Rio de Janeiro, 31 out (RV) - No início de novembro celebramos a Solenidade
de Todos os Santos e Dia dos Fiéis Defuntos. São celebrações, como a de Finados, que
nos unem aos nossos irmãos e irmãs já falecidos, que se encontram na casa do Pai,
“onde existem muitas moradas”, e, muitos já fazem parte na comunhão dos santos da
Igreja celeste como os Santos e Santas. O ensino católico da oração que fazemos
está unido intimamente ao dogma de suma importância para compreendermos a nossa íntima
união com os falecidos: o dogma da comunhão dos santos. Santos, aqui compreendidos,
não são apenas os santos canonizados pela Igreja pura e simplesmente, mas todos aqueles
que pelo batismo juntam-se aos que creem na Palavra do Senhor Jesus (cfr. Catecismo
da Igreja Católica 958). Com o termo comunhão dos santos afirmamos a existência
de uma íntima união sobrenatural entre todos os que são membros do Povo de Deus. Nessa
comunhão estão todos os crentes que foram incorporados pelo batismo na Igreja. Pelo
nascimento da água e do Espírito nos tornamos parte do corpo místico de Cristo, Sua
Igreja. Tornamos-nos nela membros, uns com os outros, enquanto comunhão de vida na
oração e na liturgia. Todos os que são de Cristo, estão unidos a Cristo. A vida
de cada um é ligada de forma única e essencial em Cristo e por Cristo, o que não exclui
a vida sobrenatural na Igreja. Aliás, a Igreja é essencialmente uma comunhão
dos santos, tanto entre os fiéis ainda caminhantes para a eternidade, como para os
que já nesta se encontram. É um vínculo de amor e uma abundante e permanente
troca de bens espirituais, que a todos beneficia na santidade. Existe uma comunhão
espiritual que nos une a todos os batizados, aqueles que morrem na fé e na graça,
laços estes que não se rompem com a morte. A oração não tem limites, e seu poder
não diminui nem com a distância nem com o passar do tempo. Como fruto de amor, ela
é como um feixe de luz que penetra em nossa alma e nos coloca na presença do Salvador.
Nós, cristãos desse mundo, não cortamos os nossos laços com a Igreja que já se encontra
na presença do Pai, mas os que estão lá contam com as nossas orações, como nos diz
a sua palavra: os que se aproximaram “da montanha de Sião, do Deus vivo, da Jerusalém
celestial, e das miríades dos anjos”, e que fazem parte da “assembleia festiva dos
primeiros inscritos no livro dos céus, e de Deus, juiz universal, e das almas dos
justos que chegaram à perfeição.” (Hb 12, 22-23). Desde os tempos apostólicos,
baseada na crença da unidade e do poder da oração, e na comunhão do santos, sempre
aconteceu a oração pelos que já se foram, para que estes intercedessem junto de Deus,
e que eles também contassem com as nossas orações, tal como contaram em vida com o
nosso amor e a nossa atenção. Lembremo-nos, por exemplo, da extrema veneração pelos
mártires já nos primórdios da Igreja. A ressurreição de Jesus aponta sempre para
a plenitude da vida. Em toda a liturgia do Dia de Finados a Igreja quer, portanto,
celebrar a vida. Lembramos a derrota do último inimigo (1Cor 15, 26). Viveremos no
amor incomparável, no amor sem egoísmo, onde acontecerá a verdadeira partilha numa
comunidade sem fronteiras e barreiras humanas, que tanto insistimos em levantar nesse
nosso mundo. Nossa oração deve ser, sim, de agradecimento pela vida que nossos irmãos
e irmãs têm agora em abundância. Porém, celebrar o Dia de Finados significa professar
a fé, a vida e a esperança. Para a escuridão da morte, que a todos angustia, temos,
como cristãos, a certeza da ressurreição. A celebração deve estar em torno da
morte e ressurreição de Jesus, que é alimento constante na forma de viver uma fé sólida
e que nos quer solidários no amor, inclusive com os falecidos. Solidariedade esta
que nos compromete, quando devemos prosseguir firmes em nossa caminhada de fé, compelindo-nos
na caridade para com o próximo e assumindo a nossa vida, já aqui, pelos que sofrem
e precisam de nós. Nossa vida deve ser esse processo contínuo no amor, e não
caminhada para morte. Este compromisso com a vida, talvez o ideal mais perfeito da
comunhão dos santos, pode ser uma maneira concreta de sermos solidários com os falecidos.
Portanto, essa solidariedade na vida de fé, também nos impulsiona para uma responsabilidade
na edificação da Igreja e da vida dos homens. Os dons, os talentos recebidos devem
ser fonte de graça e de testemunho. Isso abrange tanto a solidariedade no compartilhar
os bens espirituais – comunhão propriamente dita – como partilhar os bens materiais.
A consciência cristã deveria ser movida por essa partilha generosa e aberta. Isso
tudo nos faz, vivos e mortos, cooperadores no plano de Deus, que busca a felicidade
de seus filhos. Assim, a comunhão com os falecidos, através destes dias de liturgia
dedicados a oração por eles, deve ajudar-nos a melhor vivenciar o amor pelo próximo.
Na caridade e na comunhão cristã somos convidados, como católicos, a participar
vivamente das celebrações e das visitas aos cemitérios para que sejam, efetivamente,
um eloquente e sincero sinal de comunhão divina no amor, que se encerrará na eternidade
junto à casa do Pai. Na vida em Deus não haverá mais tristeza, nem dor, nem separação,
nem perda, mas apenas caridade, amor. E nos esforcemos para viver no bem – como nos
ensina 2Mac 12,46 – “era esse um bom e religioso pensamento; eis por que ele pediu
um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas”.
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Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de
Janeiro, RJ