Cidade do Vaticano, 20 set (RV) - Na semana passada celebramos a Festa da Exaltação
da Santa Cruz e a memória de Nossa Senhora das Dores. São sinais eloquentes de situações
concretas que hoje vivemos e que são iluminadas pela Palavra de Deus, que comemoramos
neste mês de setembro (mês da Bíblia). Maria sempre nos acompanha em nossa reflexão,
pois a Igreja nela encontra a inspiração e exemplo: “ela é saudada como membro supereminente
e absolutamente singular da Igreja, e também como seu protótipo e modelo acabado da
mesma, na fé e na caridade” (LG 53).
Maria, a mãe do Salvador, foi, sem dúvida,
a pessoa que mais participou da paixão e morte do Senhor. Ela ouviu cada uma de suas
palavras na Cruz. Ele, por sua vez, olha para a mãe com compaixão. Ela está em pé
aos pés da Cruz e com dor profunda esteve atenta à agonia do seu Filho.
O Redentor
confia sua mãe ao discípulo e dá-la como mãe. Nesse momento, a maternidade de Maria
atinge cada um de nós. Aos pés da Cruz é que o homem conhece a Mãe da Humanidade,
Maria! “E daquela hora o discípulo a levou para sua casa” (Jo 19,27). Esse discípulo,
por sua vez, assume o papel de filho, e, certamente, tem como resposta um amor de
mãe.
A liturgia para a celebração de Nossa Senhora das Dores, segundo algumas
tradições, é de origem alemã. Em 1423, o Arcebispo de Colônia reúne o povo para fazer
reparações ao coração de Maria, pois hereges haviam violado suas imagens na Diocese,
em que Maria apresenta-se ao pé da Cruz. Em 1727, o Papa Bento XIII aprova os textos
dessas celebrações de Colônia e a devoção se espalha rapidamente pela Igreja.
Embora
a devoção tenha sido divulgada após o século XV, a dor da Virgem, no entanto, foi
sempre tida desde o início da Igreja como grande fonte de piedade mariana. Recorda-nos
o texto bíblico quando Simeão diz a ela: “uma espada transpassará a sua alma” (Lc
2, 34-35). Espada penetrante que Maria sofrerá. Dolorosa espada que será símbolo do
caminho da Virgem, e que mais tarde a piedade tomará como sinal plástico das dores
sofridas pela mãe do Redentor.
A jornada de fé de Maria foi acompanhada pela
dor: a fuga para o Egito (Mt 2, 13-14); o caso da perda do seu Filho no caminho de
Jerusalém e a busca ansiosa para reencontrá-Lo (Lc 2, 43ss) são alguns exemplos, mas
é evidente que na Cruz encontramos o cume desse caminho de sofrimento e dores.
Não
podemos deixar de lembrar também o evento que foi retratado por grandes escultores
e pintores: quando da entrega para o túmulo do corpo sem vida de seu Filho (Jo 19,
40-42).
Devido a esta participação plena e amorosa, Maria torna-se para nós
mãe na ordem da graça. Maria também expressa o modelo de perfeita união com Jesus
na cruz. Ficar perto da cruz é uma tarefa desafiadora para ela e para todos os cristãos,
que exige se alegrar com os que se alegram (Rm 12,15) e chorar com os que choram (Jo
19,25), como nos ensina a palavra de Deus.
Como em todas as festas marianas,
também na de Nossa Senhora das Dores o pedido nos é claro: a perfeita participação
de Maria na paixão de Cristo, pois Ele é o centro de toda liturgia mariana e de nossa
vida.
Com a sua paixão, Cristo quer libertar o homem, apontando-lhe o caminho,
compartilhando com esse mesmo homem as alegrias e sofrimentos, a morte e a vida. Esta
paixão, porém, não é um fim em si mesmo, mas é para a vida: “Se o grão de trigo não
cair na terra e não morrer, ele fica só, mas se morre, produz muito fruto” (Jo 12,
24), e a vida é interminável: “Nós sofremos com Ele para sermos também glorificados
(II Tm 2,11). Esta é a tensão escatológica da vida de cada existência cristã, tal
como foi também para Maria, sendo para ela antecipada a glorificação. E esta esperança
é que deve sustentar a Igreja.
A dor de Maria foi o culminar de um longo sofrimento,
permeado pelo silêncio. O seu olhar foi um olhar consolador de todas as dores. E ela
se torna, para nós, uma peregrina terrena do sofrimento humano. Maria é aquela que
sempre permaneceu fiel, humilde e amorosa em meio à humilhação, ela que tida como
a mãe de um executado na cruz. Assim, ela se associa imensamente à redenção de seu
Filho. Maria foi ouvida na dor de seu Filho quando, mesmo pregado na cruz e com extremo
sofrimento, lembra-se dela, entregando-a ao discípulo amado.
A Igreja a invoca
com vários títulos, mas aqui nós a veneramos na experiência do sofrimento. Com esta
invocação, todos aqueles que passam pelas dores podem contemplar no cume do Gólgota
a cruz com Cristo e Maria das Dores aos seus pés. Ao mesmo tempo em que estamos unidos
a ela também experimentamos a sua proximidade para nos compreender nas nossas aflições.
Há aqui uma enorme solidariedade do lamento humano da dor.
Nas abadias e mosteiros
cistercienses, ao final do dia ilumina-se com um feixe de luz a imagem, ou ao menos
o rosto, de Nossa Senhora, e canta-se sempre a Salve Rainha – é o entregar o dia e
a vida vivida no silêncio da noite nas mãos da mãe, nossa doçura e esperança enquanto
aqui caminhamos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.
Maria Santíssima,
Nossa Senhora das Dores, rogai por todos nós, especialmente por aqueles que são testados
pela dor e pelo sofrimento, pela doença e pela falta de dignidade para viver! Lembrai-vos
de nós, ó piíssima Virgem Maria, pois nunca se ouviu dizer que pedindo à mãe o filho
não atenda.
Que nestes dias de dor e de angústia, quando vemos tantos e tantos
de nossos irmãos e irmãs sofrendo desilusão, remorso, uma chaga de alma, eles possam
sentir, querida mãe, o mesmo consolo e coragem manifestada no alto do Calvário. Que
eles possam sentir logo a alegria da ressurreição e da glorificação experimentada
com os apóstolos reunidos no cenáculo.
† Orani João Tempesta,
O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ