Rio de Janeiro, 14 mai (RV) - Acompanhamos com alegria e devoção a viagem do
Papa Bento XVI a Portugal e, em especial, a sua visita como peregrino a Fátima. Ele
mesmo disse que foi como peregrino celebrar os 10 anos da canonização dos pastorinhos
Francisco e Jacinta. Recordamos com muita emoção toda a mensagem de Fátima, que quer
trazer à tona aquilo que a revelação cristã já assumiu, mas que necessita sempre ser
renovado. É o mistério da revelação particular.
No mês de maio a cada ano comemoramos
também o Dia das Mães, mas nos lembramos principalmente daquela que é o grande exemplo
de Mãe e de Mulher: Nossa Senhora. Maria ocupa um lugar especial na história da Salvação
e por isso ela é digna de todo o respeito e veneração, pois Deus quis utilizar-se
de Maria de Nazaré para fazer com que seu Divino Filho chegasse até nós – “Quando
chegou à plenitude dos tempos, mandou o seu Filho, nascido de mulher... para que recebêssemos
a adoção de filhos” (Gl 4,4-5). Constantemente, na história da salvação, Deus manifesta
o seu amor de Pai junto a seu povo. O amor é revelado por meio de uma eleição: uma
jovem é separada para que por meio dela o Filho de Deus pudesse assumir a humanidade
decaída com o pecado. Assim como por meio de uma mulher (Eva), o pecado “entrou” no
mundo, Deus separa uma mulher para que por meio dela chegue a Salvação: dá-se uma
nova criação. Há um novo Adão e, do seu lado é tirada a mulher, a nova Eva; um novo
povo é constituído.
Maria é a Mulher do sim. O sim dado ao Amor. A obediência
dada por amor. A entrega dada no amor. Desta maneira, Maria tem uma grande importância
na história da salvação e na vida dos cristãos. Certamente, a Virgem tem na Bíblia
um lugar discreto. Ela aí é representada toda em função de Cristo e não por si mesma.
Mas sua importância consiste na estreiteza de seus laços com Cristo. Maria está presente
em todos os momentos de importância fundamental na história da salvação: não somente
no princípio (Lc 1 – 2) e no fim (Jo 19,27) da vida de Cristo, mistérios da Encarnação
e da morte redentora, mas na inauguração de seu ministério (Jo 2) e no nascimento
da Igreja (At 1,14). Presença discreta, na maior parte das vezes, silenciosa, animada
pelo ideal de uma fé pura e de um amor pronto a compreender e a servir aos desejos
de Deus e dos homens (Lc 1,38-39.46-56; Jo 2,3).
No Evangelho de Mateus, a
pessoa de Maria aparece em dois momentos: nos relatos da infância (cf. Mt 1-2) e no
ministério apostólico de Jesus (cf. Mt 12,46-50; 13,54-58). O Evangelho de Mateus
nos fala que Maria está intimamente ligada ao seu Filho Jesus Cristo desde antes do
nascimento e, uma vez nascido para o mundo, está unida a Ele nos momentos fundamentais
de sua vida e de seu ministério. Assim, Maria aparece, mesmo sem palavras, como testemunha
da graça abundante de Deus para seu povo, e também como mãe que cuida e acompanha
o Filho de suas entranhas.
No Evangelho de Marcos a pessoa de Maria aparece
em duas passagens: Mc 3,31-35 e Mc 6, 3-4. Nestes textos, Maria é a mãe biológica
de Jesus que busca entender o filho juntamente com seus familiares. A mulher maternalmente
solícita pela sorte do filho, mas que também é convocada a ser discípula na busca
de compreender Jesus e sua missão e acolher a sua proposta. Ela também podia estar
entre os primeiros a nutrir preocupações ainda muito humanas pela missão e a obra
de Jesus.
De todos os Evangelhos, Lucas é o que mais nos fala de Maria. Primeiramente
nos relatos da infância, em seguida no marco da atividade apostólica de Jesus, com
quatro textos, dois dos quais coincidem com as tradições de Marcos e de Mateus (cf.
Lc 4,16-30 e 8,19-21) e outros dois que pertencem à tradição própria de Lucas (cf.
Lc 3,23 e 11,27-28); por último, no começo dos Atos dos Apóstolos, quando se inicia
a história da Igreja (cf. At 1,14). Em Lucas percebemos a participação e a cooperação
de Maria no plano da salvação, desde a anunciação até o início da Igreja: “todos estes
unânimes, perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe
de Jesus, e com seus irmãos” (At 1,14).
A figura de Maria aparece no quarto
Evangelho em duas ocasiões: no começo e no final do Evangelho. Em ambas, Maria é chamada
“a Mãe de Jesus” (cf. Jo 2,1. 3.5; 19,26), e em ambas a palavra do Mestre vai dirigida
a ela com o nome de “mulher” (cf. 2,3;19,26). No Evangelho de João, Maria é chamada
por dois nomes: “Mãe de Jesus” e “Mulher”. Enquanto a expressão “Mãe de Jesus” é um
título que contrasta com a outra afirmação, “filho de José”, o termo “mulher” é comum
em Jesus para dirigir-se às mulheres (cf. Mt15, 28; Lc13, 12; Jo4, 21; 8,10; 20,13).
Contudo, aqui, dito à sua Mãe tem uma conotação especial: o termo “mulher” dirigido
por Jesus é um termo joânico que aparece em duas ocasiões (em Caná e na cruz) e forma
uma espécie de inclusão. A mulher está presente no começo e no fim da vida pública,
no momento em que o Messias inicia suas obras e na hora da morte, quando consuma sua
obra.
Maria é de suma importância para a nossa fé e para nos inspirar a fazer
a vontade de seu Filho: “fazei tudo o que ele vos disser” (Cf. Jo 2,5b). Diante disso,
o nosso Papa Bento XVI, na V Conferência de Aparecida, fez ver este papel de Maria
tão importante no seio da Igreja: “Como na família humana, a Igreja-família é gerada
ao redor de uma mãe, que confere “alma” e ternura à convivência familiar. Maria, Mãe
da Igreja, além de modelo e paradigma da humanidade, é artífice de comunhão. Um dos
eventos fundamentais da Igreja é quando o “sim” brotou de Maria. Ela atrai multidões
à comunhão com Jesus e na sua Igreja, como experimentamos muitas vezes nos santuários
marianos. Por isso, como Virgem Maria, a Igreja é mãe” (Documento de Aparecida, n.
268).
Portanto, não podemos excluir Maria da nossa espiritualidade e da nossa
vivência cristã, pois, onde Maria se torna ausente, também Cristo se torna irreal
e abstrato. Em qualquer lugar da cristandade onde apareça Maria, cada coisa abstrata,
cada forma vazia, assim como cada obstáculo desaparece e cada alma é imediatamente
tocada pelo mundo celestial. Peçamos a Intercessão de Maria para que a cada dia possamos
servir o seu Divino Filho e a sua Igreja.
Que as celebrações marianas nos ajudem
a buscar o Cristo Senhor como nosso Salvador e para quem Maria nos aponta e manda
que nos dirijamos e, levados pelo carinho filial, depositemos em Maria, nossa mãe,
a nossa oração, o nosso pedido, para que possamos em tudo fazer a vontade do Pai que
está nos céus.
Nesta nossa peregrinação temos Maria que nos acompanha com amor
materno e nos ajuda a viver mais ainda com o Seu divino Filho, Nosso Senhor Jesus
Cristo.
+ Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ (CM)