Papa supera expectativas no Reino Unido: Voz de Bento XVI fez-se ouvir apesar das
polémicas e foram as multidões que ajudaram a mudar as prioridades mediáticas
(20/9/2010) «People power», o poder das pessoas: foi este o segredo do sucesso da
difícil visita de Estado que Bento XVI realizou ao Reino Unido de 16 a 19 de Setembro,
a primeira de um Papa. Apesar de todas as polémicas que envolveram a presença papal,
Bento XVI conseguiu fazer ouvir a sua voz, como reconheceu o próprio primeiro-ministro
britânico David Cameron, e centrar as atenções na mensagem que queria deixar na sua
17ª viagem ao estrangeiro. Foram as pessoas e o entusiasmo com que reagiram à presença
do seu líder espiritual que ajudaram a mudar a imagem do Papa e o tratamento mediático
que lhe foi dado, particularmente a nível televisivo. O clima de festa, o peso
das palavras de Bento XVI e a capacidade de abordar directamente temas previsivelmente
delicados, como os abusos sexuais de menores ou a relação entre religião e secularismo
foram apostas que deram os seus frutos. Alguma imprensa escrita insistiu em temas
fracturantes, como o aborto ou a contracepção, mas de forma geral os balanços apresentados
avaliam com nota muito positiva a passagem do Papa por Edimbrugo, Glasgow, Londres
e Birmingham. O antigo Arcebispo da Cantuária (anglicano), George Carey, escreveu
no «News of the World» que Bento XVI “chegou, viu e venceu”. Outros jornais falam
num Papa de palavras serenas que “encantou muitos” ou da “grande coragem moral” com
que enfrentou temas mais quentes, podendo por isso deixar o país “com um sorriso nos
lábios”. Alguma discussão foi alimentada em torno da expressão utilizada pelo Papa
para manifestar o seu desgosto («sorrow») pelos abusos sobre menores cometidos pelo
clero, debatendo-se se havia ou não um pedido de desculpas às vítimas, embora se tenha
sublinhado o facto destas situações terem sido apresentadas como “crimes” e não apenas
como “pecados”. Manifestações de protesto como a do dia 18 de Setembro, que juntou
mais de 10 mil pessoas, foram acolhidas “sem surpresa” como garantiu o Vaticano, até
porque o Papa sabia, de antemão, o que iria encontrar. Isso ficou claro nas várias
referências à longa tradição cristã e democrática do Reino Unido, à coragem com que
muitos resistiram ao regime nazi, aos desafios levantados por uma sociedade cada vez
mais secularizada e multicultural que tende a “marginalizar”, quando não mesmo “ridicularizar”,
a religião. Bento XVI falou à sociedade, no seu conjunto, apresentando-se como
defensor de valores fundamentais e apelando a princípios éticos na vida política e
económica, com grande destaque para o discurso no Westminster Hall, um dos mais representativos
do pensamento deste Papa. Além das palavras, são os gestos que irão ficar na memória
desta viagem: a oração na Abadia anglicana de Westminster, o encontro privado com
vítimas de abusos, a visita a uma residência de idosos e a beatificação do Cardeal
Newman sintetizam, quase na perfeição, as preocupações que Bento XVI trouxe consigo. No
Reino Unido, o actual Papa mostrou ter aprendido nos últimos anos a dizer as coisas
certas na altura certa, mas não há dúvida de que a força de milhares de católicos
espalhados pelos locais por onde passava foi essencial para que estas palavras não
fossem abafadas por vozes contestatárias e «fait-divers». Octávio Carmo, Agência
ECCLESIA, em Londres