“É tempo de reassumirmos o nosso destino” – Em vésperas da segunda volta das eleições
presidenciais, o arcebispo de Conacri exorta a Nação a uma postura construtiva…
Quatro meses após a primeira volta das eleições presidenciais, a 27 de Junho de 2010
foi, finalmente, fixada para 7 de Novembro, a segunda volta das eleições presidenciais
na Guiné-Conacri. Inicialmente previstas para 19 de Setembro, essas eleições foram
várias vezes adiadas devido à violência que se veio a instaurar entre os partidários
dos dois candidatos: Alpha Condé, da Coligação do Povo Guineense (RPG), e Cellou Diallo,
ex-primeiro-ministro e candidato da União das Forças Democráticas da Guiné (UFDG). Perante
isto, a Igreja católica no país dirigiu, a 13 deste mês, uma intensa e longa carta
pastoral à Nação. Nela sublinha-se que a democracia não advém apenas da criação de
novas estruturas, mas sobretudo da mudança de mentalidade. Assinada pelo arcebispo
de Conacri, D. Vincent Koulibaly que, para o efeito se reuniu ao longo de cinco dias
com os padres da sua arquidiocese, a carta retrata, em oito páginas, o percurso que
desabrochou nessa violência e exorta a população, os candidatos, o presidente interino,
e os responsáveis das estruturas de transição a assumir posturas mais construtivas.
Convida todos a sentar-se sob a “árvore à palabre” para reflectirem e interrogarem-se
sobre o estado actual do Nação, o que querem, para onde vão, que projecto de sociedade
querem construir juntos. A situação actual – lê-se na carta – mostra que a Guiné-Conacri
já não é uma nação orgulhosa e rica de povos e religiões diferentes, mas sim um aglomerado
de etnias que defendem os próprios interesses e que acumularam ódio e ressentimentos.
Em vez da boa governação, instalou-se a anarquia, a insegurança, a violência; a religião
foi submetida às ambições e apetites de cada um, dando origem a um Deus à própria
imagem e semelhança; desintegrou-se o sistema educativo e gerações de jovens foram
inscritas na escola o país abandonou as suas raízes culturais, confiando o futuro
à “regulação e ao ajustamento estrutural da Comunidade e de Instituições internacionais,
espoliando-nos assim da nossa capacidade de definir o sentido da nossa própria história”.
Daí o título da carta: “É tempo de reassumirmos o nosso destino”. D. Koulibaly
faz também notar que já no primeiro turno das presidenciais se registaram falhas ligadas
ao facto de todo o sistema eleitoral e democrático ter sido reduzido a uma lógica
técnica, com desprezo da mentalidade e do contexto cultural e humano da Guiné. Resultado:
uma crise para a qual “não se vê saída imediata”. Só uma mudança de mentalidade, uma
ruptura com esse passado poderá salvar a Guiné. Um passado de que todos são responsáveis,
escreve o arcebispo de Conacri, mas sobretudo os que tinham a responsabilidade da
gestão política, administrativa e financeira do país nos últimos 50 anos. Daí que
ele se dirija a todos e a cada um: ao Presidente de transição para que seja “soldado
leal, ao serviço da Pátria e para que resista a qualquer tentação de vingança ou de
sedução”; aos órgãos de transição para que tenham espírito de abnegação e de sacrifício
e lutem a favor duma única causa, o bem da Guiné, e para que sejam instituições credíveis;
aos dois candidatos para que tenham a consciência de que a Guiné está nas suas mãos,
não façam dela um refém, não corrompam as consciências dos eleitores, estejam prontos
a reconhecer a legítima vitória de quem a obtiver e sejam artesãos de paz e reconciliação;
e finalmente a toda a população do país, para que reconheça na diversidade religiosa,
étnica, de língua e região de cada compatriota um elemento indispensável à construção
da nação guineense”.