Rio de Janeiro, 26 nov (RV) - Domingo passado, último domingo do Tempo Comum,
a Igreja celebrou a Festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Qual é o
reino de Jesus Cristo? Poderíamos imaginá-lo sob a forma de um reino terreno, onde
os valores como riqueza e poder são os critérios de julgamento? Certamente que não.
Diante de Pôncio Pilatos, Jesus vai afirmar: o meu reino não é deste mundo
(Jo 19, 36). A realeza de Cristo, que nasce da morte no Calvário e culmina no acontecimento
dela inseparável, a ressurreição, recorda-nos aquela centralidade, que a ele compete
por motivo daquilo que é e daquilo que fez. Verbo de Deus e Filho de Deus, primeiro
que tudo e acima de tudo, “por Ele — como repetiremos no Credo — todas as coisas foram
feitas”, Ele tem um intrínseco, essencial e inalienável primado na ordem da criação,
a respeito da qual é a suprema causa exemplar.
Instalar um reino nesses moldes
entre nós ainda é um desafio. É desafiador reconhecer Jesus Cristo naquele mais pobre,
mais necessitado e que nos interpela por justiça. É desafiador pensar em um reino
onde todos possam ser iguais, onde o que prevalece é o poder de serviço e não o poder
autoritário que esmaga o outro.
Saberemos um dia viver assim? Seremos capazes
de assumir esta proposta em toda a sua radicalidade? Seremos, nós, ativos construtores
dessa nova ordem? Este é o convite que a festa de Cristo Rei nos faz. Que saibamos
responder afirmativamente a ele. Que possamos reconhecer em Jesus Cristo o convite
à implementação de um novo reino e que sejamos seguidores fiéis de um rei de amor
e de bondade.
Junto com a festa de Cristo Rei, celebramos também o Dia do Cristão
Leigo e da Leiga. Vocação especial, ser leigo ou leiga no mundo de hoje é um permanente
desafio. Desafio de vida e testemunho: como estar no mundo, sem ser do mundo, como
nos conclama São Paulo? Leigos e leigas ocupam importantes ministérios na vida da
Igreja e assumem sua vocação particular de constituir família – e aceitar com generosidade
a vocação matrimonial que Deus lhes dá. Assumem a vocação de atuar profissionalmente
com ética, dedicação e diferencial positivo no sentido de ser uma pessoa diferente
no meio de tantas. Assumem vocação missionária, dedicando-se, muitas vezes, solitariamente,
ao outro mais necessitado. Devemos considerar a situação da vida dos leigos na família,
célula fundamental da Igreja e da sociedade, em tempos difíceis de desagregação da
ordem familiar, com a relativização do matrimônio que gera um casamento sem compromisso
cristão.
Vivemos uma grave crise moral que hoje em dia se abate, de muitos
modos, sobre a família brasileira. Precisamente por isso, é necessária e urgente uma
profunda revitalização da instituição familiar. É essa uma tarefa prioritária dos
leigos na nova evangelização. É doloroso observar a extrema fragilidade de muitos
casamentos, com a triste sequela de inúmeras separações, de que os filhos são sempre
vítimas inocentes. É ainda lastimável ver o desrespeito à lei divina, que se espalha
com a difusão de práticas anticonceptivas gravemente ilícitas; ver o índice alarmante
de esterilizações de mulheres e de homens, voluntárias ou induzidas, às vezes, pelos
responsáveis da sociedade política ou por profissionais que deveriam zelar pela dignidade
e integridade da pessoa e do corpo social; ver o incremento, também alarmante, da
prática do aborto, desse atentado criminoso ao direito humano primeiro e fundamental,
o direito à vida desde o instante da sua concepção, que jamais pode ter qualquer justificativa
prática e, menos ainda, legal.
Não podemos nos descuidar das outras graves
causas de deterioração das famílias, como as decorrentes das condições infra-humanas
de moradia, de alimentação e de saúde, de instrução e de higiene em que vivem milhões
de pessoas no campo e nas periferias das cidades, com a lamentável consequência de
um elevado número de menores abandonados e marginalizados. As conseqüências dos desvios
nos levam a situações injustas insustentáveis que conduzem à uma constante violência
entre nós.
Conclamo as lideranças leigas a lançar um forte apelo à responsabilidade
moral dos detentores do poder público, em seus diferentes níveis, e de todos os homens
de boa vontade, católicos ou não, para que criem, dentro das suas possibilidades de
atuação, condições econômicas e sociais que garantam a dignidade da vida humana e
da família. Pode-se fazer muito e deve-se fazer muito para reverter essa situação.
É muito séria a obrigação de cada fiel batizado – os nossos irmãos leigos e as nossas
irmãs leigas – de promover corajosamente os valores cristãos do casamento e da família.
“Começai pelos vossos próprios lares, a fim de serdes vós mesmos “luz do mundo” e
sal que preserva da corrupção”.
Estamos em estado permanente de missão à sombra
da proteção da Virgem Maria, Aparecida e de Guadalupe. Os bispos latinoamericanos
nos conclamam: Esses leigos e leigas, homens e mulheres, são mencionados e identificados
desde o princípio do documento, já vinculados aos ministérios que exercem, tais como
“ministros da Palavra, animadores de assembleia e de pequenas comunidades”. Sua abnegação
e dedicada entrega como missionários são louvados, especialmente na participação da
missão “ad gentes”. Devemos sublinhar, com linhas de ouro e de gratidão, que o lugar
do cristão leigo é no mundo, renovando as estruturas temporais. “Os leigos de nosso
continente, conscientes de sua chamada à santidade em virtude de sua vocação batismal,
são os que têm de atuar à maneira de fermento na massa para construir uma cidade temporal
que esteja de acordo com o projeto de Deus.”
É assim que foram surgindo e
ocupando espaço os leigos teólogos, homens e mulheres que dedicaram sua vida ao estudo,
ensino e pesquisa da teologia; os leigos e leigas orientadores espirituais, que acompanham
outros no itinerário do encontro em profundidade com o Deus de Jesus Cristo; os leigos
e leigas que lideram comunidades cristãs, organizam a liturgia e a celebração. Ou
seja, cristãos leigos que exercem uma ação transformadora sobre o mundo, atuando desde
dentro da Igreja.
Quero saudar todos os homens e mulheres batizados, que,
com denodo, ajudam na nova evangelização em nossa Arquidiocese de São Sebastião do
Rio de Janeiro. Portanto, os batizados devem trabalhar no mundo, nas estruturas temporais,
ouvindo a voz dos pastores da Igreja.
Enfim, leigos e leigas assumem o grande
desafio de serem pedras vivas da Igreja, trabalhadores do Reino que Cristo Rei vem
implementar.
D. Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano
de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ