Belo Horizonte, 15 jan (RV) - Ainda a propósito da mensagem do Dia Mundial
da Paz, em 1º de janeiro de 2011, o Papa Bento XVI lançando um olhar pastoral e cidadão
sobre as diferentes sociedades e culturas, constata que o cenário mundial, lamentavelmente,
hospeda conflitos, crises e situações constrangedoras, com a prática de violências
e intolerâncias que comprometem a liberdade religiosa - precioso e imprescindível
caminho para a paz. O Papa sublinha o quanto é doloroso, em algumas regiões do mundo,
impedimentos e impossibilidades para que se tenha liberdade de professar a própria
fé, sem pôr em risco a vida e a liberdade pessoais.
Em muitos lugares há formas
silenciosas e até sofisticadas de preconceito e oposição contra os que creem e seus
símbolos religiosos. Um alerta importante está na consideração de que os cristãos,
na atualidade, são o grupo religioso que mais sofre perseguições na profissão de sua
fé. As estatísticas de violências praticadas são estarrecedoras, apontando esse mal
inaceitável da intolerância religiosa, um tema de grande importância para a Filosofia,
a Antropologia, a Sociologia e outros campos do saber. É alarmante comparar os avanços
das reflexões já postas com o que ronda a mentalidade de grupos, sociedades e culturas,
provocando esse cenário inaceitável. Consequências, como mortes e atentados, ainda
impõem um clima que, diariamente, leva os que professam a sua fé a constantes sobressaltos
causados por ofensas, e são até impedidos de procurar a verdade e a viver a sua fé
em Jesus Cristo. Há um princípio de compreensão que, na consideração do cenário de
intolerância religiosa, aponta a liberdade de credo como expressão da especificidade
da pessoa humana, sendo que por ela cada indivíduo pode orientar a vida pessoal e
social para Deus, diz o Papa. Ele afirma ainda que negar ou limitar arbitrariamente
essa liberdade significa cultivar uma visão redutiva da pessoa humana.
Caso
se constate que esse cenário de intolerância religiosa beligerante - ofensiva e produtora
de mortes e atentados – não esteja nas sociedades cristãs e católicas, como a nossa,
é preciso dedicar tempo a considerações importantes, para que não se avancem em direções
que produzirão nefastas consequências já presentes noutras plagas. Essas considerações
não são a favor de um ou outro grupo religioso, como quem quer, de antemão, protegê-lo
de derrocadas ou encontrar modos exitosos para a sua continuidade. Antes de todos
estes aspectos, com sua importância própria e necessidades, situa-se o risco de obscurecimento
do papel público da religião, também, este, responsável como agente forte na geração
e manutenção de uma sociedade injusta. Ora, a verdadeira natureza da pessoa não se
compreende e nem se sustenta simplesmente por outros importantes componentes, quando
se considera o conjunto da sociedade e a configuração da cidadania.
Há algo
que ultrapassa tudo, de caráter transcendente que não pode ser negado e pisado, está
além das conquistas científicas e tecnológicas. A consequência, pois, é o comprometimento
da paz. Na verdade, se tornará difícil e inviável, caso se pisoteie a dimensão transcendente
da pessoa, a afirmação de uma paz autêntica e duradoura para toda a família humana.
Nem mesmo as estratégias da igualdade social têm força suficiente para mantê-la. Sem
a dimensão transcendente da pessoa, cultivo próprio da experiência religiosa, a igualdade
estabelecida se deteriorará, porque o que sustenta a paz vem de dentro do coração
humano, sacrário recôndito da presença de Deus, fonte de sabedoria, amor e gosto por
ela. Esta presença amorosa, se configura, tomando forma em condutas dignas e honestas,
e se agigantando em práticas vivenciais com incidências sociais e políticas fortes,
com poder de promover e sustentar a paz. Trata-se, pois, de uma espiritualidade imprescindível
para o mundo. A vida espiritual é direito sagrado e necessário, como indispensáveis
são outras demandas sociais, humanas e corporais. Não se pode descuidar da vida espiritual.
Só assim cada pessoa e comunidade de fé, sem fundamentalismos e manipulações, poderão
desenvolver espiritualidade fecunda que dará sustentação à paz.
Dom Walmor
Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte