2010-09-20 12:15:33

A DOR E A ESPERANÇA


Cidade do Vaticano, 20 set (RV) - Na semana passada celebramos a Festa da Exaltação da Santa Cruz e a memória de Nossa Senhora das Dores. São sinais eloquentes de situações concretas que hoje vivemos e que são iluminadas pela Palavra de Deus, que comemoramos neste mês de setembro (mês da Bíblia). Maria sempre nos acompanha em nossa reflexão, pois a Igreja nela encontra a inspiração e exemplo: “ela é saudada como membro supereminente e absolutamente singular da Igreja, e também como seu protótipo e modelo acabado da mesma, na fé e na caridade” (LG 53).

Maria, a mãe do Salvador, foi, sem dúvida, a pessoa que mais participou da paixão e morte do Senhor. Ela ouviu cada uma de suas palavras na Cruz. Ele, por sua vez, olha para a mãe com compaixão. Ela está em pé aos pés da Cruz e com dor profunda esteve atenta à agonia do seu Filho.

O Redentor confia sua mãe ao discípulo e dá-la como mãe. Nesse momento, a maternidade de Maria atinge cada um de nós. Aos pés da Cruz é que o homem conhece a Mãe da Humanidade, Maria! “E daquela hora o discípulo a levou para sua casa” (Jo 19,27). Esse discípulo, por sua vez, assume o papel de filho, e, certamente, tem como resposta um amor de mãe.

A liturgia para a celebração de Nossa Senhora das Dores, segundo algumas tradições, é de origem alemã. Em 1423, o Arcebispo de Colônia reúne o povo para fazer reparações ao coração de Maria, pois hereges haviam violado suas imagens na Diocese, em que Maria apresenta-se ao pé da Cruz. Em 1727, o Papa Bento XIII aprova os textos dessas celebrações de Colônia e a devoção se espalha rapidamente pela Igreja.

Embora a devoção tenha sido divulgada após o século XV, a dor da Virgem, no entanto, foi sempre tida desde o início da Igreja como grande fonte de piedade mariana. Recorda-nos o texto bíblico quando Simeão diz a ela: “uma espada transpassará a sua alma” (Lc 2, 34-35). Espada penetrante que Maria sofrerá. Dolorosa espada que será símbolo do caminho da Virgem, e que mais tarde a piedade tomará como sinal plástico das dores sofridas pela mãe do Redentor.

A jornada de fé de Maria foi acompanhada pela dor: a fuga para o Egito (Mt 2, 13-14); o caso da perda do seu Filho no caminho de Jerusalém e a busca ansiosa para reencontrá-Lo (Lc 2, 43ss) são alguns exemplos, mas é evidente que na Cruz encontramos o cume desse caminho de sofrimento e dores.

Não podemos deixar de lembrar também o evento que foi retratado por grandes escultores e pintores: quando da entrega para o túmulo do corpo sem vida de seu Filho (Jo 19, 40-42).

Devido a esta participação plena e amorosa, Maria torna-se para nós mãe na ordem da graça. Maria também expressa o modelo de perfeita união com Jesus na cruz. Ficar perto da cruz é uma tarefa desafiadora para ela e para todos os cristãos, que exige se alegrar com os que se alegram (Rm 12,15) e chorar com os que choram (Jo 19,25), como nos ensina a palavra de Deus.

Como em todas as festas marianas, também na de Nossa Senhora das Dores o pedido nos é claro: a perfeita participação de Maria na paixão de Cristo, pois Ele é o centro de toda liturgia mariana e de nossa vida.

Com a sua paixão, Cristo quer libertar o homem, apontando-lhe o caminho, compartilhando com esse mesmo homem as alegrias e sofrimentos, a morte e a vida. Esta paixão, porém, não é um fim em si mesmo, mas é para a vida: “Se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, ele fica só, mas se morre, produz muito fruto” (Jo 12, 24), e a vida é interminável: “Nós sofremos com Ele para sermos também glorificados (II Tm 2,11). Esta é a tensão escatológica da vida de cada existência cristã, tal como foi também para Maria, sendo para ela antecipada a glorificação. E esta esperança é que deve sustentar a Igreja.

A dor de Maria foi o culminar de um longo sofrimento, permeado pelo silêncio. O seu olhar foi um olhar consolador de todas as dores. E ela se torna, para nós, uma peregrina terrena do sofrimento humano. Maria é aquela que sempre permaneceu fiel, humilde e amorosa em meio à humilhação, ela que tida como a mãe de um executado na cruz. Assim, ela se associa imensamente à redenção de seu Filho. Maria foi ouvida na dor de seu Filho quando, mesmo pregado na cruz e com extremo sofrimento, lembra-se dela, entregando-a ao discípulo amado.

A Igreja a invoca com vários títulos, mas aqui nós a veneramos na experiência do sofrimento. Com esta invocação, todos aqueles que passam pelas dores podem contemplar no cume do Gólgota a cruz com Cristo e Maria das Dores aos seus pés. Ao mesmo tempo em que estamos unidos a ela também experimentamos a sua proximidade para nos compreender nas nossas aflições. Há aqui uma enorme solidariedade do lamento humano da dor.

Nas abadias e mosteiros cistercienses, ao final do dia ilumina-se com um feixe de luz a imagem, ou ao menos o rosto, de Nossa Senhora, e canta-se sempre a Salve Rainha – é o entregar o dia e a vida vivida no silêncio da noite nas mãos da mãe, nossa doçura e esperança enquanto aqui caminhamos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.

Maria Santíssima, Nossa Senhora das Dores, rogai por todos nós, especialmente por aqueles que são testados pela dor e pelo sofrimento, pela doença e pela falta de dignidade para viver! Lembrai-vos de nós, ó piíssima Virgem Maria, pois nunca se ouviu dizer que pedindo à mãe o filho não atenda.

Que nestes dias de dor e de angústia, quando vemos tantos e tantos de nossos irmãos e irmãs sofrendo desilusão, remorso, uma chaga de alma, eles possam sentir, querida mãe, o mesmo consolo e coragem manifestada no alto do Calvário. Que eles possam sentir logo a alegria da ressurreição e da glorificação experimentada com os apóstolos reunidos no cenáculo.


† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ







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