Família, levanta-te e caminha: carta pastoral dos Bispos de Angola
(28/10/2010) 1. Nos nossos dias, a família, como outras instituições,
foi atingida por transformações rápidas, quer sociais quer culturais, não só em extensão
mas também em profundidade. Conscientes de que o matrimónio e a família constituem
um dos bens mais preciosos da humanidade, a Igreja quer fazer ouvir sua voz e oferecer
a sua ajuda não somente aos que, conhecendo já esses valores procuram vivê-los de
modo fiel, como também aos que se sentem inseguros e ansiosos e a quantos se vêem
impedidos de realizar o ideal familiar.
Para os jovens, naturalmente, vai
uma chamada particular, a fim de se esmerarem na busca do que os pode ajudar a encetar
o caminho do matrimónio e da família, descobrindo a beleza e a grandeza da vocação
ao amor e ao serviço da vida (FC, 1). O problema da família é sobremaneira importante.
Como dizíamos na Carta Pastoral sobre a Família, de 1984 nº 1: “A família é o ponto
de partida das demais sociedades (…) É que sem família não há Nação, não há Estado,
não há Igreja. (…) A Família é o ponto de partida de toda a vida social, é o ponto
de encontro, o centro onde vêm repercutir o fluxo e o refluxo da vida em todas as
suas dimensões”. Por isso, a Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé tomou a decisão
de dedicar o triénio 2011-2013 a reflectir sobre esta temática. O plano trienal
que agora vos apresentamos tratará os seguintes temas: Família-Matrimónio
Família-Reconciliação Família-Cultura.
Neste primeiro ano, a
reflexão andará à volta da Família-Matrimónio. Nesta mensagem, depois de expormos
a situação actual das nossas famílias, suas luzes e sombras, ofereceremos uma fundamentação
bíblica e o ensinamento do Magistério a esse respeito.
I. A situação hodierna
das nossas famílias. 2. “A família é o núcleo fundamental da organização da
sociedade e objecto da protecção do Estado…” (Código da Família, Art.1 &1). É o núcleo
que deve contribuir para o desenvolvimento harmonioso e equilibrado de todos os seus
membros, de modo que cada um possa realizar plenamente a sua personalidade e as suas
aptidões, no interesse de toda a sociedade (cfr. Ibd. Art. 2). Olhando atentamente
para as nossas famílias, e tendo como alvo sobretudo as do período pós-independência,
vemos que, antes do recrudescimento da guerra, o matrimónio tinha um grande valor,
e era respeitado por todas as camadas sociais. Do camponês ao operário e do funcionário
ao dirigente, todos viam nele o ponto de partida para o surgimento de uma nova família.
Sua preparação envolvia os familiares dos dois jovens pretendentes e muito seriamente.
Mais tarde esta preparação assumiu um valor mais individual do que colectivo, isto
é, tornou-se um assunto dos jovens nubentes, sem a intervenção da família, pondo de
parte o uso prático da função social do clã. Neste particular, como é evidente, a
família vem a ser menos interventiva na escolha do consorte para o matrimónio, por
motivos vários, tais como serviço militar, busca de melhores condições de vida e de
segurança, etc. Em tal situação, o jovem regressa ao convívio familiar, alguns anos
mais tarde, já acompanhado de esposa e filhos. Esta família formada sem anuência dos
pais, irmãos, tios, etc., em geral cria conflitos os quais, na ausência de sapiência,
podem acabar em rupturas. Foram anos difíceis, que contribuíram para a redução
dos valores do matrimónio no seio da nossa sociedade, dando origem ao quadro sombrio
da Família que hoje temos. A Família, como núcleo da sociedade, onde os adolescentes
e jovens recebem a primeira educação, ofuscou-se, porque a educação do jovem não brota
do meio familiar, mas sim do ambiente que o rodeia durante o seu crescimento. E diga-se,
em abono da verdade, que se nestas experiências se formam homens, por vezes, também
se deformam e até destroem. 3. O mundo dos nossos dias é um mundo sem fronteiras,
devido à existência da televisão, da internet, etc., onde os adolescentes e jovens
aprendem tantas coisas inconvenientes, vendo filmes e programas que, muitas vezes,
os transformam em violentos e alienados, quer no pensar quer no agir. Com muita tristeza,
assistimos a lamentáveis episódios que a nossa juventude pratica mas que, infelizmente,
também são protagonizados pelos adultos. Basta recordar certas aberrações, tais como
violência doméstica, infidelidades conjugais, violação sexual de menores, acusação
de crianças como feiticeiras e outras tantas práticas desumanas, cuja lista interminável
até escandaliza homens e mulheres de bom senso. 4. Numa perspectiva mais ampla,
pode-se dizer, com a Gaudium et Spes, 48 que: “a dignidade desta instituição não resplandece
em toda a parte com igual brilho. Encontra-se obscurecida pela poligamia, pela epidemia
do divórcio, pelo chamado amor livre e outras deformações. Além disso, o amor conjugal
é muitas vezes profanado pelo egoísmo, amor do prazer e por práticas ilícitas contra
a geração. E as actuais condições económicas, socio-psicológicas e civis introduzem
ainda na família não pequenas perturbações. Finalmente, em certas partes do globo,
verificam-se, com inquietação, os problemas postos pelo aumento demográfico. Com tudo
isto, angustiam-se as consciências. Mas o vigor e a solidez da instituição matrimonial
e familiar também nisto se manifestam: as profundas transformações da sociedade contemporânea,
apesar das dificuldades a que dão origem, muito frequentemente revelam de diversos
modos a verdadeira natureza de tal instituição”.
Agora, contemplemos a beleza
dos valores familiares e vejamos quanta riqueza tem a Palavra de Deus, consignada
nas Escrituras, a respeito do matrimónio-família e o que, a seu respeito, ensina a
Mãe Igreja no decurso da história. Nestes três anos, é para nós um grande desafio
reafirmar e viver os valores da família cristã, fazendo dela o modelo e a opção dos
lares cristãos na nossa sociedade, através do amor que Cristo nos trouxe e com que
amou a Sua Igreja. II. O Matrimónio na Sagrada Escritura. 5.
Na Bíblia, encontramos a fundamentação do Matrimónio tanto no Antigo como no Novo
Testamento. No A.T. encontramo-la já nas primeiras páginas do livro do Génesis (cfr.
1,26a.27).
Em (Gn1,26), Deus disse: “Façamos o homem à Nossa imagem, à Nossa
semelhança”… Deus cria o ser humano homem e mulher. No v.27, diz-se que o ser humano
é criado homem e mulher, como uma família de comunhão. Portanto, esta família
de comunhão espelha bem a intenção do Criador ao criar o ser humano como uma comunidade
ideal, enquanto homem e mulher. O homem e a mulher, como pilares da família, devem
manter entre si laços de verdadeira comunhão e unidade (cfr. 2,18). Esta comunhão
tem como fonte a vontade do próprio Deus, pois Ele mesmo afirma: “não é conveniente
que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele” (cfr. v.21). Por
isso, toda a família que coloca Deus no centro da sua vida, vive mais facilmente esta
comunhão.
O espírito de comunhão que deve existir na relação homem-mulher implica
necessariamente a igualdade de natureza e de dignidade: “Esta é, realmente, osso dos
meus ossos e carne da minha carne” (cfr. 2,23). Desta forma, comunhão, igualdade de
natureza e de dignidade, são três elementos que estão na base de um Matrimónio sólido,
segundo o plano de Deus, que diz: “Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe
para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne” (v.24). Só à luz da Palavra
de Deus, o homem e a mulher chegam a viver o verdadeiro ideal matrimonial. Esta Palavra
é sustentada pelo amor, fortalecida pela comunhão e solidificada pelas demais virtudes.
É que assim que o matrimónio tem razões para existir e subsistir. 6. Por outro
lado, as dificuldades e a instabilidade do matrimónio surgem exactamente quando se
vive à margem da fonte, que é a Palavra de Deus, e de tudo o que anda à volta dela:
amor, comunhão, lealdade, etc. Por isso, homem e mulher são chamados a viver segundo
a vontade de Deus. O contrário, conduz à ruptura, como se lê na descrição da queda
original: “A mulher que trouxeste para junto de mim…” Aqui a relação entre homem
e mulher já não é de unidade/comunhão, mas é de distância. 7. No Novo Testamento,
Jesus é peremptório em afirmar a urgência desta comunhão e, consequentemente, a sua
inviolabilidade. Interrogado se era ou não permitido o divórcio, Jesus refere-se àquilo
que Deus já havia estabelecido no Génesis, como base e fundamento do matrimónio: se
homem e mulher são uma só carne, não se pode, em momento nenhum, separar esta
unidade. Separá-la seria atingir a natureza mesma desta instituição divina. Daqui
nascem, ipso facto, as três propriedades do matrimónio: unidade, indissolubilidade
e fidelidade. Por outro lado, a estabilidade do matrimónio está justamente em salvaguardar
esta união, expressa na fórmula uma só carne. É o que diz S. Paulo em Ef 5,28-30:
“Assim, os maridos devem amar as suas mulheres, como aos seus próprios corpos. Aquele
que ama a sua mulher, ama-se a si mesmo…” Esta forte comparação que S. Paulo usa para
falar da relação entre homem e mulher não admite rodeios. Nunca ninguém maltrata intencionalmente
o próprio corpo. Assim também o homem deverá relacionar-se com sua mulher. Tal como
nos amamos a nós mesmos e desejamos tudo de bom a nós próprios, assim também deve
fazê-lo, no matrimónio, o marido à mulher, e vice-versa. Esta imagem do amor ao
próprio corpo, para falar da relação matrimonial, serviu de exemplo eloquente para
os casais de Éfeso, e serve ainda hoje para iluminar os nossos matrimónios, qual lugar
de manifestação do amor de Deus para com a humanidade. III. Matrimónio – instituição. 8.
Sabemos que o matrimónio é uma instituição do Criador e tem como finalidade realizar
o desígnio do amor de Deus no mundo (HV,8). Por isso, o matrimónio não é uma instituição
que responda simplesmente à vontade humana, embora o homem venha a regular alguns
dos seus aspectos (como é o caso da lei tanto civil como canónica). Consequentemente,
o matrimónio foi instituído por Deus desde o princípio (cfr. Gn 2, 24) e não é uma
invenção da sociedade. IV. Matrimónio, sacramento de amor 9. O sacramento
do Matrimónio está fundado sobre a natureza. Jesus quer ser o garante desta ordem
natural, quer tomá-la na sua total pureza e em toda a sua exigência. Por isso, abençoa
o matrimónio, elevando-o à categoria de Sacramento. Dá-lhe uma nova exigência de amor,
em vista ao reino de Deus, retomando tudo na sua exigência primitiva e querendo renovar
o casamento num amor novo, num amor divino. O Matrimónio como sacramento consiste
na união de um homem com uma mulher que formam uma só carne, numa comunidade de vida
e de amor abençoada por Deus, ajudando-se mutuamente na sua complementaridade e reciprocidade.
Juntos, são uma verdadeira sinal do amor paterno e materno de Deus e, ao mesmo tempo,
uma imagem da aliança de amor e de fidelidade entre Cristo e a Igreja. A Gaudium
et Spes, n. 48, descreve-nos eloquentemente este Sacramento dizendo: “Cristo Senhor
abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos, nascido da fonte divina da
caridade e constituído à imagem da sua própria união com a Igreja. E assim como outrora
Deus veio ao encontro do seu povo com uma aliança de amor e fidelidade, assim agora
o Salvador dos homens e esposo da Igreja vem ao encontro dos esposos cristãos com
o sacramento do matrimónio. E permanece com eles, para que, assim como Ele amou a
Igreja e se entregou por ela, de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se
amem com perpétua fidelidade. O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino,
é dirigido e enriquecido pela força redentora de Cristo e pela acção salvadora da
Igreja, de forma que os esposos caminhem eficazmente para Deus, ajudados e fortalecidos
na sua missão sublime de pai e mãe”. 10. Numa terra, em que parece
diminuir a função basilar de muitas instituições, e a qualidade da vida, sobretudo
urbana, se deteriora de modo impressionante, o Matrimónio como sacramento é chamado
a ser uma forte luz orientadora; e a família pode e deve tornar-se um lugar de serenidade
autêntica, de crescimento harmonioso, para oferecer ao País um testemunho exemplar
de como é possível a recuperação e a vitalidade da célula primária do tecido sócio-cristão,
que é a família.
É necessário que a família cristã
se transforme, cada vez mais, numa comunidade de amor tal que permita superar, na
fidelidade e na concórdia, as inevitáveis provas que derivam das preocupações quotidianas;
uma comunidade de vida capaz de cultivar, alegremente, novas e preciosas formas de
existência humana, que reflictam a imagem de Deus; uma comunidade de graça, que faça
constantemente de Cristo o próprio centro de gravidade e o próprio ponto de apoio,
de modo que fecunde os compromissos de cada um, sempre com renovado vigor no caminho
de todos os dias.
11. A estabilidade institucional constitui um
factor condicionante da felicidade que a família está chamada a proporcionar aos seus
membros. Esta estabilidade, porém, só tem a sua garantia no casamento, sobretudo religioso,
e não nas uniões de facto. Além doutras razões, esta seria bastante para que os cristãos
renunciassem decididamente ao chamado amigamento, que nem sequer é reconhecido como
estado civil.
Por isso, a tantos jovens e adultos que se contentam
com uniões de facto, com uniões livres, exortamos a que tomem consciência do que é
o casamento cristão e da riqueza espiritual e humana que ele traz para o seu desenvolvimento
como pessoas, procurando dar um passo firme para este modo de viver em família no
amor de Cristo. Por outro lado, é imprescindível que nas paróquias se criem competentes
serviços pastorais a fim de ajudarem estes irmãos nossos na sua caminhada para a vivência
plena do amor no sacramento do Matrimónio. V. Amor uno e para sempre 12.
A união matrimonial apenas é factível entre um homem e uma mulher, e de forma indissolúvel.
A diversidade sexual (homem e mulher) é expressão da grandeza de um amor original
aberto à complementaridade e à transmissão da vida para acolher um novo ser. No primeiro
casal humano, o pecado aparece como uma divisão; “A mulher que trouxeste para junto
de mim, …”. Aqui a relação entre homem e mulher já não é aquela que está expressa
no “osso dos meus ossos” e em “uma só carne”, mas é de uma certa distância [“junto
de mim”]. Portanto, a falta desta união, a falta do espírito de comunidade querida
por Deus, ao criar o homem e a mulher, conduz à rotura na relação matrimonial. Este
é o facto a que Jesus Se refere quando responde aos Judeus que Lhe falaram do divórcio.
A resposta de Jesus vai direita às bases do matrimónio, a que aludimos acima: “osso
dos meus ossos e carne da minha carne”. Aqui está o cerne do matrimónio - a unidade
e a indissolubilidade. Portanto, a lógica natural do matrimónio inclui a unidade
e a indissolubilidade. Aqui está a razão pela qual o primeiro par conjugal é monogâmico
e, como tal, paradigma para as posteriores uniões entre o homem e a mulher. Uma
das consequências imediatas da instituição do matrimónio é o seu carácter monogâmico:
o casal é constituído por um homem e uma mulher. A poligamia que, infelizmente, se
generaliza por todos os cantos da País, juntamente com a poliandria, é diametralmente
contrária aos planos de Deus sobre a família. Igualmente, a fidelidade e a indissolubilidade
decorrem da própria natureza do amor e do bem dos filhos, da vontade do Criador e
do simbolismo matrimonial que é a união entre Cristo e a Igreja. O matrimónio querido
por Deus é duramente ferido pelo adultérioque é uma traição indigna. Mas pior ainda
é o divórcio, que consuma esta ruptura familiar. Os problemas dos divorciados
devem constituir solicitude atenta dos pastores, de forma a estudarem caso por caso,
procurando ajudá-los a refazer as suas vidas e orientando-os à luz do evangelho. VI.
Amor fecundo entre homem e mulher e suas exigências 13. O matrimónio e a família
estão sujeitos ao imperativo divino: “crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai
a terra” (Gn 1, 28). Isto revela que Deus confiou ao homem e à mulher, unidos em matrimónio,
uma tarefa muito importante, pela qual se tornam colaboradores do mesmo Deus (FC 28). Sobre
esta importantíssima tarefa, o Concilio Vaticano II afirma que a instituição matrimonial
e o amor conjugal estão ordenados à procriação e à educação da prole, na qual encontram
a sua realização (GS 50). É preciso compreender que o desejo dos pais deve conformar-se
com os fins do matrimónio: a procriação e a educação dos filhos, dois objectivos que
têm entre si uma relação inseparável. 14. «A vida humana é sagrada porque, desde
a sua origem, supõe “a acção criadora de Deus” e mantém-se para sempre numa relação
especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é senhor da vida, desde o princípio
até ao fim: ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de destruir
directamente um ser humano inocente». Com estas palavras, a Instrução , expõe
o conteúdo central da revelação de Deus sobre a sacralidade e a inviolabilidade da
vida humana. 15. Um dos atentados que fere mais profundamente os desígnios de Criador
e a própria natureza do matrimónio é o aborto procurado, que constitui um assassinato
deliberado e directo dum ser humano na fase inicial da sua existência, seja qual for
o modo como se pratica (EV 58). O aborto está hoje a transformar-se na nova guerra
silenciosa, camuflada e aceite, que mata milhões de seres humanos. É uma realidade
que infelizmente também se verifica nalgumas famílias da nossa terra, às vezes para
resolver o que chamam ‘eufemisticamente’ gravidez involuntária. Tal procedimento significa
morte deliberada de um inocente ser humano (EV, 62), crime este verdadeiramente hediondo,
porque só a Deus pertence o direito de pôr fim à vida humana. O aborto, pois, vai
contra os direitos de Deus e provoca profundas feridas no coração dos que o praticam. 16.
Como ensinou a Casti Connubii, (6,1), o Matrimónio não é uma instituição destinada
exclusivamente à procriação. É verdade que a transmissão da vida humana determina
em grande medida a natureza da comunidade conjugal. Mas, mesmo quando não há filhos,
os cônjuges continuam a constituir uma família inseparável que se mantém unida, graças
ao seu sólido amor mútuo. Assim, é lamentável que alguns pais cheguem a forçar suas
filhas a conceber fora do matrimónio. Tudo isto é resumido pelo Catecismo da Igreja
Católica, quando diz: “A aliança matrimonial, pela qual um homem e uma mulher constituem
entre si uma comunidade íntima de vida e de amor… ordena-se ao bem dos cônjuges, bem
como à procriação dos filhos” (1660). VII. Origem e fundamento da família. 17.
Acabamos de ver que o matrimónio é de instituição divina. Mas também é necessário
afirmar que a validade do matrimónio depende do consentimento mútuo e livre dado pelos
cônjuges em virtude do qual se cria um vínculo conjugal manifestado e reconhecido
publicamente. Deste modo, entre matrimónio e família existe uma relação de causa e
efeito. Isto indica que o matrimónio natural é origem da família natural, como o Matrimónio
cristão é origem da família cristã. Este é o fundamento básico que não admite outras
tipologias de matrimónio contrárias a lei natural e muito menos contrárias à Lei de
Cristo. Radicalmente opostos e violadores desta doutrina são alguns movimentos
actuais que pretendem identificar o matrimónio com as uniões de facto e, mais aberrante
ainda, com as uniões de homossexuais. O que é contra a natureza não é progressista
nem é conservador. É simplesmente contra o homem. Recordemos que “nenhum poder
pode abolir o direito natural do matrimónio nem modificar as suas características
e finalidades, pois o matrimónio tem características próprias, originais e permanentes”
(Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 216). VIII. A família, célula básica
da sociedade. 18. A família é uma comunidade de pessoas, é o “fundamento e
célula vital da grande e universal família humana, célula primeira e vital da sociedade”
(GS 52). Isto significa que a família prefigura a coesão interna e a qualidade moral
da sociedade inteira. Uma qualidade que é necessariamente a garantia social dos valores
éticos e humanos. Com efeito, a família é célula porque é na família onde nascem
e são educados os filhos para o bem da sociedade e da Igreja. Daí, o vínculo existente
entre a família e a sociedade. A família é garantia da vida moral da sociedade, como
a sociedade deve promover e assegurar os direitos da família. Para o bem da sociedade
é conveniente que se considere seriamente a função fundamental da família, porque
dela “nascem os cidadãos e estes encontram nela a primeira escola de virtudes sociais
que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade” (FC 42). Entretanto,
é importante saber que a família é anterior à sociedade. A sociedade inteira brota
da instituição familiar e, em certo sentido, depende dela. IX. Âmbito educativo 19.
Quanto ao matrimónio, a procriação não é tudo. Pesa sobre os pais a grave responsabilidade
de educar os seus filhos, porque o homem necessita de conhecer a verdade para poder
realizar-se plenamente, já que a ignorância ou mesmo o analfabetismo pode conduzir
à ruína tanto a família como a sociedade. A educação é o processo que permite
levar a cabo o ensinamento da verdade. Este processo começa em casa, na família, porque
os pais são os primeiros e principais educadores dos seus filhos. Só depois vem o
intercâmbio entre família e escola.
X. Titulares da educação: a família,
o Estado e a Igreja 20. No processo educativo intervêm três níveis de titularidade:
a Família, o Estado e a Igreja. Mas é importante reafirmar a originária e insubstituível
tarefa da família, a primeira sociedade educadora, sem esquecer a tarefa subsidiária
do Estado e da Igreja.
XI. Função educativa da família 21. A
pessoa humana, imagem e semelhança de Deus, só se realiza plenamente mediante o conhecimento
da verdade. Este processo educativo é dinâmico e recíproco; é resultado da comunhão
vital entre educador e educando, ou melhor, entre pais e filhos. Por isso, a educação
é tarefa originária dos pais, que recebem esta missão imediatamente do Criador, não
podendo delegá-la totalmente a ninguém (cf. FC 36). Mas a família partilha esta
missão com outras pessoas ou instituições como a Igreja e o Estado, atendendo sempre
o princípio de subsidiariedade, uma vez que a família não dispõe de todos os meios
para fazer frente a todo o processo educativo ( cfr. Carta às famílias 1994).
Trata-se, neste caso, de uma ajuda supletiva e de colaboração. Ao Estado cabe o
dever de fomentar e garantir os direitos à educação para todo o cidadão, mas sem monopolizar
o processo educativo. Ainda no mesmo processo educativo a família conta, outrossim,
com ajuda da Igreja porque esta é a “Mãe e Mestra” de seus filhos e da sociedade (cfr.
Gravi. Educat. 3,3). Só assim é que a família conseguirá a educação
integral dos filhos, na verdade plena “desconhecida pelos chefes deste mundo” (cf.
1Cor 2, 8) porque não basta a educação feita de conteúdos técnicos. A totalidade
do homem ultrapassa esses conteúdos, indo mais além do próprio ser e do tempo.
XII.
Matrimónio cristão projecto de amor em crescimento. 22. Sendo
o Matrimónio um tão importante projecto, ele deve ser preparado, celebrado e vivido
como dom especial do amor de Deus. É importante que seja devidamente
preparado. O tempo do namoro e do noivado é um tempo em que mutuamente se conhecem
e se preparam no respeito e na castidade para viverem numa autêntica comunidade de
amor. Que haja uma verdadeira preparação remota, próxima e imediata
num processo gradual e contínuo, neste caminho de fé, análogo ao do catecumenato,
que deve incluir uma caminhada catequética como das outras áreas específicas, para
que os jovens dêem este passo com a devida maturidade, capazes de entrar neste novo
estado de vida com a necessária preparação. (Cfr. FC 66) 23. Que durante este tempo,
e nos outros também, se estudem bem todos os assuntos referentes à vida, à condição
da mulher e à maternidade e paternidade, estudando e analisando com discernimento,
à luz do Evangelho, todas as temáticas que nos chegam de diferentes partes, como as
teorias sobre a saúde reprodutiva, o “género”, etc., sabendo distinguir o que verdadeiramente
ajuda a mulher a desenvolver-se como o que vai contra a vida e contra a dignidade
humana. Os leigos cristãos, não só médicos mas também outros especialistas, bem como
os nossos movimentos que, em razão da sua vocação particular, têm o dever específico
de interpretar à luz de Cristo a história deste mundo, enquanto são chamados a iluminar
e dirigir as realidades temporais segundo o desígnio de Deus Criador e Redentor, se
empenhem em discernir, à luz de Cristo, todas as propostas que nos chegam de diferentes
partes para que o caminho que trilhamos seja o do crescimento em Cristo e nos seus
valores, e não seja uma alienação ou destruição da família (Cfr. FC 5).
XIII.
A família “Igreja doméstica” 24. O binómio Família-Igreja é sumamente importante
na hora de evidenciar a função da família cristã na sociedade, uma vez que a família
cristã pertence à Igreja, que, por sua vez, é “sinal e salvaguarda do carácter transcendente
da pessoa humana” (GS 76). É assim que “ Cristo quis nascer e crescer no seio da
Sagrada Família de José e Maria. A Igreja não é outra coisa que a família de Deus”
(CIC 1655). Esta doutrina nos ensina que a missão da família no mundonão é outra
coisa senãoo prolongamento da missão da Igreja e, deste modo, da missão de Cristo,
luz dos povos (cf. LG 1). Contudo a família não substitui a missão da Igreja. A Igreja
tem a sua missão específica pois ela é mãe insubstituível (cf. FC 49). Segundo a sua
condição, a família participa da missão da Igreja. Nos dias de hoje, perante um
mundo que frequentemente se mostra estranho e hostil à fé, as famílias cristãs são
como faróis de uma fé viva e irradiadora (CIC 1656). 25. Com razão o Concilio Vaticano
II chama à família Igreja doméstica (LG 11) que a seu modo está ao serviço
da edificação do reino de Deus no tempo. Com esta denominação, ficou clara e sublinhada
a vitalidade, a missão e a condição sagrada da família no mundo. Nesta perspectiva,
a família cristã é para os filhos, para a Igreja e para a sociedade, testemunha do
dom da vida e da fé em Deus Criador. E sabemos que “é no lar doméstico onde se aprende
o culto divino por meio da oração e da oferta da própria vida” (cfr. CIC 1657). Neste
sentido a acção evangelizadora e a actividade pastoral da Igreja devem despertar continuamente
nas famílias a sua responsabilidade originária para que realmente os pais sejam para
os seus filhos os primeiros anunciadores da fé com a palavra e o exemplo. 26. Portanto,
a família é Igreja doméstica porque é no lar cristão onde se aprende o respeito
sincero e o culto verdadeiro a Deus, por meio da oração e da oferenda da própria vida. Enquanto
portadora da missão profética, sacerdotal e real de Cristo que se manifesta na igreja,
a família cristã actua na sociedade como centro privilegiado da santificação de seus
membros e de santificação da Igreja. Para o sucesso desta missão, a família conta
com a graça de Cristo, com os Sacramentos e com o ensino da igreja. Promovam-se, de
modo particular, as Associações e grupos de famílias que criam uma maior comunhão
e perseverança nas mesmas. Uma atenção especial merecem os matrimónios mistos onde
os cristãos se encontram numa situação específica, para que possam permanecer fiéis
ao Senhor nesta sua vocação. Desta modo, apesar das dificuldades no mundo de hoje,
a família cristã deve ser testemunha da verdade sobre o desígnio de Deus a respeito
do matrimónio e da família e não deve conformar-se com a degradação moral, com um
mundo cada vez menos sensível ao sobrenatural e mais propenso ao material e artificial
do que ao espiritual. Finalmente, todo o testemunho da família cristã é uma força
viva na sociedade, posto que não se pode construir uma sociedade forte sem famílias
fortes. Relegar à família um papel subalterno e secundário, excluindo-a do lugar que
lhe compete na sociedade, causaria graves danos ao autêntico crescimento do corpo
social. Que a família de Nazaré seja luz e vida para todas as famílias cristãs
e que Maria de Nazaré acompanhe todos os seus filhos nesta tarefa de fazer o amor
de Cristo vivo e eficiente em todos os lares da terra.