O NOSSO TEMPO E O SÁBADO SANTO: MEDITAÇÃO DO PAPA EM TURIM
Caros amigos,
Este é um momento para mim muito esperado. Em outra ocasião estive
diante do Santo Sudário, mas desta vez vivo esta peregrinação e esta pausa com particular
intensidade: talvez porque o passar dos anos me torna ainda mais sensível à mensagem
deste extraordinário Ícone; talvez, e diria sobretudo, porque estou aqui como Sucessor
de Pedro, e trago em meu coração toda a Igreja, ou melhor, toda a humanidade. Agradeço
a Deus pelo dom desta peregrinação, e também pela oportunidade de partilhar com vocês
uma breve meditação, que me foi sugerida pelo subtítulo desta solene Exposição: “O
mistério do Sábado Santo”.
Pode-se dizer que o Santo Sudário é o Ícone desse
mistério, Ícone do Sábado Santo. De fato, ela é um tecido sepulcral, que envolveu
o corpo de um homem crucificado em tudo correspondente a quanto os evangelhos nos
dizem de Jesus, o qual, crucificado por volta do meio-dia, expirou por volta das 3
da tarde. Chegando a noite, visto que era um dia de Preparação, isto é a véspera do
sábado solene de Páscoa, José de Arimatéia, um rico e importante membro do Sinédrio,
pediu corajosamente a Pôncio Pilatos para sepultar Jesus em seu sepulcro novo, que
havia feito escavar na rocha a pouca distância do Gólgota. Obtida a permissão, comprou
um lençol e, deposto o corpo de Jesus da cruz, o envolveu com aquele lençol e o colocou
naquela tumba (cfr Mc 15, 42-56). Assim refere o Evangelho de Marcos, e com ele concordam
os outros evangelistas. Daquele momento, Jesus permaneceu no sepulcro até a aurora
do dia depois do sábado, e o Sudário de Turim nos oferece a imagem de como estava
o seu corpo deitado na tumba durante esse tempo, que foi breve cronologicamente (cerca
de um dia e meio), mas foi imenso, infinito em seu valor e no seu significado.
O
Sábado Santo é o dia do “escondimento” de Deus, como se lê em uma antiga homilia:
“O que aconteceu? Hoje sobre a terra há grande silêncio, grande silêncio e solidão.
Grande silêncio porque o Rei dorme... Deus morreu na carne e desceu para abalar a
mansão dos mortos” (Homilia sobre o Sábado Santo, PG 43, 439). No Credo, nós professamos
que Jesus Cristo “padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado,
desceu à mansão dos mortos, e no ressuscitou ao terceiro dia”.
Caros irmãos,
nesse nosso tempo, especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade
tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O “escondimento” de
Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira existencial,
quase inconsciente, como um vazio no coração que foi alargando-se sempre mais. No
fim do século XIX, Nietzsche escrevia: “Deus morreu! E nós o matamos!”. Essa célebre
expressão, observando melhor, é tomada quase literalmente da tradição cristã, e frequentemente
a repetimos na Via Crucis, talvez sem nos dar conta plenamente do que dizemos. Depois
de duas guerras mundiais, os lagers e gulags, Hiroshima e Nagasaki, a nossa época
tornou-se sempre mais um Sábado Santo: a escuridão deste dia interpela a todos aqueles
que se interrogam sobre a vida, em especial, interpela a nós, os que cremos. Também
nós temos relação com esta escuridão.
Porém, a morte do Filho de Deus, de Jesus
de Nazaré tem um aspecto oposto, totalmente positivo, fonte de consolação e de esperança.
E isto me faz pensar ao fato de que o Santo Sudário se comporta como um documento
“fotográfico”, dotado de um “positivo” e de um “negativo”. E com efeito é assim mesmo:
o mistério mais obscuro da fé é ao mesmo tempo o sinal mais luminoso de uma esperança
que não tem fronteiras. O Sábado Santo é uma “terra de ninguém” entre a morte e a
ressurreição, mas nesta “terra de ninguém” entrou Alguém, o Único, que a atravessou
com os sinais de sua Paixão pelo homem: “Passio Christi. Passio hominis”. E o Sudário
nos fala exatamente deste momento, testemunha precisamente este intervalo único e
irrepetível da história da humanidade e do universo, no qual Deus, em Jesus Cristo,
partilhou não só o nosso morrer, mas também o nosso permanecer na morte. A solidariedade
mais radical.
Neste “tempo além do tempo” Jesus Cristo desceu à mansão dos
mortos. O que significa esta expressão? Quer dizer que Deus, feito homem, chegou até
o ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega nenhum raio
de amor, onde reina o abandono total sem nenhuma palavra de conforto: “a mansão dos
mortos”. Jesus Cristo, permanecendo na morte, ultrapassou a porta desta solidão última
para guiar também a nós e ultrapassá-la com Ele. Todos sentimos alguma vez uma sensação
assustadora de abandono, e o que da morte nos dá mais medo é exatamente isso, como
quando criança tínhamos medo de estar sozinhos no escuro e somente a presença de uma
pessoa que nos ama nos podia dar confiança. Assim, exatamente isso aconteceu no Sábado
Santo: no reino da morte resoou a voz de Deus. Aconteceu o impensável: que o Amor
penetrou “na mansão dos mortos”: também nas trevas extremas da solidão humana mais
absoluta nós podemos ouvir uma voz que nos chama a encontrar uma mão que nos tomar
e nos leva para fora. O ser humano vive pelo fato que é amado e pode amar; e se também
no espaço da morte for penetrado pelo amor, então também lá chegou a vida. Na hora
da extrema solidão não estaremos nunca sozinhos: “Passio Christi. Passio hominis”.
Esse
é o mistério do Sábado Santo! Exatamente de lá, das trevas da morte do Filho de Deus,
despontou a luz de uma esperança nova: a luz da Ressurreição. E assim, me parece que
olhando este sagrado tecido com os olhos da fé se possa perceber algo dessa luz. De
fato, o Sudário foi imergido naquela escuridão profunda, mas ao mesmo tempo luminosa;
e eu creio que se milhares e milhares de pessoas vêm venerá-lo – sem contar aquelas
que a contemplam através de imagens – é porque nele não vêem somente as trevas, mas
também a luz; não tanto o fracasso da vida e do amor, mas sobretuto a vitória, a vitória
da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio; vêem sim a morte de Jesus, mas vislumbram
a sua Ressurreição; no seio da morte pulsa agora a vida, já que ali fez morada o amor.
Este é o poder do Sudário: do rosto desse “homem das dores”, que traz sobre si a paixão
do homem de todos os tempos e lugares, também as nossas paixões, os nossos sofrimentos,
as nossas dificuldades, os nossos pecados – “Passio Christi, Passio hominis” – emana
uma solene majestade, um senhorio paradoxal. Este rosto, estas mãos e estes pés, este
lado aberto, todo este corpo fala, é ele mesmo uma palavra que podemos escutar no
silêncio. Como fala o Sudário? Fala com o sangue, e o sangue é a vida! O Sudário é
um ícone escrito com sangue; sangue de um homem flagelado, coroado de espinhos, crucificado
e ferido no lado direito. A imagem impressa sobre o Sudário é aquela de um morto,
mas o sangue fala de sua vida. Cada traço de sangue fala de amor e de vida. Especialmente
aquela mancha abundante próxima ao lado aberto, feita de sangue e água que saíram
copiosamente de uma grande ferida realizada por um golpe de lança romana, aquele sangue
e aquela água falam de vida. É como uma fonte que murmura no silêncio, e nós possamos
ouvi-la, possamos escutá-la, no silêncio do Sábado Santo.
Caros amigos, louvemos
sempre o Senhor por seu amor fiel e misericordioso. Partindo deste lugar santo, levemos
nos olhos a imagem do Sudário, levemos no coração esta palavra de amor, e louvemos
a Deus com uma vida plena de fé, de esperança e de caridade. Obrigado.