Diversas iniciativas de alto nível marcam a vida das mulheres africanas neste mês
de Outubro: lançamento, pela União Africana, neste dia 15, em Nairobi, da “Década
da mulher africana”; “Marcha Mundial das Mulheres” a decorrer em Bukavu, na República
Democrática do Congo; aprofundamento da campanha pela atribuição do Prémio Nobel
da Paz às mulheres da África - “Walking África Deserves a Price” (NOPAW) – em Dakar
de 27 a 30 deste mês. A não esquecer que também o II Sínodo dos Bispos para a África
realizado no Vaticano em Outubro de 2009 lançou um novo olhar sobre a mulher na Igreja
e na sociedade. O que não deixará, certamente, de ter uma grande influência na vida
das mulheres africanas ao longo desta década e, esperemos, muito para além dela. Tudo
isto sem deixar de lado as diversas iniciativas a nível da base, que não chegam a
ter eco nos media internacionais, mas que nem por isso deixam de ser importantes para
a evolução da mulher em África. Mas voltemos a cada um destes grandes eventos,
começando pela “Década da Mulher Africana” agora lançada no Quénia, e que vinha sendo
preparada desde há muito. Assim a descrevia aos nossos microfones em Novembro de 2009
Litha Ogana, Directora do Departamento Mulher Género e Desenvolvimento da União Africana
(Oiça ou leia a síntese em baixo):
“A Assembleia
dos Chefes de Estado declararam 2010 -2020 Década da Mulher Africana e, durante esta
década, teremos muita coisa a celebrar porque nós mulheres africanas percorremos um
longo caminho. Já não somos as únicas a lutar pelos direitos da mulher. Agora os homens
também lutam pelos direitos da mulher; os nossos chefes de Estado acreditam que alguns
aspectos relacionados com isto têm de ser enfrentados. Estamos, portanto, a atravessar
um período muito rico, porque não estamos a olhar unicamente para os desafios que
temos pela frente, mas também para os sucessos, para as conquistas que já fizemos.
Em 2010, teremos, portanto, o lançamento da década. Algumas das ministras da mulher
que encontramos quando decidiram que devíamos ter uma década da mulher africana,
acharam que o lançamento deve ser feito a nível da base, a nível nacional e regional.
E durante esses encontros de lançamento vamos debruçar-nos sobre os pontos do Protocolo
de Maputo, da Conferência de Pequim, da Plataforma de Dakar, da Declaração solene
da União Africana sobre a igualdade de género… enfim, vamos aproveitar tudo isto
para nos carregarmos de novas energias, energias que usaremos como plataforma para
mobilizar recursos destinados à implementação da agenda Mulher.”
“A Década
da Mulher Africana” vai abranger 10 áreas prioritárias, entre as quais a luta contra
a pobreza, o empresariado feminino, a contribuição das mulheres para a paz, a segurança
e a luta contra a violência, assim como também análises dos problemas de governação
e de protecção jurídica da mulher. Alguns analistas são do parecer de que “A Década
da Mulher Africana” vem num momento em que todos os indicadores mostram que as mulheres
africanas sofreram devido à falta de protecção em períodos de tensão, como aconteceu,
por exemplo, no Darfur, na Somália ou na República Democrática do Congo. O uso
sistemático da violação de mulheres e raparigas como arma de guerra foi, de facto,
um dos motivos que levaram “A Marcha Mundial das Mulheres” a escolher Bukavu, para
a sua marcha deste ano. Mas no prato da balança pesou também o facto de as mulheres
congolesas terem activas organizações locais que já vêm lutando pela paz no país desde
há vários anos. A “Marcha Mundial das Mulheres” teve ainda em conta a utilização de
tensões étnicas para justificar conflitos armados e as causas económicas subjacentes
que se prendem, na realidade, com o controlo dos recursos mineiros e a biodiversidade
da região, e ainda com o lucro para as industrias de armas e empresas privadas de
segurança. Além disso, teve-se também em conta a presença duma missão de paz da ONU
no país, mas que não tem tido nenhum impacto de relevo, contrariamente ao seu elevado
custo: 400 vezes superior ao produto nacional por pessoa no país. Na Marcha que
conta também com seminários, debates e actividades culturais, participa cerca de um
milhar de mulheres de várias partes do mundo, entre os quais diversos países africanos.
“A Marcha Mundial das Mulheres” é um movimento mundial lançado no ano 2000 para
lutar contra todas as formas de desigualdade e discriminação contra as mulheres. Tem
sede em Montreal, no Canadá, pois nasceu dum projecto inicialmente lançado pela Federação
das Mulheres do Canadá. Actualmente reúne mais de 160 países e territórios e mais
de 5 mil grupos de mulheres. Quanto à campanha NOPAW, foi lançada em Novembro
de 2009, em Ancona, por diversos organismos da sociedade civil italiana, entre os
quais “Chiama l’Africa” e CIPSI (Coordenação de Iniciativas Populares de Solidariedade
Internacional). A ideia - explicou na altura Eugénio Melandri, coordenador de “Chiama
l’Africa aos microfones da emissão “Afrofonia” da Rádio Vaticano – vem de longe:
“É uma ideia
que vem de longe, da percepção que fomos acumulando, ao longo destes anos de contacto
com a África, do papel indispensável, central e, muitos vezes, desconhecido, que desempenham
as mulheres no continente africano. Quero recordar que um dos colóquios que realizamos
nos anos anteriores intitulava-se, precisamente, “A África com rosto de Mulher”. E
hoje estamos conscientes de que um correcto relacionamento com a África não pode prescindir
da mulher; que qualquer acção que queira ter êxito tem de ter em conta a mulher. A
África tem tido grandes mulheres na sua História, e actualmente sabemos que a mulher
desempenha um papel relevante que vai do nível mais baixo de subsistência até à capacidade
de entrever as novidades, de se associar em favor da paz e de toda uma série de coisas
interessantes. Daí a ideia, primeiro, de pôr a mulher no centro e, depois, de fazer
com que se fale dessas mulheres africanas que fazem caminhar a África, que se fale
desse exército (bem a palavra exército é um bocado masculina, mas…) dessa horda de
mulheres que percorrem no dia-a-dia os diversos cantos do continente. O emblema da
campanha é precisamente uma mulher que caminha com a África à cabeça – fazendo-a caminhar.
Porque quando se vai à África a primeira coisa que se nota são essas mulheres que
desde manhã cedo caminham, indo buscar a água, indo ao mercado… levando o filho às
costas… É, digamos assim, uma África molecular que caminha e que sustém o Continente…
E não é por nada … mas estou mesmo orgulhoso com isto – estou contente que o Sínodo
dos bispos – bem, nos Lineamenta não se falava muito da mulher, mas a mensagem final
“África, levanta-te e caminha” define as mulheres espinha dorsal da África… É isto
que leva a pensar que a mulher africana no seu conjunto merece um Nobel para a Paz”.
Em princípio esta campanha era para o Prémio Nobel da Paz 2010, mas algumas
objecções de mulheres e homens africanos presentes em Ancona, no Colóquio sobre a
África, levaram os seus promotores a aprofundar mais o debate sobre isso. Daí o encontro
que vai ter lugar ainda este mês em Dakar. De entre as objecções contrárias ao
prémio destacavam-se as da activista maliana, Aminata Traoré, segundo a qual, isto
só vai mascarar os problemas gerais da África que afectam tanto homens como mulheres;
do activista agricultor senegalês Mamoudou Cissokho para o qual é a família africana
que deve ser posta no centro da atenção e não apenas a mulher; e do Prof. Richard
Odingo, do Quénia, especialista em questões climáticas, que chamou a atenção para
um outro aspecto.
“Há uma tendência
a culpar o homem pelos problemas das mulheres. Creio que isto é um erro. Não é que
os homens sejam irresponsáveis. É que as nossas sociedades sempre atribuíram muitos
papeis de responsabilidade às mulheres, porque os homens estão muitas vezes fora de
casa. As mulheres têm, portanto, a responsabilidade de cuidar das crianças, de ir
à procura da água, da alimentação, etc. … mas isto não significa que não sejam apoiadas
pelos maridos. Acho que se tende a desacreditar o homem. E se a campanha for neste
sentido, não está num bom caminho. Penso, portanto, que é necessário estudar as nossas
sociedades com mais atenção para compreender como é que funcionam. Tenho reflectido
muito sobre isto nestes dias do colóquio de Ancona e penso que é preciso repensar
a campanha”.
Mas a principal parceira africana de “Chiama l’Africa” para o
NOPAW, Bineta Diop, responsável da organização “Femme, Afrique, Solidarité” com sede
em Genebra, acha que o prémio poderá trazer muito à mulher africana comum…
“O que poderá
trazer a estas mulheres é a visibilidade, porque, como demonstrei em Ancona, as mulheres
já trabalham pelo seu desenvolvimento. Todas essas mulheres que vemos nas associações
femininas, no micro-crédito, na educação…. São elas que levam a África para a frente.
A importância da campanha não é o premio em si. É o facto de se poder falar honesta
e sinceramente das questões que nos dizem respeito, que dão forma ao desenvolvimento
da África. Esperamos, portanto, numa parceria sincera, esperamos que a África e a
Europa discutam francamente sobre o porque é que a África não vai para a frente. Não
é que pensamos que o prémio nos trará sabe-se lá o quê, mas esperamos que seja um
instrumento de negociação, de reconhecimento, que dê poder às mulheres africanas,
as quais deverão, em todo o caso, assumir os desafios do seu próprio desenvolvimento,
pois que ninguém o fará em seu lugar. Mas se os outros estão prontos a dar uma mão,
creio que será qualquer coisas a mais”.
Diversas iniciativas, uma única causa:
o bem estar da mulher africana e através dela o continente no seu conjunto. Resta
saber se saberão convergir todos para essa causa sem desperdício de meios e se o SCEAM,
Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar estará também ele a preparar
algum mega encontro sobre a mulher em África na sequência das luzes trazidas pelo
Sínodo do ano passado sobre “A Igreja em África ao Serviço da Reconciliação, Justiça
e Paz. Vós sois o Sal da Terra, Vós sois a Luz do Mundo”. Na altura D. Manuel dos
Santos, bispo de São Tomé e Príncipe falou-nos do modo como o Sínodo enfrentou a questão
da mulher em África…