Junto da Síndone Bento XVI medita sobre "o mistério do Sábado Santo", tempo do silêncio
do Deus escondido, traço da espiritualidade do homem de hoje
(2/5/2010) “O mistério do Sábado Santo” – subtítulo atribuído à solene ostensão
do Santo Sínodo, este ano, foi o tema da meditação proposta por Bento XVI, neste domingo
à tarde, deslocando-se à catedral de Turim para venerar aquele lençol onde teria sido
amortalhado o corpo de Jesus, para a sua sepultura. Começando por declarar encontrar-se
ali como sucessor de Pedro - levando consigo “toda a Igreja, mais ainda, toda a humanidade”
- o Papa referiu-se ao Sudário como um “ícone do Sábado Santo”, “do mistério do Sábado
Santo”. Como diz uma antiga homilia, o Sábado Santo está envolvido num “grande
silêncio, silêncio e solidão”. Como se Deus estivesse escondido. Deus morreu na carne
e desceu ao “reino inferior”, “aos infernos”, “à mansão dos mortos”.
“No nosso
tempo, especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade tornou-se
particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento de Deus faz parte
da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira existencial, quase inconsciente,
como um vazio do coração que se tem vindo a alargar cada vez mais”.
Como escrevia
Nietzsche nos finais do século XIX (“Deus morreu, e fomos nós que o matamos), também
nós, na Via Sacra, usamos palavras semelhantes, porventura sem nos darmos bem conta
do que estamos a dizer...
“Após as duas guerras mundiais, depois dos lager
e dos gulag, após Hiroshima e Nagasaki, a nossa época tornou-se em medida cada
vez maior um Sábado Santo: a obscuridade daquele dia interpela todos os que se interrogam
sobre a vida, e interpela de modo particular todos nós, crentes”.
“E contudo,
a morte do Filho de Deus, de Jesus de Nazareth, tem um aspecto oposto, totalmente
positivo, fonte de consolação e de esperança”…
“O Sábado Santo é a terra
de ninguém entre a morte e a ressurreição, mas nesta terra de ninguém entrou
Alguém, o Único, que a atravessou com os sinais da sua Paixão pelo homem (“Passio
Christi, passio hominis”. E o Sudário fala-nos exactamente desse momento, testemunha
precisamente aquele intervalo único e irrepetível na história da humanidade e do universo,
em que Deus, em Jesus Cristo, partilhou não só o nosso morrer, mas também o nosso
permanecer na morte. A solidariedade mais radical”.
Neste “tempo para além
do tempo”, Jesus Cristo desceu à mansão dos mortos”. Que significa esta expressão?
– interrogou-se o Papa
“Quer dizer que Deus, feito homem, foi ao ponto de
entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega nem um vislumbre de
amor, onde reina o abandono total, sem qualquer palavra de conforto: os infernos.”
“Permanecendo na morte, Jesus Cristo ultrapassou a porta desta solidão última
para nos guiar também a nós a a ultrapassarmos com Ele”. Foi isto o que sucedeu no
Sábado Santo:
“No reino da morte ressoou a voz de Deus. Aconteceu o impensável:
o Amor penetrou nos infernos: mesmo na escuridão mais cerrada da mais absoluta
solidão humana, podemos escutar uma voz que nos chama e encontrar uma mão que nos
agarra e nos traz para fora. O ser humano vive pelo facto de ser amado e poder amar.
Se mesmo no espaço da morte penetrou o amor, quer dizer que também ali chegou a vida”.
“Na
hora da extrema solidão, nunca estaremos sozinhos” – insistiu o Papa. “É este o mistério
do Sábado Santo!” Olhando para este tecido sagrado com os olhos da fé, reflecte-se
para nós algo desta luz: a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio”. “É
este o poder do Sudário (observou Bento XVI): do rosto deste homem das dores
que leva consigo a paixão do homem de todos os tempos e lugares – incluindo as nossas
paixões, sofrimentos, dificuldades e pecados – brota uma solene majestade, um domínio
paradoxal… uma palavra que podemos escutar em silêncio”. O Sudário fala, fala com
o sangue. É um ícone escrito com o sangue… mas um sangue que fala de vida.
“Cada
marca deste sangue fala de amor e de vida. Especialmente aquela mancha abundante no
lado, feita de sangue e água saído copiosamente de uma grande ferida provocada por
um golpe de uma lança romana – aquele sangue e aquela água falam de vida. É como uma
nascente que murmura em silêncio e nós podemos ouvi-la, podemos escutá-la, no silencio
do Sábado Santo!”