Rio de Janeiro, 23 dez (RV) - “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós e
nós vimos a sua glória” (Jo 1,14). Estas palavras, tiradas do Prólogo de São João,
resumem de modo estupendo o que chamamos de Encarnação: o fato de o Filho eterno do
Pai, Deus vindo de Deus, Luz vinda da Luz, ter-se feito homem e vivido nossa vida
humana. Trata-se do mistério celebrado pela Igreja de modo especial no santo Natal.
Nós
cremos que o Filho eterno é Deus e existe eternamente (cf. Jo 1,1s; 17,5), pleno,
infinito, feliz. E, por nosso amor, para nos elevar à comunhão com o Pai no Espírito
Santo, gratuitamente, assumiu a nossa condição humana!
Com palavras comoventes,
São Pedro Crisólogo, Bispo de Ravena, no século IV, ensina: “Talvez dirás: ‘Que necessidade
para um Deus de nascer? Sua potência criadora não lhe basta? ’ Que necessidade? Eis:
nascendo, Deus devia refazer aquela natureza que Ele tinha modelado por sua ação criadora.
De fato, aquela natureza que tinha sido criada para gerar para a vida, gerava para
a morte. O pecado do primeiro homem, tendo mortalmente ferido a natureza, esta, em
vez de ser princípio de vida tornou-se origem de morte. Foi então o grande motivo
do nascimento que levou o Cristo a nascer, a fim de que o nascimento do Criador procurasse
a cura da natureza e aquela cura desse a vida aos filhos de Adão”.
Mas, concretamente,
que podemos dizer de Jesus de Nazaré, o Filho eterno, feito realmente homem no seio
de Maria Virgem? Eis o que diz a verdadeira fé: Jesus é a segunda Pessoa da Trindade
Santa. No entanto, sem deixar sua natureza divina, assumiu a nossa natureza humana,
limitada, sujeita ao crescimento, ao envelhecimento, à morte. “Sua natureza divina
aparece eclipsada, escondida nos evangelhos, pois Nosso Senhor, tendo a forma de Deus,
assumiu a forma de Servo” (Fl 2,5s), fazendo-se realmente homem. É um mistério profundo
e belo: o Filho eterno do Pai viveu em tudo a nossa condição humana, menos o pecado!
Na sua natureza divina, jamais deixou o Pai; na sua natureza humana, viveu em tudo
nossa condição; na sua natureza divina é infinito, na sua natureza humana foi reclinado
na manjedoura e no sepulcro.
A antiga liturgia das Gálias dizia assim: “Aquele
que deu forma a todas as coisas recebe a forma de escravo; Aquele que era Deus é gerado
na carne; eis que Ele é envolvido em panos, Aquele que era adorado no firmamento;
e eis que repousa numa manjedoura Aquele que reinava no céu”. E uma outra oração litúrgica
da Igreja antiga exclamava: “Ele estava deitado, envolvido em panos e brilhava entre
as estrelas; em sua carne, ele estava envolvido em panos, em sua divindade ele era
servido pelos Anjos; ele repousava numa manjedoura, mas seu poder agia nos céus”.
E a própria liturgia nossa, latina, canta no dia do Natal: “O Criador do mundo um
corpo vil tomou; a carne salva a carne: não perca os que criou! Presépio não despreza
– que palhas tão suaves! De leite quis nutrir-se o que alimenta as aves!”
Nenhum
de nós caminha sozinho, já que tudo quanto é realmente humano foi assumido por Jesus,
foi tocado pelo Filho de Deus feito homem! Que mistério tão profundo! O tempo foi
tocado pela eternidade, a história foi visitada pela glória, o homem foi assumido
por Deus!
Nos passos, no semblante, nos gestos e nas opções de Jesus de Nazaré
nós podemos descobrir o que Deus quer de nós; podemos aprender o que Deus sonhou para
a humanidade; podemos contemplar o que é ser realmente humano segundo o coração de
Deus! Jesus é o que todos os seres humanos devem ser: totalmente abertos para o Pai,
totalmente em paz consigo mesmos, com os outros, com a criação toda, totalmente livres,
a ponto de dar a vida por amor! Isso mesmo: o Filho fez-se homem para que pudéssemos
aprender o que significa realmente ser humano! Somos humanos de verdade na medida
em que nos parecemos com Jesus de Nazaré! Tudo isso são aspectos do mistério da Encarnação;
tudo isso é graça do santo Natal.
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ