Dulce Araújo, de São Tomé, fala do país e da Igreja deste país lusófono
Roças, roças e roças. São Tomé é essencialmente isto: uma ilha de 875 km coberta por
uma densa vegetação orlada pelo mar azul. Roças de cacau e café introduzidas pelos
portugueses a partir de 1800 em substituição da economia esclavagista e da cana de
açúcar entrada, entretanto, em decadência. A escravatura tinha sido abolida. Mas,
a mão de obra escrava era necessária para essas novas plantações. Então, os portugueses
mandaram vir pessoas das outras colónias: sobretudo de Cabo Verde e Angola, mas também
de Moçambique, Guiné-Bissau. Chamavam-se “contratados”. Na realidade a diferença com
a escravatura era mínima. As pessoas que vivem hoje nas roças são seus descendentes,
ou mesmo as que continuaram ainda a vir nos anos 60. A independência do país a
12 de Julho de 1975 (35 anos daqui a poucos dias) não melhorou nada para elas. Antes
pelo contrario! Ficaram abandonadas à sua sorte. A maioria vive na miséria, em pequenas
casas de madeira à beira da estrada ou escondidas no interior das roças. Ali a estrutura
continua a ser a mesma: casa grande e senzala. Só que a casa grande com as suas estruturas
hospitalares, de administração e exportação, está fechada, ocupada ou danificada.
O Estado de São Tomé que nacionalizou as roças depois da independência não foi capaz,
até hoje, de as reabilitar e de dar uma vida digna às pessoas que lá vivem: muito
mais das cerca de 2500 que tinham algumas delas antigamente – disse-nos um descendente
de contratados na Roça Rio do Ouro, dizendo que o governo deveria confiá-las a pessoas
capazes de as gerir em novos moldes. Uma situação que gera falta de esperança, de
auto-estima e passividade nas pessoas, aumentando ainda mais a sua pobreza. Os
bispos que tomam parte neste encontro puderam ver isso tudo com os próprios olhos
nas visitas destes dois dias sobretudo ao Norte da Ilha. Mas puderam ver também o
fervor cristão, em Neves por ex., onde sábado foram acolhidos em festa por essa comunidade
composta sobretudo por originários de Cabo Verde. A Liturgia foi de facto presidida
pelo bispo de Santiago, D. Arlindo Furtado. Na homilia evocou São Paulo para dizer
que ninguém é estrangeiro ou hóspede em Cristo, aludindo assim a um outro problema
do país: a não concessão de cidadania, e um tratamento de segunda classe a esses cidadãos
que vivem em São Tomé há décadas. Uma realidade de pobreza e exclusão social que
bem se coaduna com o tema escolhido para este nono encontro dos bispos lusófonos:
a Igreja na luta contra a pobreza. Este domingo os bispos concelebraram no adro da
Sé catedral, onde o bispo anfitrião, D. Manuel António dos Santos, conferiu a ordenação
sacerdotal a um filho da Terra, Fausto Matos, e comemorou ao mesmo tempo, os 25 anos
do seu sacerdócio, vivendo assim a alegria o Ano Sacerdotal que, nalgumas dioceses
ainda não foi encerrado. Os trabalhos do encontro continuam, alternados por visitas
às comunidades, a partir de hoje em direcção ao Sul da Ilha, onde predominam oriundos
de Angola nas roças.