"O rosto feminino da migração. Reflexões teológicas"
A Cáritas Internationalis organizou de 30 de Novembro a 2 de Dezembro de 2010, em
Saly, no Senegal, um colóquio internacional sobre “O Rosto Feminino das Migrações”.
É que o fenómeno da migração feminina está a assumir proporções cada vez mais imponentes,
ultrapassando, nalguns casos, mesmo a masculina. Um fenómeno que apresenta muitos
aspectos problemáticos que preocupam a Igreja. No colóquio de Saly participou
D. António Maria Vegliò, Presidente do Conselho Pontifício para os Migrantes e Itinerantes,
o qual olhou para o fenómeno do ponto de vista teológico. Apresentamos a seguir uma
síntese do seu amplo e intenso discurso…
Foi um percurso longo e abrangente,
o que D. António Maria Vegliò, submeteu, em jeito de reflexão teológica, à atenção
dos participantes no colóquio internacional “O Rosto Feminino das Migrações”. Do Antigo
ao Novo Testamento, passando pelas tomadas de posição dos Papas João Paulo II e Bento
XVI, até ao empenho geral da Igreja no acolhimento dos migrantes, homens e mulheres,
o Presidente do Conselho Pontifício para os Migrantes e Itinerantes procurou estabelecer
uma ligação entre a visão da Igreja e a situação concreta das mulheres migrantes hoje.
Uma situação caracterizada por condições difíceis de trabalho essencialmente no sector
doméstico e da agricultura, e que desemboca, muitas vezes, no abuso dos direitos mais
elementares, na dor e na solidão, quando não na prostituição, a terceira actividade
ilegal mais rentável do mundo, depois do comercio de armas e da droga: cerca de 12
biliões de dólares por ano. São quase 4 milhões as mulheres vítimas do comércio sexual,
metade das quais menores. A maior parte das mulheres migrantes são separadas, divorciadas
ou viúvas. Mas entrelaçadas com estas causas familiares de emigração, estão também
factores ambientais, sociais, políticas e religiosas nos países de origem. À
dramática situação das mulheres migrantes referiram-se tanto o Papa João Paulo II
como Bento XVI por ocasião da Jornada Mundial dos Migrantes e Refugiados em 1995 e
2006, respectivamente, chamando a atenção para as condições desumanas de trabalho
nos países de acolhimento e para a exploração sexual de que são vítimas. Também a
instrução “Erga migrantes Cáritas Christi” de 2004 menciona várias vezes as trabalhadoras
migrantes e os males de que são vítimas, incluindo o tráfico humano. Tudo na
óptica da salvaguarda da dignidade e do papel da mulher na Igreja e na sociedade,
tema, aliás, cada vez mais no centro do debate teológico – disse D. António Maria
Veglió – fazendo notar que o Livro do Génesis, no Antigo Testamento, explica que Deus
criou o homem e mulher à sua imagem e semelhança. Mais ainda: a História Bíblica da
Salvação está cheia de figuras femininas, como Sara, considerada “a mãe de todos os
povos”, Ruth, que conheceu as amarguras da emigração, ou mesmo a mulher violada a
que se refere o Livro dos Juízes. Com o Novo Testamento, temos Maria, mãe de Jesus,
ícone vivente da mulher migrante, sem esquecer sua prima Isabel e tantas outras como
Marta, Maria Madalena, a samaritana, a sogra de Pedro, as mulheres que apoiaram Jesus,
acompanharam-No até à cruz e foram as primeiras a acolher o anúncio da Ressurreição…
Enfim, mulheres que mostram que acolher não é apenas uma questão de ter, mas de ser,
ou seja não se trata só de criar espaço ao estrangeiro, mas sim de fazer com que se
sinta em casa. Os Pais da Igreja – prosseguiu D. Vegliò – puseram em relevo o
papel da mulher na História da Salvação, exaltando a dignidade que lhe tinha sido
escassamente reconhecida na antiguidade. São Jerónimo, por ex., define-as “as apóstolas
dos apóstolos”. Lançando depois o olhar ao Magistério, D. Veglió sublinha que
João Paulo II foi o Papa que mais tomou em consideração, e de forma sistemática, a
mulher nos seus discursos, homilias e cartas apostólicas. Nos seus três principais
documentos sobre a mulher – “Redemtoris Mater”, “Mulieris Dignitatem” e a "Carta às
Mulheres" por ocasião da Conferência mundial de Pequim em 1995, mostrou como a feminilidade
está intimamente relacionada com a Mãe do Redentor; falou do génio feminino ou seja,
a capacidade da mulher de ver longe, de pressentir e de captar com os olhos do coração;
e, por fim, agradeceu às mulheres pelo simples facto de serem mulheres. Já Bento
XVI refere-se na sua encíclica “Caritas in Veritate” à dignidade da pessoa migrante,
portadora de direitos inalienáveis. E na sua visita a Malta instou a EU a rever as
suas políticas migratórias na óptica do acolhimento. Um convite que D. Veglió retomou
no seu discurso no Senegal, alargando-o a todos os países do mundo. A estas
tomadas de posição dos Papas sobre a mulher e os migrantes, junta-se a ampla acção
de numerosos institutos religiosos de vida consagrada na assistência às mulheres migrantes
– frisou o prelado – concluindo que muito se tem feito ao longo dos séculos para ultrapassar
a subordinação da mulher ao homem, mas que a comunidade internacional dá ainda uma
atenção insuficiente a algumas questões fundamentais. A este respeito citou os serviços
à maternidade e recorda que a Convenção internacional sobre os direitos dos Trabalhadores
Migrantes e seus familiares adoptado em 1990 e entrada em vigor em 2003 já foi ratificada
apenas por 42 Estados. Insistindo ainda na Teologia da mobilidade humana que
afirma a cultura do respeito do migrante, acolhimento, igualdade e valorização das
diversidades legítimas, capazes de fazer ver as mulheres migrantes como portadoras
de valores e de recursos, D. António Vegliò assegurou que a Igreja se mobilizará para
que as legislações sobre a liberdade religiosa sejam garantidas no respeito recíproco.
Assegurou também que na perspectiva duma Igreja ministerial, missionária e atenta
ao laicado, uma presença adequada e uma justa ministerialidade da mulher deverão ser
melhor aprofundadas, reconhecidas e valorizadas. Trata-se - disse - de reconhecer
o seu papel específico num projecto de Igreja, em que o homem e a mulher, embora com
tarefas específicas e complementares, podem realizar o melhor de si, segundo o projecto
de Deus em Cristo. E se, nesta linha não faltam sinais positivos, restam, todavia
- a seu ver - muitas dificuldades a ultrapassar, preconceitos a vencer, princípios
e finalidades a realizar, aspectos operacionais a aprofundar e desenvolver. Trata-se
– rematou - de desenvolver alguns critérios de fundo a fim de que tudo o que é largamente
afirmado na teoria como igualdade, equidade, diversidades específica e reciprocidade-corresponsabilidade
possam traduzir-se na prática, promovendo também um desenvolvimento mais completo
da ministerialidade feminina.