Rio de Janeiro, 31 out (RV) - Nessa época de preocupação com a eficiência e
com o tempo presente, falar sobre “salvação eterna” é uma dificuldade, pois o interesse
maior é o viver cada dia sem pensar no amanhã. Se as pessoas não querem se preocupar
com o dia seguinte, muito menos com a salvação eterna, que lhes parece algo tão longínquo.
No entanto, precisamente aí residem os valores da vida e da felicidade humanas. É
conhecendo o nosso fim último que iremos viver o hoje, o agora. Ouvimos também
que a Igreja só deveria existir para a mudança social, sem a preocupação com a eternidade,
que seria uma alienação. Esses termos muitas vezes presentes em palestras e livros
já entraram no pensamento e reflexão atuais. Constatamos, porém, que o pecado
ronda e está muito presente na sociedade. Um mundo sem Deus é projetado constantemente
como o melhor dos mundos, muitas vezes abusando do termo “laico” mal compreendido
como que sendo o contrário da fé. No entanto, vemo-nos envoltos numa atmosfera
em que o sagrado parece que está perdendo a vez e a hora. E a Igreja, como recorda
Santo Agostinho, segue como “estrangeira em meio às perseguições do mundo e às consolações
de Deus (De Civitate Dei XVIII, 51). O mesmo Bispo de Hipona nos alerta: “a Igreja,
peregrina sobre a terra, em seu seio, unidos pelos laços dos sacramentos, tem também
alguns que não estarão na felicidade eterna dos Santos (ibid. I, 35). Constatamos
que a sociedade não vive mais os valores cristãos que marcaram a nossa história: isso
foi detectado como “mudança de época”. Porém, é verdade que nascemos e fomos
educados na fé cristã e que iluminou a nossa cultura. Queiramos ou não, em nosso país,
a vida cristã com os seus valores é um fator constitutivo da nossa própria identidade
de pessoas e também da nação. Hoje, parece que as pessoas têm grande dificuldade
para compreender a mensagem de Jesus à luz dos problemas cotidianos. Vivemos em um
aparente confronto entre religião e sociedade moderna, entre a Igreja e os tempos
de uma “nova” cultura. Vivemos esse tempo como “tensão” entre Deus e os homens. O
sagrado, a mensagem da salvação, é para o homem de todos os tempos uma importante
notícia numa sociedade secularizada, intolerante, plural e multifacetada. Como compreender
a mensagem cristã no atual pensamento contemporâneo que rejeita o sagrado? Ao
reconhecer Jesus como nosso salvador, devemos ter presente que esta tensão sempre
existirá. Nossa missão será não esmorecer e continuamente propor, pelo exemplo principalmente,
mas também pelas palavras, a grande notícia a que somos chamados a dar ao mundo contemporâneo.
Anunciar Jesus como um conhecimento de coração, de vida, de esperança, de alegria
interior. Se assim vivermos, aí estaremos anunciando a salvação de Jesus, que é um
apelo pela autenticidade de vida. Devemos ter em mente que a salvação anunciada
por Jesus é viver a felicidade anunciada por Ele, que foi condenado, abandonado, excluído
e rejeitado em um ambiente hostil à sua mensagem. A sua mensagem, portanto, é
sagrada, mas ao mesmo tempo profundamente humana. Mensagem que não exclui ninguém,
que é para todos os seres humanos, mas, comprometedora, pois nos pede uma relação
com Cristo tal como Ele viveu em relação ao Pai. Para isso supõe-se o “sim” de cada
um de nós, à semelhança de Maria. A sua mensagem nos leva a melhorar os relacionamentos
que temos uns com os outros porque existe a certeza de que Ele está entre nós. Não
podemos deixar para amanhã as nossas respostas: “eis agora o tempo aceitável, eis
agora o dia da salvação” (2Cor 6,2). João Paulo II advertiu-nos: “também as pessoas
do terceiro milênio precisam descobrir que Cristo é seu salvador. Esta é a mensagem
que os cristãos têm que levar com renovada coragem ao mundo de hoje” (Homilia da Festa
de Cristo Rei – 24/02/2002). O caminho da salvação, portanto, a felicidade que
nos é prometida por Jesus, não deve ser arrefecida frente à sociedade de hoje. Pelo
contrário, temos o dever de atualizar esta mensagem. Buscar nas Palavras de Jesus
frutos de esperança e de amor para os homens e as mulheres, os jovens e as crianças
que recebem todos os dias ventos contrários à religiosidade e à crença do transcendente.
Todos os cristãos devem renovar as suas forças de evangelização! A resposta cristã
para o mal é, sobretudo, espalhar a boa nova, e tornar cada vez mais presente a mensagem
de salvação em Jesus. Os cristãos têm, sim, uma “boa notícia” para os homens de hoje,
e devem compartilhar com estes, os que estão dispostos, e os que também não estão
dispostos a ouvir. E essa partilha de salvação que devemos ter com essa sociedade
chamada de “pós-moderna” deve ser enfrentada, principalmente, pelo testemunho de vida,
tal como nos observa Paulo VI na sua encíclica Evangelii Nuntiandi (41). O homem contemporâneo
tem uma sensibilidade maior pelos homens de boa vontade, e quer ouvir os que testemunham
mais do que aqueles que querem somente ensinar. Precisamos ter isso em mente:
todas as realidades humanas devem ser impregnadas pela mensagem de salvação que Cristo
nos promete e nos afirma, não apenas em fórmulas escritas de princípios, mas em verdade
e em vida. E nesse sentido, quanto mais vivermos a vida cristã com coerência, melhor
poderemos colaborar com a vida mais justa e fraterna que todos desejam. Viver acolhendo
a boa nova da salvação supõe uma vida renovada e transformada que, por sua vez, será
como “fermento da massa” da “civilização do amor”. As mudanças realizadas à força
apenas conseguem colocar um “verniz” na vida das pessoas, muitas vezes com violências
incríveis e falta de respeito à dignidade humana. Somente homens novos e santos é
que detêm o grande segredo da revolução do amor, que é a ação do Espírito Santo que
começa por atingir a pessoa por dentro e a leva a viver uma nova vida na paz e alegria!
†
Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de
Janeiro, RJ