AFEGÃOS ELEGEM PARLAMENTO EM MEIO A PROCESSO DE PAZ COM TALIBÃS
Islamabad, 18 set (RV) - O movimento talibã ameaçou, com seus ataques, acabar
com as eleições parlamentares deste domingo, no Afeganistão: as primeiras a se realizarem
após o início do incerto processo de diálogo com os insurgentes.
Três são os
eventos que a ONU havia considerado como "cruciais" para o progresso do Afeganistão,
em 2010: a "Jirga" (assembleia) de paz de junho; a Conferência de Cabul, em julho;
e este pleito para eleger os 249 membros da Câmara Baixa.
Nos dois primeiros
eventos – que serviram para que o Presidente Hamid Karzai tentasse recuperar a legitimidade
perdida – se buscou o consentimento afegão e internacional ao chamado "Plano de reconciliação"
que prevê uma despesa de US$ 784 milhões ao longo de cinco anos, para recolocar na
sociedade 36 mil insurgentes.
Todavia, segundo fontes oficiais citadas pela
imprensa internacional, os Estados Unidos investiram, até agora, apenas US$ 200 mil
no plano e, desde abril, apenas 100 insurgentes aliaram-se ao Governo, frente aos
nove mil que o fizeram nos últimos cinco anos.
No último dia 4, Karzai anunciou
a criação de um Conselho de Paz composto por 50 membros, cujas identidades ele revelaria
após o fim do mês do jejum de Ramadã. Mas esse passo – como tantos outros – foi criticado
pelo movimento insurgente.
"A formação de uma nova "Shura" (Conselho) em nome
da paz é a repetição de experiências de fracasso anteriores" – observou um porta-voz
talibã, em declarações à agência afegã AIP.
Os fundamentalistas insistem em
que não aceitarão nenhum diálogo, enquanto as tropas estrangeiras não abandonarem
o país; enquanto isso, eles continuam boicotando as iniciativas do Governo e atacando
as forças internacionais e afegãs.
A prova de que o movimento talibã continua
no auge é que a Comissão Eleitoral declarou o pleito de amanhã como "de alto risco",
e decidiu manter fechados 938 colégios (do total de 6.835) em 25 das 34 províncias
afegãs, sobretudo no sudeste "pashtun". Os cerca de 50 mortos nas últimas eleições
– as presidenciais de 20 de agosto de 2009 – em consequência da violência talibã,
são motivo suficiente para isso.
"A crescente violência no país dificultará,
sem dúvida alguma, o processo eleitoral e dará ensejo a que haja uma significativa
fraude nestas eleições", disse à agência espanhola de notícias EFE, o analista Wadir
Safi, professor na Universidade de Cabul.
Mas não é apenas a previsão de ataques
talibãs que ofusca o sucesso do pleito eleitoral. Durante as últimas semanas, os candidatos
viram como o movimento talibã – que qualificou o pleito como uma forma de ampliar
a "ocupação" do país – os impedia de desenvolver suas campanhas. "Não é possível ter
boas eleições sem uma boa campanha" – disse à EFE, o candidato Daoud Sultanzoy que
pretende revalidar sua cadeira no Parlamento, pela província de Ghazni.
Sultanzoy
explicou que muitos dos candidatos a deputado não conseguem participar de atos eleitorais,
especialmente no sul e leste afegãos, áreas de tradicional domínio talibã.
Até
o momento, pelo menos três candidatos e mais de 12 membros de equipes da campanha
eleitoral morreram em fatos violentos; dezenas deles foram sequestrados, e centenas
receberam ameaças desde o início da campanha.
O contraste com o último pleito
parlamentar – em 2005 – é incontestável: na ocasião, as eleições ocorreram num clima
de quase normalidade, o que gerou reflexões sobre a suposta fraqueza da insurreição
talibã. No entanto, agora se admite abertamente, que o movimento talibã tem capacidade
para causar um grande estrago.
Em 2005 também não se ventilava a possibilidade
de negociar com os insurgentes; agora, foi aberto um processo formal, justamente quando
a guerra está em um de seus piores momentos. Julho, de fato, foi o mês com mais baixas
militares norte-americanas (66 mortos) e junho foi o mais sangrento para o conjunto
das forças internacionais (102 mortos) que, nestes nove meses de 2010, já perderam
mais de 500 homens.
Para os civis, a situação é ainda pior. Durante o primeiro
semestre de 2010, 1.271 civis morreram, vítimas do conflito: 21% a mais do que nos
primeiros seis meses de 2009, segundo um relatório da ONU. (AF)