva dificuldade com que os homens e as mulheres
de hoje sentem em falar de Deus acedem a lugares e experiências que os abrem a um
tal discurso. Trata-se de uma dificuldade com a qual a Igreja se estáa confrontar
desde háalgum tempo e que, portanto, não somente foi denunciada mas também conheceu
jáalgumas tentativas de resposta. O Papa Paulo VI, reconhecendo este desafio, colocou
a Igreja diante da urgência de encontrar novos caminhos para a proposta da fécristã.7
Nasceu, assim, o instrumento do “primeiro anúncio”,7 entendido como meio
de proposta explícita, ou melhor, de proclamação, do conteúdo básico de nossa fé. Assumido
plenamente nos trabalhos de reprogramação em curso dos itinerários de introdução àfé,
o primeiro anúncio dirige-se aos não crentes, aos que, de facto, vivem na indiferença
religiosa. Este primeiro anúncio tem a função de anunciar o Evangelho e a conversão
àqueles que de um modo geral ainda não conhecem Jesus Cristo. A catequese, distinta
do primeiro anúncio do Evangelho, promove e faz amadurecer esta conversão inicial,
educando o convertido para a fée incorporando-o na comunidade cristã. A relação entre
estas duas formas de ministério da Palavra não é, porém, sempre fácil de fazer e não
deve necessariamente ser afirmada de modo nítido. Trata-se de uma dúplice atenção
que muitas vezes se encontra combinada na mesma acção pastoral. Acontece com frequência,
de facto, que as pessoas que vão àcatequese precisam de experimentar ainda uma verdadeira
conversão. Portanto, seráútil prestar maior atenção, nos percursos de catequese e
de educação para a fé, ao anúncio do Evangelho que chama a esta conversão, que a provoca
e a sustenta. Éeste o modo com o qual a nova evangelização estimula os percursos habituais
de educação para a fé, acentuando o seu carácter kerigmatico, de anúncio7. Uma
primeira resposta directa ao desafio lançado foi já, portanto, dada. Mas, para além
da resposta directa, o discernimento que estamos a realizar pede-nos que façamos uma
pausa para compreender mais profundamente as razões desta alienação, por parte da
nossa cultura, a propósito do discurso sobre Deus. Importa, antes de mais, examinar
por que éque esta situação não interessou as próprias comunidades cristãs7.
Épreciso, sobretudo, na procura das formas e nos instrumentos de elaboração do discurso
sobre Deus, que saibamos interceptar as expectativas e as ansiedades das pessoas de
hoje, mostrando-lhes como a novidade que Cristo representa seja o dom que todos nós
esperamos, ao qual todo o homem anela como cumprimento não expresso da sua busca de
sentido e da sua sede de verdade. O esquecimento do discurso sobre Deus transformar-se-á,
assim, numa ocasião para o anúncio missionário. A vida do dia a dia serácapaz de nos
sugerir onde identificar aqueles “pátio dos gentios”7 nos quais as nossas
palavras se tornam não somente audíveis, mas também significativas e medicinais para
a humanidade. A tarefa da “nova evangelização” élevar não apenas os cristãos praticantes,
mas também os que colocam perguntas sobre Deus e O procuram, a perceber o seu chamamento
pessoal na sua consciência. A nova evangelização éum convite às comunidades cristãs
para que depositem mais confiança no Espírito que as conduz dentro da história. Serão,
assim, capazes de vencer os medos que sentem e conseguirão ver com maior lucidez os
lugares e caminhos onde colocar a questão de Deus no centro da vida das pessoas de
hoje. 20. Iniciar àfé, educar para a verdade A necessidade de um discurso
sobre Deus traz, como consequência, a possibilidade e a necessidade de um análogo
discurso sobre o homem. A evangelização exige-o por si mesma, como uma ligação directa.
Existe uma forte ligação entre a iniciação na fée a educação. Afirmou-o jáo Concílio
Vaticano II7 e repetiu recentemente esta convicção o Papa Bento XVI: «Háquem
ponha em questão hoje o compromisso da Igreja na educação, perguntando-se se os seus
recursos não poderiam ser melhor empregues noutras partes. [...] A missão, primária
na Igreja, de evangelizar, na qual as instituições educativas desempenham um papel
fundamental, estáem sintonia com a aspiração fundamental da nação de desenvolver uma
sociedade verdadeiramente elevada àdignidade da pessoa humana. Mas por vezes o valor
da contribuição da Igreja para o debate público éposto em questão. Por isso
éimportante recordar que a verdade da fée a da razão nunca se contradizem entre si
».7 A Igreja com a verdade revelada purifica a razão e ajuda a reconhecer
as verdades últimas como fundamento da moralidade humana e da ética humana. A Igreja,
por sua própria natureza, apoia as categorias morais essenciais, mantendo viva a esperança
na humanidade. As palavras do Papa Bento XVI enumeram as razões pelas quais énatural
que a evangelização e a iniciação àfésejam acompanhadas por uma acção educativa que
a Igreja exerce como serviço ao mundo. Hoje somos chamados a realizar esta tarefa
num momento e num contexto cultural em que todas as formas de acção educativa são
mais difíceis e críticas, a tal ponto que o próprio Papa fala de “emergência educativa”.8 Com
o termo “emergência educativa” o Papa pretende fazer alusão às progressivas dificuldades
que hoje encontra não somente a actividade educativa cristãmas, mais genericamente,
todo o tipo de educação. Écada vez mais difícil transmitir às novas gerações os valores
básicos da existência e de um comportamento correcto. E esta dificuldade vivem-na
os pais, que vêem cada vez mais reduzida a sua capacidade de influenciar o processo
educacional, mas também os órgãos de educação designados para essa tarefa, a começar
pela escola. Uma tal deriva era, em parte, previsível: numa sociedade e numa cultura
que fazem muitas vezes do relativismo o seu credo énatural que comece a faltar a luz
da verdade. Considera-se que émuito difícil falar da verdade, recorrendo-se imediatamente
ao termo “autoritário”, e acaba-se por duvidar da bondade da vida – ébom ser homem?
ébom viver? – e da importância das relações e dos compromissos que compõem a vida.
Em tal contexto como serápossível propor aos mais jovens e transmitir de geração em
geração alguma coisa de válido e de certo, regras de vida, um autêntico significado
e objectivos verdadeiramente convincentes para a existência humana, seja como indivíduos
seja como comunidades? Por isso, a educação tende a reduzir-se muito àtransmissão
de determinadas habilidades, ou capacidades de fazer, enquanto se tenta satisfazer
o desejo de felicidade das novas gerações enchendo-as de objectos de consumo e de
gratificações efémeras. Assim, pais e professores são facilmente tentados a abdicar
das suas funções educativas e de nem sequer perceberem bem qual o seu papel, a missão
que lhes foi confiada. E aqui estáa emergência educativa: jánão somos capazes de
oferecer aos jovens, às novas gerações, aquilo que énosso dever transmitir. Temos,
para com eles, a dívida dos verdadeiros valores que dão fundamento àvida. Acaba assim
rejeitada e esquecida a finalidade essencial da educação, que éa formação da pessoa
a ponto de a tornar capaz de viver plenamente e de contribuir para o bem-estar da
comunidade. Cresce, no entanto, em vários lugares, a demanda por uma educação autêntica
e a redescoberta da necessidade de educadores que sejam considerados como tais. Um
tal pedido vêos pais unidos (preocupados e muitas vezes angustiados com o futuro dos
seus filhos), os professores (que vivem a triste experiência da degradação da escola),
a própria sociedade, que vêminadas as próprias bases da convivência. Neste contexto,
o empenho da Igreja no educar para a fé, e para o seguimento do Senhor, assume, mais
do que nunca, o valor de uma contribuição para fazer sair a sociedade em que vivemos
da crise educacional que a aflige, metendo um travão àdesconfiança e àquele estranho
“ódio a si mesmo”, àquelas formas de masoquismo que parecem ter-se tornado uma das
características de algumas das nossas culturas. Um semelhante esforço pode proporcionar
aos cristãos uma boa ocasião para habitar o espaço público das nossas sociedades propondo
novamente a questão de Deus, e levando-lhes a sua tradição educativa como um dom,
o fruto que as comunidades cristãs, guiadas pelo Espírito Santo, souberam produzir
neste domínio. A Igreja possui a este propósito uma tradição, ou um capital histórico
de recursos pedagógicos, reflexões e pesquisas, instituições, pessoas - consagradas
e outras, inseridas em ordens religiosas, em congregações – que podem oferecer uma
presença significativa no mundo da escola e da educação. Além disso, interessado pelas
transformações sociais e culturais em curso, este capital estápassando, também ele,
por mudanças significativas. Seráútil, portanto, imaginar igualmente um discernimento
neste sector, para identificar os pontos críticos que as mudanças estão gerando. Temos
de reconhecer as energias do futuro, os desafios que precisam de uma educação adequada,
sabendo que a tarefa fundamental da Igreja éa de educar para a fée para o testemunho,
ajudando a estabelecer uma relação viva com Cristo e com o Pai. 21. O objectivo
de uma “ecologia da pessoa humana” O objectivo de todo este empenho educativo
da Igreja éfacilmente identificável. Trata-se de trabalhar na construção daquilo a
que o Papa Bento XVI chamou de “ecologia da pessoa humana”. «Requer-se uma espécie
de ecologia do homem, entendida no justo sentido. [...] O problema decisivo é a
solidez moral da sociedade em geral. Se não érespeitado o direito àvida e àmorte
natural, se se tornam artificiais a concepção, a gestação e o nascimento do homem,
se são sacrificados embriões humanos na pesquisa, a consciência comum acaba por perder
o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental. Éuma contradição
pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural, quando a educação e as leis
não as ajudam a respeitar-se a si mesmas. O livro da natureza éuno e indivisível,
tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade,
do matrimónio, da família, das relações sociais, numa palavra, do desenvolvimento
humano integral. Os deveres que temos para com o ambiente estão ligados com os deveres
que temos para com a pessoa considerada em si mesma e em relação com os outros; não
se podem exigir uns e espezinhar os outros. Esta éuma grave antinomia da mentalidade
e do costume actual, que avilta a pessoa, transtorna o ambiente e prejudica a sociedade
»8. A fécristãdefende a inteligência na compreensão do equilíbrio profundo
que rege a estrutura da existência e da sua história. Realiza esta operação, não de
modo genérico ou a partir do exterior, mas partilhando com a razão a sede de conhecimento,
a sede de investigação, orientando-a para o bem do homem e do cosmos. A fécristãcontribui
para a compreensão do conteúdo profundo das experiências humanas fundamentais, como
mostra o texto que acabamos de citar. É uma responsabilidade - o confronto e o reenvio
- que o catolicismo desenvolve desde hámuito tempo. Para isso se foi preparando cada
vez melhor, dando vida a instituições, centros de investigação, universidades, fruto
da intuição ou do carisma de alguns ou das preocupações no campo da educação das Igrejas
locais. Estes institutos exercem as suas funções habitando o espaço comum da investigação
e do desenvolvimento do conhecimento nas diversas culturas e sociedades. As mudanças
sociais e culturais que apresentámos desafiam a levantar questões e a criar desafios
a essas instituições. O discernimento que estápor trás da “nova evangelização” échamado
a ocupar-se deste compromisso cultural e educacional da Igreja. Poderão, assim, identificar-se
os pontos críticos destes desafios, as energias e as estratégias a adoptar para garantir
o futuro não sóda Igreja mas também do homem e da humanidade. Imaginar todos estes
espaços culturais como “pátio dos gentios”, ajudando-os a viver a sua vocação inicial
dentro dos novos cenários que emergem, ou seja, a de levar de forma positiva a questão
de Deus e a experiência da fécristãpara dentro das questões do tempo; ajudar estes
espaços a tornarem-se lugares onde se formam pessoas livres e maduras capazes, por
sua vez, de levar a questão de Deus para dentro de suas vidas, para o trabalho, para
a família é, certamente, uma das tarefas da “nova evangelização”. 22. Evangelizadores
e educadores porque testemunhas O contexto de emergência educativa no qual
nos encontramos dáainda mais força às palavras do Papa Paulo VI: «O homem contemporâneo
escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então se escuta
os mestres, éporque eles são testemunhas. [...] Serápois, pelo seu comportamento,
pela sua vida, que a Igreja háde, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja,
pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza,
de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho
de santidade»8. Qualquer projecto de “nova evangelização”, qualquer projecto
de anúncio e de transmissão da fé, não pode ignorar esta necessidade de ter homens
e mulheres que com a sua conduta de vida, dão força ao empenho evangelizador que vivem.
Éesta sua exemplaridade a mais valia que confirma a verdade da sua dedicação, do conteúdo
de quanto ensinam e do que pedem para as suas vidas. A actual emergência educativa
faz crescer o problema dos educadores que saibam ser testemunhas credíveis daquela
realidade e dos valores sobre os quais épossível fundar tanto a vida pessoal de cada
homem, como os projectos comuns do viver social. Neste sentido, temos excelentes exemplos.
Basta recordar São Paulo, São Patrício, São Bonifácio, São Francisco Xavier, São Cirilo
e Metódio, São Turíbio de Mongrovejo, São Damião de Veuster, Madre Teresa de Calcutá. Esta
solicitude torna-se para a Igreja de hoje numa tarefa de apoio e formação de tantas
pessoas que desde hámuito se empenham nestes trabalhos de evangelização e educação
(bispos, sacerdotes, catequistas, educadores, professores, pais); das comunidades
cristãs, chamadas a dar um maior reconhecimento e a investir maiores recursos nesta
tarefa essencial para o futuro da Igreja e da humanidade. Épreciso afirmar claramente
a essencialidade deste ministério de evangelização, de anúncio e de transmissão, no
interior das nossas Igrejas. Épreciso que cada comunidade reveja as prioridades das
suas acções, para concentrar energias e forças neste esforço comum de “nova evangelização”. Para
que a féseja alimentada e sustentada tem inicialmente necessidade daquele âmbito originário
que éa família, primeiro lugar de educação para a oração8. Na espaço familiar
a educação para a fépode surgir, essencialmente, na forma de educar a criança a rezar.
Rezar juntamente com os filhos ajuda os pais naquela missão de os acostumar a reconhecer
a presença amorosa do Senhor, permitindo-lhes de se tornarem novamente testemunhas
autorizadas junto da criança. A formação e o cuidado com que deverão apoiar não
somente os evangelizadores jáem exercício, mas apelar também a novas forças, não se
reduziráa uma mera preparação técnica, ainda que necessária. Será, antes de mais,
uma formação espiritual, uma escola de fé, àluz do Evangelho de Jesus Cristo, sob
a guia do Espírito, para viver a experiência da paternidade de Deus. Sóquem se deixou
e se deixa evangelizar, sóquem écapaz de se deixar renovar espiritualmente pelo encontro
e pela comunhão de vida com Jesus Cristo, pode evangelizar. Pode transmitir a fé,
como nos testemunha o apóstolo Paulo: «Acreditei, por isso falei» (2 Cor. 4,
13). Assim, a nova evangelização é, principalmente, uma tarefa e um desafio espiritual.
Éum dever dos cristãos que perseguem a santidade. Neste contexto, e com este modo
de compreender a formação, seráútil dedicar tempo e espaço a um diálogo sobre as instituições
e os instrumentos que as Igrejas locais dispõem para fazer dos baptizados pessoas
conscientes da sua missão missionária e evangelizadora. Perante os cenários da nova
evangelização, as testemunhas para serem credíveis devem saber falar a linguagem do
seu tempo anunciando, assim, a partir de dentro, as razões da esperança que as anima
(cf. 1 Pd. 3, 15). Semelhante tarefa não pode ser imaginada de forma espontânea,
exige atenção, educação e cuidado.
Perguntas O projecto
da nova evangelização éconcebido como um exercício de revisão de todos os lugares
e acções que a Igreja possui para proclamar o Evangelho ao mundo. 1. O dispositivo
de “primeiro anúncio” éconhecido e difundido nas comunidades cristãs? 2. As comunidades
cristãs constroem acções pastorais que visam a proposta específica de adesão ao Evangelho,
da conversão ao cristianismo? 3. Em termos mais gerais, como éque as comunidades
cristãs particulares lidam com a necessidade de desenvolver novas maneiras de falar
de Deus dentro da sociedade e atémesmo dentro das nossas próprias comunidades? Que
experiências significativas éútil partilhar com as outras igrejas? 4. Como éque
o projecto “pátio dos gentios” foi assumido e desenvolvido nas Igrejas locais? 5.
A que nível de prioridade foi elevado o compromisso assumido pelas comunidades cristãs
de ousar formas novas de evangelização? Quais foram as iniciativas mais bem sucedidas
de abertura missionária das comunidades missionárias cristãs? 6. Que experiências,
que instituições, que novas agregações ou grupos nasceram ou se espalharam, com o
objectivo de realizarem um anúncio jubiloso e contagiante do Evangelho aos homens? 7.
Que colaborações entre as comunidades paroquiais e estas novas experiências? A
Igreja fez grandes esforços para reestruturar os seus próprios percursos de iniciação
e educação para a fé. 8. De que forma a experiência da iniciação cristãdos adultos
foi tomada como modelo para repensar os caminhos da iniciação àfénas nossas comunidades? 9.
Quanto e como foi assumido o instrumento da iniciação cristã? De que forma ajudou
a repensar os caminhos da pastoral baptismal e a acentuação da ligação entre os sacramentos
do Baptismo, da Confirmação e da Eucaristia? 10. As Igrejas orientais católicas
administram de forma unificada os sacramentos da iniciação cristãàs crianças. Quais
são as vantagens e as características desta sua experiência? Como se sentem solicitadas
pelas reflexões e mudanças em marcha, no que concerne òiniciação cristã? 11. Como
éque o “catecumenado baptismal” inspirou a revisão dos percursos de preparação para
os sacramentos, transformando-os em itinerários de iniciação cristã, capazes de envolver
de modo activo os vários membros da comunidade (especialmente adultos) e não apenas
as diversas partes interessadas? Como éque as comunidades cristãs se colocam ao lado
dos pais, na tarefa de transmitir a féque sempre se faz mais árdua? 12. Que evoluções
conheceu o sacramento da Confirmação dentro deste percurso? Que motivações levaram
a isso? 13. Como foi possível concretizar os itinerários mistagógicos? 14.
Atéque ponto as comunidades cristãs conseguiram transformar o caminho de educação
para a fénuma pergunta dirigida, antes de mais, aos adultos subtraindo-a deste modo
aos riscos de uma sua localização exclusiva na idade da infância? 15. As igrejas
locais estão a desenvolver reflexões explícitas sobre o papel do anúncio e sobre a
necessidade de dar maior importância àgeração da fé, àpastoral do baptismo? 16.
Foi superada a fase de delegar a tarefa da educação para a fépor parte das comunidades
paroquiais a outras entidades de educação religiosa (por exemplo, a instituições de
ensino, confundindo os caminhos de educação para a fécom outras eventuais formas de
educação cultural para a facto religioso)? O desafio educacional interpela as nossas
igrejas como uma verdadeira e real emergência. 17. Com que grau de sensibilidade
foi acolhida? E com que energias? 18. Como éque a presença de instituições católicas
no mundo da escola ajuda a enfrentar este desafio? Quais as mudanças que interessaram
a essas instituições? Com que recursos conseguem responder a esses desafios? 19.
Que ligação subsiste entre estas instituições e as outras instituições eclesiais,
entre estas instituições e a vida paroquial? 20. Como éque essas instituições conseguem
ter uma voz na sociedade e na cultura enriquecendo os movimentos culturais do pensamento
e discussões com a voz da fécristã? 21. Que relação existe entre estas instituições
católicas e as outras instituições educativas, entre elas e a sociedade? 22. De
que modo as grandes instituições culturais (universidades católicas, centros culturais,
centros de investigação), que a história nos legou, conseguem intervir nos debates
que afectam os valores fundamentais do homem (defesa da vida, da família, da paz,
da justiça, da solidariedade, da criação)? 23. Como conseguem ser instrumento que
ajuda o homem a ampliar os limites da sua razão, a procurar a verdade, a reconhecer
as marcas do plano de Deus que dásentido ànossa história? E, assim consideradas, como
ajudam as comunidades cristãs a decifrar e a promover a escuta das perguntas e das
expectativas mais profundas expressas pela cultura de hoje? 24. De que modo conseguem
essas instituições imaginar-se dentro daquela experiência denominada de “pátio dos
gentios”? Conseguem elas imaginar-se como lugares onde os cristãos vivem a audácia
de alinhavar formas de diálogo que acedem aos anseios mais profundos do homem e a
sua sede de Deus; e de colocar nesses contextos a questão de Deus partilhando a própria
experiência de busca contando como um dom o encontro com o Evangelho de Jesus Cristo? O
projecto da nova evangelização exige formas, programas e percursos de formação para
e anúncio e o testemunho. 25. Como éque as comunidades cristãs vivem a urgente
necessidade de chamar, formar e apoiar as pessoas que podem ser evangelizadores e
educadores porque testemunhas? 26. Que ministérios, instituídos, mas mais frequentemente
“de facto”, as Igrejas locais viram (ou incentivaram) surgir com este objectivo claro
de evangelização? 27. Como éque as paróquias se deixaram inspirar a propósito da
vitalidade de alguns movimentos e realidades carismáticas? 28. Várias Conferências
Episcopais nas últimas décadas fizeram da missão e da evangelização os elementos centrais
e a prioridade nos seus projectos pastorais: que resultados se obtiveram? Como conseguiram
sensibilizar as comunidades cristãs sobre a qualidade “espiritual” deste desafio missionário? 29.
Como éque esse acento na “nova evangelização” ajudou àrevisão e àreorganização dos
programas de formação dos candidatos ao presbiterado? Como éque as diferentes instituições
designadas para esta formação (seminários diocesanos, regionais, geridos por ordens
religiosas) foram capazes de reler e adequar as suas regras de vida a essa prioridade? 30.
De que modo o ministério do diaconado, restaurado recentemente, encontrou neste mandato
evangelizador um dos conteúdos da sua identidade?
CONCLUSÃO«Recebereis
o poder do Espírito Santo, que descerásobre vós» (Act. 1, 8) 23. O
Pentecostes, fundamento da “nova evangelização” Com sua vinda entre nós, Jesus
Cristo, comunicou-nos a vida divina, que transfigura a face da terra, fazendo novas
todas as coisas (cf. Ap. 21, 5). A sua Revelação envolveu-nos não apenas como
destinatários da salvação que nos foi dada, mas também como seus arautos e testemunhas.
O Espírito do Ressuscitado capacita-nos, assim, a difundir o Evangelho de forma eficaz
em todo o mundo. Éa experiência da primeira comunidade cristãque via a Palavra propagar-se
através da pregação e do testemunho (cf. Act. 6, 7). Cronologicamente, a
primeira evangelização teve início no dia de Pentecostes quando os apóstolos, reunidos
em oração no mesmo lugar, com a Mãe de Cristo, receberam o Espírito Santo. Aquela,
que nas palavras do Arcanjo éa “cheia de graça”, encontra-se, assim, no caminho da
evangelização apostólica e em todos os caminhos em que os sucessores dos Apóstolos
se mobilizaram para anunciar o Evangelho. Nova Evangelização não significa um “novo
Evangelho”, porque «Jesus Cristo éo mesmo ontem, hoje e sempre» (Hb. 13,8).
Nova evangelização significa: uma resposta adequada aos sinais dos tempos, às necessidades
dos indivíduos e dos povos de hoje, aos novos cenários que desenham a cultura através
da qual dizemos a nossa identidade e procuramos o sentido das nossas vidas. Nova evangelização,
portanto, significa promover uma cultura profundamente enraizada no Evangelho; significa
descobrir o novo homem em nós, graças ao Espírito que nos foi dado por Jesus Cristo
e pelo Pai. O processo de preparação para a próxima Assembleia Geral Ordinária do
Sínodo dos Bispos, a sua celebração, seja para a Igreja como um novo Cenáculo, em
que os sucessores dos Apóstolos, reunidos em oração com a Mãe de Cristo – com Aquela
que foi invocada como a Estrela da Nova Evangelização8 - preparam o terreno
para a nova evangelização. 24. A“nova evangelização”, visão para a
Igreja de hoje e de amanhã Nestas páginas falámos muitas vezes de nova evangelização.
Vale a pena lembrar, ao concluir, o significado profundo dessa definição, o apelo
contido nela. Deixemos esta tarefa ao Papa João Paulo II, que tanto apoiou e difundiu
esta terminologia. «Ao longo destes anos, muitas vezes repeti o apelo ànova evangelização;
e faço-o agora uma vez mais para incuLc.ar sobretudo que épreciso reacender em nós
o zelo das origens, deixando-nos invadir pelo ardor da pregação apostólica que se
seguiu ao Pentecostes. Devemos reviver em nós o sentimento ardente de Paulo que o
levava a exclamar: «Ai de mim se não evangelizar!» (1 Cor. 9, 16). Esta paixão
não deixaráde suscitar na Igreja uma nova missionariedade, que não poderáser delegada
a um grupo de «especialistas», mas deverácorresponsabilizar todos os membros do povo
de Deus. Quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode guardá-Lo para si; tem de
O anunciar. Épreciso um novo ímpeto apostólico, vivido como compromisso diário das
comunidades e grupos cristãos»8. Neste texto muitas vezes se falou também
de mudanças e de transformações. Debatemo-nos com cenários que descrevem mudanças
de época, que muitas vezes despertam em nós apreensão e medo. Em tal situação, sentimos
necessidade de uma visão que nos permita olhar para o futuro com olhos de esperança,
sem lágrimas de desespero. Como Igreja, possuímos jáesta visão. Éo Reino que vem,
que nos foi anunciado por Jesus Cristo e descrito nas suas parábolas. Éo Reino que
jácomeçou, com a Sua pregação e, sobretudo, com a Sua morte e ressurreição por nós.
Todavia, muitas vezes, temos a impressão de não conseguirmos dar substância a esta
visão, de não conseguir “fazê-la nossa”, de não conseguirmos torná-la palavra viva
para nós e para os nossos contemporâneos, de não a assumir como fundamento das nossas
acções pastorais e da nossa vida eclesial. A este respeito, a partir do Concílio
Vaticano II, os Papas ofereceram-nos uma palavra clara para uma pastoral presente
e futura: “nova evangelização”, ou seja, nova proclamação da mensagem de Jesus, que
traz alegria e nos liberta. Essa palavra de ordem pode ser o fundamento desta visão
de que sentimos necessidade: a visão de uma Igreja evangelizadora, a partir da qual
iniciámos este texto, étambém uma missão que nos éconferida no fim. Todo o trabalho
de discernimento, que somos chamados a desempenhar, tem como objectivo que esta visão
afunde raízes profundas em nossos corações. Nos corações de cada um de nós, nos corações
das nossas Igrejas, para um serviço ao mundo. 25. Aalegria de evangelizar Nova
evangelização significa partilhar com o mundo os seus anseios de salvação, e apresentar
as razões da nossa fé, comunicando o Logos da esperança (cf. 1 Pd. 3,
15). Os seres humanos precisam da esperança para viver o presente. O conteúdo desta
esperança é«aquele Deus de rosto humano que nos amou atéao fim»8. Por isso,
a Igreja é, por sua natureza, missionária. Não podemos guardar para nós as palavras
da vida eterna que nos foram dadas no encontro com Jesus Cristo. Estas são para todos,
para cada homem. Cada pessoa do nosso tempo, tendo disso consciência ou não, precisa
deste anúncio. Éprecisamente a ausência desta consciência que gera deserto e desespero.
Entre os obstáculos ànova evangelização está, sem dúvida, a falta de alegria e de
esperança que tais situações criam e disseminam entre as pessoas do nosso tempo. Muitas
vezes esta falta de alegria e de esperança são tão fortes que chegam a minar o próprio
tecido das nossas comunidades cristãs. A nova evangelização propõem-se, nestes contextos,
não como um dever, um peso adicional que se deve levar, mas como aquela medicina capaz
de restaurar a alegria e vida aquelas realidades prisioneiras dos seus medos. Enfrentemos
por isso a nova evangelização com entusiasmo. Aprendamos a beleza e a reconfortante
alegria de evangelizar, mesmo quando parece que o anúncio é semeado no meio de lágrimas
(cf. Sl. 126, 6). «Que isto constitua para nós, como para João Batista, para
Pedro e para Paulo, para os outros apóstolos e para uma multidão de admiráveis evangelizadores
no decurso da história da Igreja, um impulso interior que ninguém nem nada possam
extinguir. Que isto constitua, ainda, a grande alegria das nossas vidas consagradas.
E que o mundo do nosso tempo que procura, ora na angústia, ora com esperança, possa
receber a Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes
ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois foram
quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo, e são aqueles que aceitaram arriscar
a sua própria vida para que o reino seja anunciado e a Igreja seja implantada no meio
do mundo»8.