2010-05-30 13:12:38

ONU: ESCRAVIDÃO É CRIME QUE DEVE SER PUNIDO


Brasília, 30 mai (RV) - “O governo brasileiro implementou políticas exemplares de combate às formas contemporâneas de escravidão no país. Contudo, há proprietários de terra, empresas e intermediários, como os ‘gatos’, que encontraram formas de evitar processos criminais aproveitando brechas na legislação que atrasam a justiça e fomentam a impunidade”, disse a Relatora Especial da ONU para Formas Contemporâneas de Escravidão, a Sra. Gulnara Shahinian, ao final de sua visita ao Brasil, “Escravidão é crime que não pode deixar de ser punido”. O informe foi enviado à RV pela Comissão de Direitos Humanos da ONU.

“O Brasil tem potencial de se tornar a quinta maior economia do mundo, mas isso não deve acontecer à custa dos direitos das pessoas. O trabalho forçado em áreas rurais, uma prática análoga à escravidão, é mais prevalente na pecuária e, em segundo lugar, no setor sucroalcoleiro, a partir do qual é produzido o etanol. As vítimas são, sobretudo, homens e jovens a partir de 15 anos de idade. Nos centros urbanos, o trabalho forçado aparece na indústria de confecção. Esses setores necessitam uma reforma urgente, a fim de evitarem-se práticas análogas à escravidão, tais como trabalho forçado. Em todas essas situações, as vítimas de trabalho forçado trabalham longas jornadas, recebendo pouco ou nenhum pagamento. São sujeitas à violência, ou ameaça de violência, seja física, psicológica ou sexual.”

“Programas abrangentes e sustentáveis devem ser adotados para garantir aos trabalhadores mais vulneráveis seus direitos humanos básicos, tais como alimentação, água, saúde e educação e para garantir uma reabilitação sustentável das vítimas, bem como sua inserção na vida econômica e nas redes de proteção social. A educação fornecida deve incluir qualificação profissional e programas de alfabetização de adultos. Tais medidas devem ser complementadas por ações governamentais que protejam o direito ao trabalho de grupos vulneráveis, tais como afro-descendentes e indígenas, para que eles não precisem se submeter ao trabalho forçado.”

A Relatora Especial reconheceu que os defensores dos direitos das vítimas foram ameaçados, lesados e mortos. “As medidas de garantia de segurança dos defensores de direitos humanos no Brasil devem ser fortalecidas e aplicadas. Elas devem incluir a proteção de indivíduos que trabalhem tanto na sociedade civil como em instituições governamentais, nas ações de informação, resgate, libertação e reinserção das vítimas de formas contemporâneas de escravidão”.

A Relatora Especial felicitou o Brasil por abertamente discutir e enfrentar o trabalho forçado: “O Governo Brasileiro liderou o combate ao trabalho forçado. Criou os Grupos Móveis de Fiscalização e publica a ‘Lista Suja’, expondo todas as fazendas e empresas que fazem uso de trabalho escravo. As empresas constantes da lista têm acesso negado ao financiamento público. O Governo estabeleceu também uma comissão nacional com a representatividade de vários atores, criou um bem suprido Plano Nacional de Combate ao Trabalho Forçado e formou um Pacto Nacional com o setor privado para combater o trabalho forçado em toda a cadeia de valor.

“Esta ações exemplares correm o risco de serem ofuscadas pela impunidade de que gozam alguns proprietários de terra e empresas”. Ainda que penalidades civis tenham sido aplicadas com sucesso, penalidades criminais permanecem sem aplicação. Conflitos de jurisdição e atrasos no sistema judiciário fazem, frequentemente, com que a prescrição permita que os culpados gozem de impunidade. Embora o trabalho forçado seja um crime grave, réus primários podem ser condenados apenas a prisão domiciliar ou serviços à comunidade, em certas circunstâncias.

A Relatora Especial elogiou a recente decisão do Supremo Tribunal confirmando que compete aos tribunais federais a competência de julgar criminalmente os casos de trabalho forçado, pondo fim à incerteza anterior. Além disso, ela recomendou que se aumentasse para cinco anos a pena mínima para o crime de trabalho forçado, estendendo, assim, o prazo de prescrição.

“A mensagem mais clara que o Governo Brasileiro pode dar à população para mostrar que o crime de escravidão não deixará de ser punido é aprovar a emenda constitucional conhecida como PEC 438/01, que permitiria a expropriação das terras onde fosse encontrado trabalho forçado. Tal expropriação ocorreria sem o pagamento de indenização e a terra seria redistribuída, dando-se prioridade aos trabalhadores anteriormente mantidos em condições análogas à escravidão,” disse a Sra. Shahinian.

“O Congresso Brasileiro começou a debater essa emenda constitucional há nove anos. Ainda assim, pouco se progrediu quanto a essa excelente proposta. A sua aprovação mostrará que o Brasil está, de fato, fortemente decidido a lutar contra a escravidão”, disse a Sra. Shahinian.

Durante sua visita, a Sra. Shahinian teve reuniões com autoridades governamentais, organizações internacionais, setor privado e ONGs e visitou comunidades em São Paulo, Cuibá, Imperatriz, Açailândia e Brasília. Nas áreas rurais, a Relatora Especial conversou pessoalmente vítimas de trabalho forçado e práticas análogas à escravidão nos setores de pecuária e cana-de-açúcar. A Relatora Especial entrevistou também vítimas da indústria de confecção.

Gulnara Shahinian foi nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU como Relatora Especial sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, incluindo suas causas e consequências, cargo criado em maio de 2008. Ela é uma advogada armênia com longa experiência como consultora e especialista para vários órgãos da ONU, União Europeia, Conselho da Europa, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e órgãos de governo sobre os direitos da criança, gênero, migração e tráfico. Shahinian também é ex-administradora do Fundo Voluntário da ONU sobre Formas Contemporâneas de Escravidão.
(CM)







All the contents on this site are copyrighted ©.