Bento XVI destaca «alma portuguesa» no encontro com a cultura, em Lisboa. Cita Camões
e lembra epopeia dos Descobrimentos
Bento XVI deixou hoje rasgados elogios à “alma portuguesa”, considerando que o país
tem uma “forte tradição cultural”. Num encontro com representantes do pensamento,
da ciência, da cultura e da arte em Portugal, o Papa mostrou a sua admiração pelo
“sentido da vida e da história, de que fazia parte um universo ético e um «ideal»
a cumprir por Portugal, que sempre procurou relacionar-se com o resto do mundo”. A
cerimónia contou com uma saudação de D. Manuel Clemente, enquanto presidente da comissão
episcopal responsável pela área da cultura, e do cineasta Manoel de Oliveira, a quem
Bento XVI manifestou “admiração e afecto”. Desde os primórdios, que as artes estiveram
“estreitamente ligadas às religiões e o cristianismo foi pródigo em expressões artísticas
depois da passagem de Cristo pela terra e até aos dias de hoje”, afirmou esta Quarta-feira
o cineasta Manoel Oliveira. No discurso – intitulado a «Religião e Arte» -, o cineasta
considerou estes dois conceitos, “ainda que de um modo distinto é certo, intimamente
voltados para o homem e o universo, para a condição humana e a natureza Divina”. Nas
suas palavras, Manoel de Oliveira considera que “as raízes da nação portuguesa e a
de toda a Europa, quer queiramos ou não”, são cristãs. Não querendo alongar-me
mais, aproveito a circunstância para, como pertencente à família cristã, de cujos
valores comungo, e que são as raízes da nação portuguesa e a de toda a Europa, quer
queiramos ou não, saudar com profunda veneração sua Santidade, o Papa Bento XVI em
visita ao nosso País e rogar filialmente que nos deixe a Sua bênção. Bento
XVI evocou a epopeia dos Descobrimentos e a marca cristã na “tradição cultural portuguesa”. O
Papa disse que os descobridores e missionários eram movidos por “um sentido de responsabilidade
global” que nasce da “milenária influência do cristianismo”. “O ideal cristão da
universalidade e da fraternidade inspiravam esta aventura comum, embora a influência
do iluminismo e do laicismo se tivesse feito sentir também”, declarou. Esta tradição
originou, segundo Bento XVI, “aquilo a que podemos chamar uma «sabedoria»” que não
deve ser esquecida. A dinâmica da sociedade absolutiza o presente, isolando-o
do património cultural do passado e sem a intenção de delinear um futuro. Mas uma
tal valorização do «presente» como fonte inspiradora do sentido da vida, individual
e em sociedade, confronta-se com a forte tradição cultural do Povo Português, muito
marcada pela milenária influência do cristianismo, com um sentido de responsabilidade
global, afirmada na aventura dos Descobrimentos e no entusiasmo missionário, partilhando
o dom da fé com outros povos. O ideal cristão da universalidade e da fraternidade
inspiravam esta aventura comum, embora a influência do iluminismo e do laicismo se
tivesse feito sentir também. A referida tradição originou aquilo a que podemos chamar
uma «sabedoria», isto é, um sentido da vida e da história, de que fazia parte um universo
ético e um «ideal» a cumprir por Portugal, que sempre procurou relacionar-se com o
resto do mundo. A Igreja aparece como a grande defensora de uma sã e alta
tradição, cujo rico contributo coloca ao serviço da sociedade; esta continua a respeitar
e a apreciar o seu serviço ao bem comum, mas afasta-se da referida «sabedoria» que
faz parte do seu património. Este «conflito» entre a tradição e o presente exprime-se
na crise da verdade, pois só esta pode orientar e traçar o rumo de uma existência
realizada, como indivíduo e como povo. De facto, um povo, que deixa de saber qual
é a sua verdade, fica perdido nos labirintos do tempo e da história, sem valores claramente
definidos, sem objectivos grandiosos claramente enunciados. Bento XVI defendeu
que a Igreja tem de aprender “a estar no mundo, levando a sociedade a perceber que,
proclamando a verdade, é um serviço que a Igreja presta à sociedade, abrindo horizontes
novos de futuro, de grandeza e dignidade”. Este diálogo deve acontecer “sem ambiguidades”
e respeitando “as partes nele envolvidas”, algo que o Papa considerou “uma prioridade
para o mundo de hoje, à qual a Igreja não se substrai”. O diálogo sem ambiguidades
e respeitoso das partes nele envolvidas é hoje uma prioridade no mundo, à qual a Igreja
não se subtrai. Disso mesmo dá testemunho a presença da Santa Sé em diversos organismos
internacionais, nomeadamente no Centro Norte-Sul do Conselho da Europa instituído
há 20 anos aqui em Lisboa, tendo como pedra angular o diálogo intercultural a fim
de promover a cooperação entre a Europa, o Sul do Mediterrâneo e a África e construir
uma cidadania mundial fundada sobre os direitos humanos e as responsabilidades dos
cidadãos, independentemente da própria origem étnica e adesão política, e respeitadora
das crenças religiosas. Constatada a diversidade cultural, é preciso fazer com que
as pessoas não só aceitem a existência da cultura do outro, mas aspirem também a receber
um enriquecimento da mesma e a dar-lhe aquilo que se possui de bem, de verdade e de
beleza.