2010-12-08 08:10:44

"O rosto feminino da migração. Reflexões teológicas"


A Cáritas Internationalis organizou de 30 de Novembro a 2 de Dezembro de 2010, em Saly, no Senegal, um colóquio internacional sobre “O Rosto Feminino das Migrações”. É que o fenómeno da migração feminina está a assumir proporções cada vez mais imponentes, ultrapassando, nalguns casos, mesmo a masculina. Um fenómeno que apresenta muitos aspectos problemáticos que preocupam a Igreja.
No colóquio de Saly participou D. António Maria Vegliò, Presidente do Conselho Pontifício para os Migrantes e Itinerantes, o qual olhou para o fenómeno do ponto de vista teológico. Apresentamos a seguir uma síntese do seu amplo e intenso discurso…


Foi um percurso longo e abrangente, o que D. António Maria Vegliò, submeteu, em jeito de reflexão teológica, à atenção dos participantes no colóquio internacional “O Rosto Feminino das Migrações”. Do Antigo ao Novo Testamento, passando pelas tomadas de posição dos Papas João Paulo II e Bento XVI, até ao empenho geral da Igreja no acolhimento dos migrantes, homens e mulheres, o Presidente do Conselho Pontifício para os Migrantes e Itinerantes procurou estabelecer uma ligação entre a visão da Igreja e a situação concreta das mulheres migrantes hoje. Uma situação caracterizada por condições difíceis de trabalho essencialmente no sector doméstico e da agricultura, e que desemboca, muitas vezes, no abuso dos direitos mais elementares, na dor e na solidão, quando não na prostituição, a terceira actividade ilegal mais rentável do mundo, depois do comercio de armas e da droga: cerca de 12 biliões de dólares por ano. São quase 4 milhões as mulheres vítimas do comércio sexual, metade das quais menores. A maior parte das mulheres migrantes são separadas, divorciadas ou viúvas. Mas entrelaçadas com estas causas familiares de emigração, estão também factores ambientais, sociais, políticas e religiosas nos países de origem.
À dramática situação das mulheres migrantes referiram-se tanto o Papa João Paulo II como Bento XVI por ocasião da Jornada Mundial dos Migrantes e Refugiados em 1995 e 2006, respectivamente, chamando a atenção para as condições desumanas de trabalho nos países de acolhimento e para a exploração sexual de que são vítimas. Também a instrução “Erga migrantes Cáritas Christi” de 2004 menciona várias vezes as trabalhadoras migrantes e os males de que são vítimas, incluindo o tráfico humano.
Tudo na óptica da salvaguarda da dignidade e do papel da mulher na Igreja e na sociedade, tema, aliás, cada vez mais no centro do debate teológico – disse D. António Maria Veglió – fazendo notar que o Livro do Génesis, no Antigo Testamento, explica que Deus criou o homem e mulher à sua imagem e semelhança. Mais ainda: a História Bíblica da Salvação está cheia de figuras femininas, como Sara, considerada “a mãe de todos os povos”, Ruth, que conheceu as amarguras da emigração, ou mesmo a mulher violada a que se refere o Livro dos Juízes. Com o Novo Testamento, temos Maria, mãe de Jesus, ícone vivente da mulher migrante, sem esquecer sua prima Isabel e tantas outras como Marta, Maria Madalena, a samaritana, a sogra de Pedro, as mulheres que apoiaram Jesus, acompanharam-No até à cruz e foram as primeiras a acolher o anúncio da Ressurreição… Enfim, mulheres que mostram que acolher não é apenas uma questão de ter, mas de ser, ou seja não se trata só de criar espaço ao estrangeiro, mas sim de fazer com que se sinta em casa.
Os Pais da Igreja – prosseguiu D. Vegliò – puseram em relevo o papel da mulher na História da Salvação, exaltando a dignidade que lhe tinha sido escassamente reconhecida na antiguidade. São Jerónimo, por ex., define-as “as apóstolas dos apóstolos”.
Lançando depois o olhar ao Magistério, D. Veglió sublinha que João Paulo II foi o Papa que mais tomou em consideração, e de forma sistemática, a mulher nos seus discursos, homilias e cartas apostólicas. Nos seus três principais documentos sobre a mulher – “Redemtoris Mater”, “Mulieris Dignitatem” e a "Carta às Mulheres" por ocasião da Conferência mundial de Pequim em 1995, mostrou como a feminilidade está intimamente relacionada com a Mãe do Redentor; falou do génio feminino ou seja, a capacidade da mulher de ver longe, de pressentir e de captar com os olhos do coração; e, por fim, agradeceu às mulheres pelo simples facto de serem mulheres. Já Bento XVI refere-se na sua encíclica “Caritas in Veritate” à dignidade da pessoa migrante, portadora de direitos inalienáveis. E na sua visita a Malta instou a EU a rever as suas políticas migratórias na óptica do acolhimento. Um convite que D. Veglió retomou no seu discurso no Senegal, alargando-o a todos os países do mundo.
A estas tomadas de posição dos Papas sobre a mulher e os migrantes, junta-se a ampla acção de numerosos institutos religiosos de vida consagrada na assistência às mulheres migrantes – frisou o prelado – concluindo que muito se tem feito ao longo dos séculos para ultrapassar a subordinação da mulher ao homem, mas que a comunidade internacional dá ainda uma atenção insuficiente a algumas questões fundamentais. A este respeito citou os serviços à maternidade e recorda que a Convenção internacional sobre os direitos dos Trabalhadores Migrantes e seus familiares adoptado em 1990 e entrada em vigor em 2003 já foi ratificada apenas por 42 Estados.
Insistindo ainda na Teologia da mobilidade humana que afirma a cultura do respeito do migrante, acolhimento, igualdade e valorização das diversidades legítimas, capazes de fazer ver as mulheres migrantes como portadoras de valores e de recursos, D. António Vegliò assegurou que a Igreja se mobilizará para que as legislações sobre a liberdade religiosa sejam garantidas no respeito recíproco. Assegurou também que na perspectiva duma Igreja ministerial, missionária e atenta ao laicado, uma presença adequada e uma justa ministerialidade da mulher deverão ser melhor aprofundadas, reconhecidas e valorizadas. Trata-se - disse - de reconhecer o seu papel específico num projecto de Igreja, em que o homem e a mulher, embora com tarefas específicas e complementares, podem realizar o melhor de si, segundo o projecto de Deus em Cristo. E se, nesta linha não faltam sinais positivos, restam, todavia - a seu ver - muitas dificuldades a ultrapassar, preconceitos a vencer, princípios e finalidades a realizar, aspectos operacionais a aprofundar e desenvolver. Trata-se – rematou - de desenvolver alguns critérios de fundo a fim de que tudo o que é largamente afirmado na teoria como igualdade, equidade, diversidades específica e reciprocidade-corresponsabilidade possam traduzir-se na prática, promovendo também um desenvolvimento mais completo da ministerialidade feminina.








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