MENSAGEM DO PAPA PARA DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO
Cidade do Vaticano, 26 out (RV) - Segue na íntegra a mensagem do Papa para
o 97° Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, que será celebrado no domingo, 16 de
janeiro de 2011.
Queridos Irmãos e Irmãs!
O Dia Mundial do Migrante
e do Refugiado oferece a oportunidade, a toda a Igreja, para reflectir sobre o tema
relacionado com o crescente fenómeno da migração, para rezar a fim de que os corações
se abram ao acolhimento cristão e trabalhem para que cresçam no mundo a justiça e
a caridade, colunas para a construção de uma paz autêntica e duradoura. «Que vos ameis
uns aos outros assim como Eu vos amei» (Jo 13, 34) é o convite que o Senhor nos dirige
com vigor e nos renova constantemente: se o Pai nos chama para sermos filhos amados
no seu Filho predilecto, chama-nos também para nos reconhecermos a todos como irmãos
em Cristo.
Deste vínculo profundo entre todos os seres humanos surge o tema
que escolhi este ano para a nossa reflexão: «Uma só família humana», uma só família
de irmãos e irmãs em sociedades que se tornam cada vez mais multi-étnicas e intra-culturais,
onde também as pessoas de várias religiões são estimuladas ao diálogo, para que se
possa encontrar uma serena e frutuosa convivência no respeito das legítimas diferenças.
O Concílio Vaticano II afirma que «os homens constituem todos uma só comunidade; todos
têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar em toda a terra o inteiro género
humano (cf. Act 17, 26); têm, além disso, o mesmo fim último, Deus, cuja providência,
testemunho de bondade e desígnios de salvação se estendem a todos» (Decl. Nostra
aetate,1). Assim, nós «não vivemos uns ao lado dos outros por acaso; estamos percorrendo
todos um mesmo caminho como homens e por isso como irmãos e irmãs» (Mensagem para
o Dia Mundial da Paz de 2008, 6).
O caminho é o mesmo, o da vida, mas as situações
por que passamos neste percurso são diversas: muitos devem enfrentar a difícil experiência
da migração, nas suas diversas expressões: internas ou internacionais, permanentes
ou periódicas, económicas ou políticas, voluntárias ou forçadas. Em vários casos a
partida do próprio país é estimulada por diversas formas de perseguição, de modo que
a fuga se torna necessária. Depois, o próprio fenómeno da globalização característico
da nossa época, não é só um processo socioeconómico, mas comporta também «uma humanidade
que se torna mais interrelacionada», superando confins geográficos e culturais. A
este propósito, a Igreja não cessa de recordar que o sentido profundo deste processo
sazonal e o seu critério ético fundamental são dados precisamente pela unidade da
família humana e pelo seu desenvolvimento no bem (cf. Bento XVI, Enc. Caritas in veritate,
42).
Portanto, todos pertencem a uma só família, migrantes e populações locais
que os recebem, e todos têm o mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino
é universal, como ensina a doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a
solidariedade e a partilha.
« Numa sociedade em vias de globalização, o bem
comum e o empenho em seu favor não podem deixar de assumir as dimensões da família
humana inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das nações, para dar forma de unidade
e paz à cidade do homem e torná-la em certa medida antecipação que prefigura a cidade
de Deus sem barreiras.» (Bento XVI, Enc. Caritas in veritate,7). É esta a perspectiva
com a qual olhar também para a realidade das migrações. De facto, como já fazia notar
o Servo de Deus Paulo VI, «a falta de fraternidade entre os homens e entre os povos»
é causa profunda de subdesenvolvimento (Enc. Populorum progressio, 66) e – podemos
acrescentar – incide em grande medida sobre o fenómeno migratório. A fraternidade humana
é a experiência, por vezes surpreendente, de uma relação que irmana, de uma ligação
profunda com o próximo, diferente de mim, baseado no simples facto de sermos homens.
Assumida
e vivida responsavelmente ela alimenta uma vida de comunhão e de partilha com todos,
sobretudo com os migrantes; apoia a doação de si aos demais, ao seu bem, ao bem de
todos, na comunidade política local, nacional e mundial.
O Venerável João Paulo
II, por ocasião deste mesmo Dia celebrado em 2001, ressaltou que «(o bem comum universal)
abrange toda a família dos povos, acima de todo o egoísmo nacionalista. É neste contexto
que se considera o direito de emigrar. A Igreja reconhece-o a cada homem no duplo
aspecto da possibilidade de sair do próprio País e a possibilidade de entrar num outro
à procura de melhores condições de vida. » (Mensagem para o Dia Mundial das Migrações
2001,3; cf. João XXIII, Enc. Mater et Magistra,30: Paulo VI, Octogesima Adveniens,17).
Ao mesmo tempo, os Estados têm o direito de regular os fluxos migratórios e de defender
as próprias fronteiras, garantindo sempre o respeito devido à dignidade de cada pessoa
humana.
Além disso, os imigrantes têm o dever de se integrarem no país que
os recebe, respeitando as suas leis e a identidade nacional. «Procurar-se-á então
conjugar o acolhimento devido a todo o ser humano, sobretudo no caso de pobres, com
a avaliação das condições indispensáveis para uma vida decorosa e pacífica tanto dos
habitantes originários como dos adventícios» (João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial
da Paz de 2001, 13).
Neste contexto, a presença da Igreja, como povo de Deus
a caminho na história no meio de todos os outros povos, é fonte de confiança e esperança.
De facto, a Igreja é «em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento
da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (Conc. Ec. Vat. II,
Const. Dog. Lumen gentium,1); e, graças à acção do Espírito Santo nela, «o esforço
por estabelecer a universal fraternidade não é vão» (Ibid, Const. Past. Gaudium et
spes, 38). De modo particular é a Sagrada Eucaristia que constitui, no coração da
Igreja, uma fonte inexaurível de comunhão para toda a humanidade. Graças a ela, o
Povo de Deus abraça «todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7, 9) não com uma
espécie de poder sagrado, mas com o serviço superior da caridade. Com efeito, a prática
da caridade, sobretudo em relação aos mais pobres e débeis, é critério que prova a
autenticidade das celebrações eucarísticas (cf. João Paulo II, Carta apost. Mane nobiscum
Domine, 28).
À luz do tema «Uma só família humana», deve ser considerada especificamente
a situação dos refugiados e dos outros migrantes forçados, que são uma parte relevante
do fenómeno migratório. Em relação a estas pessoas, que fogem de violências e de perseguições,
a Comunidade internacional assumiu compromissos bem determinados. O respeito dos seus
direitos, assim como das justas preocupações pela segurança e pela unidade social,
favorecem uma convivência estável e harmoniosa.
Também no caso dos migrantes
forçados a solidariedade alimenta-se na «reserva» de amor que nasce do considerar-se
uma só família humana e, para os fiéis católicos, membros do Corpo Místico de Cristo:
somos de facto dependentes uns dos outros, todos responsáveis dos irmãos e das irmãs
em humanidade e, para quem crê, na fé. Como já tive a ocasião de dizer, «Acolher os
refugiados e dar-lhes hospitalidade é para todos um gesto obrigatório de solidariedade
humana, para que eles não se sintam isolados por causa da intolerância e do desinteresse»
(Audiência geral de 20 de Junho de 2007: Insegnamenti II, 1 [2007], 1158). Isto significa
que todos os que são forçados a deixar as suas casas ou a sua terra serão ajudados
a encontrar um lugar no qual viver em paz e em segurança, onde trabalhar e assumir
os direitos e deveres existentes no país que os acolhe, contribuindo para o bem comum,
sem esquecer a dimensão religiosa da vida.
Por fim, gostaria de dirigir um
pensamento particular, sempre acompanhado da oração, aos estudantes estrangeiros e
internacionais, que também são uma realidade em crescimento no âmbito do grande fenómeno
migratório. Trata-se de uma categoria também socialmente relevante na perspectiva
do seu regresso, como futuros dirigentes, aos países de origem. Eles constituem «pontes»
culturais e económicas entre estes países e os que os recebem, e tudo isto se orienta
para formar «uma só família humana». É esta convicção que deve apoiar o compromisso
a favor dos estudantes estrangeiros e acompanhar a atenção pelos seus problemas concretos,
como as dificuldades económicas ou o mal-estar de se sentirem sozinhos ao enfrentar
um ambiente social e universitário muito diferente, assim como as dificuldades de
inserção. A este propósito, aprazme recordar que « pertencer a uma comunidade universitária
significa estar na encruzilhada das culturas que formaram o mundo moderno» (cf. João
Paulo II, Aos Bispos dos Estados Unidos das Províncias eclesiásticas de Chicago, Indianapolis
e Milwaukee em visita «ad limina», 30 de Maio de 1998, 6: Insegnamenti XXI, 1 [1998],
1116). A cultura das novas gerações forma-se na escola e na universidade: depende
em grande medida destas instituições a sua capacidade de olhar para a humanidade como
para uma família chamada a estar unida na diversidade.
Queridos irmãos e irmãs,
o mundo dos migrantes é vasto e diversificado. Conhece experiências maravilhosas
e prometedoras, assim como, infelizmente, muitas outras dramáticas e indignas do homem
e de sociedades que se consideram civis. Para a Igreja, esta realidade constitui um
sinal eloquente do nosso tempo, que dá mais realce à vocação da humanidade de formar
uma só família e, ao mesmo tempo, as dificuldades que, em vez de a unir, a dividem
e dilaceram. Não percamos a esperança, e rezemos juntos a Deus, Pai de todos, para
que nos ajude a ser, cada um em primeira pessoa, homens e mulheres capazes de estabelecer
relações fraternas; e, a nível social, político e institucional, incrementem-se a
compreensão e a estima recíproca entre os povos e as culturas. Com estes votos, invocando
a intercessão de Maria Santíssima Stella maris, envio de coração a todos a Bênção
Apostólica, de modo especial aos migrantes e aos refugiados e a quantos trabalham
neste importante âmbito.
Castel Gandolfo, 27 de Setembro de 2010. BENEDICTUS
PP. XVI