Cidade do Vaticano, 23 mai (RV) - Estamos concluindo o tempo pascal. Durante
cinqüenta dias, estivemos refletindo os mistérios da morte, ressurreição e ascensão
de Jesus Cristo. Hoje, concluímos com a solenidade de Pentecostes, que é o cumprimento
da promessa de Cristo, que dá à sua Igreja o seu Espírito.
A estrutura da Páscoa
está ligada à celebração pascal do Antigo Testamento. É Lucas evangelista que nos
oferece essa ligação, a fim de nos transmitir, didaticamente, o desenrolar deste tempo
em cinqüenta dias. É importante ressaltar que João não usa esse método didático de
Lucas, e cita a comunicação do Espírito aos Apóstolos no mesmo dia da Ressurreição.
Isso não quer dizer que há uma contradição. A questão é que Lucas queria mostrar para
os judeus que o Espírito Santo substituiu a Lei antiga. Para isso, serviu-se das festas,
dos sinais e do tempo do Antigo Testamento, para compor a narrativa pascal, sem fugir
da historicidade do fato da presença de Jesus Cristo com os seus apóstolos.
O
pentecostes, no Antigo Testamento, é caracterizado como festa da colheita (cf. Ex
23,14), festa do dom da Lei (cf. Ex 19,1-16) e festa da renovação da Aliança do Sinai
(cf. 2Cr 15,10-13). A origem dessa festa fez parte do calendário do antigo povo cananeu
e era chamada de festa agrícola. Quando o povo de Deus se estabeleceu em Canaã, assumiu
também essa festa, completando um calendário de três festas significativas: páscoa,
juntamente com a dos Ázimos, Colheitas ou Semanas, que depois do domínio grego passou
a ser chamada de pentecostes, e Tabernáculos ou Cabanas (cf. Ex 23,14-17; 34,18-23).
A festa da Colheita era alegre e solene (Dt 16,11), exclusiva ao Senhor (Dt 16,10),
universal (Dt 16,11); era um agradecimento a Deus pelo dom da Lei (Dt 15,12) e pela
vida; também era um dia sagrado (Lv 23,21).
Observe que Lucas ao refletir sobre
o Pentecostes no Antigo Testamento, objetiva fazer com que todos se voltem para o
Espírito de Jesus, como Nova Lei de Deus. É possível entender em Lucas a concretização
de algumas figuras, a saber: quando Moisés sobe o monte Sinal aí encontramos uma figura
da Ascensão de Jesus. No monte, Moisés recebe o dom da Lei, e Jesus, na ascensão,
é entronizado à direita do Pai. Moisés entrega a Lei ao Povo, Jesus, por sua vez,
concede o Dom do Espírito Santo. Ainda, quando Moisés se encontra com o Senhor, surgem
trovões, vento e fogo (cf. Ex 19,16; 20,18), o que significa, segundo os rabinos,
que a Lei é para todos, porque tinha tomado a forma de setenta (70) línguas de fogo.
Essas imagens servem para Lucas como um indicativo para o fato de pentecostes, que
é o Dom do Espírito para a Igreja. Ele veio como que em línguas de fogo, tornando
a Igreja seu legítimo instrumento para a salvação do mundo inteiro.
O texto
lucano mostra que o Espírito Santo é a Nova Lei para os cristãos, e é também aquele
que vem transformar o nosso coração, vem como vida de Deus a nossa vida, dando-nos
a condição de vivermos somente do amor e no amor. O ensinamento de Lucas também quer
nos indicar a linguagem da unidade no Espírito de Deus. O mundo que se divide é o
mundo do não Deus, o mundo do egoísmo, do individualismo, da discórdia e da busca
de si mesmo, um mundo semelhante àquele da época de Babel (cf. Gn 11,1-9); esse é
o mundo da carne (cf. Rm 8,8). Esse tipo de mundo é infértil, desumano, desorientado
e sem vida, nele nada se constrói, e tudo tende para o nada. Somente no Espírito de
Deus, falando a mesma língua do amor, podemos encontrar o horizonte da nossa existência,
o valor da nossa humanidade e o verdadeiro conhecimento de Deus.
Quando meditamos
sobre a realidade no mundo de hoje, estremecemos. O que devemos fazer? Acredito que
devemos urgentemente nos abrir ao Espírito do Ressuscitado. Por meio dele, é possível
acolhermos a iniciativa de Jesus Cristo, que vem ao nosso encontro, como fez no dia
da ressurreição, indo se encontrar com os apóstolos. Nesse encontro, encorajou-os,
deu-lhes sua paz, confirmou-os na fé, soprou sobre eles o seu Espírito (sinal da nova
criação) e os enviou com a missão de salvar o mundo do pecado. Ainda nesse encontro,
deu-se a concretização da Nova e Eterna Aliança, do Novo Povo de Deus e da Nova Criação.
Nós somos esse novo povo de Deus, renascidos da água e do Espírito, para cumprirmos
o objetivo primeiro da criação: vivermos na comunhão com o Pai, por meio do Filho,
no seu Espírito; e ainda, no mesmo Espírito, em nossos dias, construirmos um reino
de paz, justiça e perdão.
Que este Pentecostes seja de estímulo missionário
em nossa vida e para o nosso ideal cristão. Amém.