Cardeal Tucci fala sobre o Papa Ratzinger e os cinco anos de pontificado
(20/4/2010) O quinto aniversário da eleição do Papa Ratzinger deu ocasião, em Itália
e não só, a variadas intervenções evocando a sua figura e esboçando algum balanço
destes cinco anos de pontificado. Foi o caso de um artigo publicado neste domingo,
18 de Abril, no quotidiano “Il Corriere della Sera”, da autoria do cardeal Roberto
Tucci, antigo director da nossa emissora. Apresentamo-lo na íntegra.
“Quando,
anos atrás, se falava da sua esperança de se reformar, de voltar aos seus estudos,
sempre pensei que o maior desejo do cardeal Joseph Ratzinger era o de poder dedicar-se
à busca de uma nova linguagem, coisa que tinha já começado a fazer nas lições recolhidas
naquele magnífico livro que é a sua “Introdução ao cristianismo”: (desejava decerto)
prosseguir de novo nessa mesma linha, encontrar uma linguagem elevada, mas ao mesmo
tempo compreensível a todos, simples fiéis como também pessoas em busca, crentes e
não crentes. Em 2005 eu já tinha mais de oitenta anos, e portanto não era cardeal
eleitor. Mas se tivesse participado no conclave, teria sem dúvida votado por ele.
Parecia-me a pessoa mais digna: um grande teólogo que é, sobretudo, um homem de grande
espiritualidade. E quando foi eleito, pensei logo que seria um grande pontificado,
um pontificado que ficaria na história. Estes cinco anos confirmaram-mo amplamente. Bento
XVI – observa o cardeal Tucci – é um Papa que procurou e encontrou uma nova linguagem:
nas homilias, nas audiências das quartas-feiras, nas encíclicas. É importante a imagem
bíblica do “pátio dos gentios”, o átrio externo do Templo de Jerusalém, que evocou
recentemente falando do diálogo com os não crentes: “a Igreja (sugeriu Bento XVI,
falando à Cúria Romana, no Natal passado) deveria também hoje predispor uma espécie
de pátio dos gentios, onde os homens possam de algum modo aproximar-se de Deus,
mesmo sem O conhecer e antes de terem acesso ao Seu mistério”. O Pontífice está convencido
de que há muitas pessoas que procuram, em vão, alguém que lhes possa mostrar o que
têm já dentro de si: quase um método maiêutico, socrático. Está muito enganado
quem considerar que o Papa está numa posição de conflito com a cultura do nosso tempo.
Se há alguém que conheça em profundidade o pensamento laico contemporâneo é precisamente
Bento XVI, como se viu por exemplo no confronto com Jurgen Habermas. Tem uma cultura
vastíssima, embora nunca a ostente. E quando discute, é inegável, não desarma. Mas
uma coisa é certa: quem conversa e se confronta com o Papa dá-se conta que este o
compreende, escuta e compreende. Mesmo quando não está de acordo com a substância,
arranja maneira de mostrar que as palavras do interlocutor de algum modo enriqueceram
o seu próprio pensamento.
O que um pouco me deixou surpreso, isso sim, foi
a sua determinação em tomar decisões. Mas também isto, em última análise, depende
da sua espiritualidade fundamental. O pontífice é uma pessoa integérrima e um homem
que amadurece as próprias decisões pensando, escrevendo, mas sobretudo meditando e
rezando. E tem a ousadia de correr riscos se, diante de Deus e na oração, se considera
no dever de o fazer. Sabia muito bem que corria o risco de ser recusado quando revogou
a excomunhão aos lefebvrianos, para os ajudar a repensar a sua posição e a voltarem
ao seio da Igreja. Ou quando, antes ainda, concedeu como forma extraordinária e não
obrigatória, o uso do missal latino. Mas nem por isso deixou de tomar essas decisões:
sentia-se em consciência no dever de fazer tudo o que estava ao seu alcance para recompor
aquela dissidência. Também na questão dos padres pedófilos, desde quando era
cardeal que mostrou uma capacidade de intervenção tempestiva, clara, mesmo comprometedora.
Como quando na Via Sacra de 2005 disse: “Quanta imundície há na Igreja, e precisamente
entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente ao Senhor!”. Como
bom intelectual, Bento XVI pensa profundamente e, uma vez tomada uma decisão, enfrenta
sem medo os problemas: como mostrou na Carta aos católicos irlandeses. Aliás sempre
foi uma pessoa corajosa. Nos tempos do Concílio, jovem teólogo, inspirava o cardeal
Josef Frings e contribuía para a redacção de muitos dos seus discursos: recordo ainda
uma sua crítica impiedosa aos métodos do Sant’Uffizio de então, uma intervenção de
tal modo dura que o cardeal Ottaviani ficou tão ofendido que abandonou a aula conciliar
e pretendeu desculpas! Precisamente durante o Vaticano II, eu fazia parte de um grupo
de teólogos que colaboravam na redacção do texto “Gaudium et spes”, sobre a Igreja
no mundo contemporâneo. Alguns anos depois, calhou-me ter ocasião de ver um texto
de mons. Ratzinger com algumas interessantes críticas, benévolas, àquela Constituição
pastoral do Concílio. E pensei cá para mim: que pena que não estivesse ele no meu
lugar, porque o texto conciliar, embora muito bom, teria sido ainda melhor, sem dúvida
alguma. Quando lhe vou apresentar as boas-festas, no Natal (conclui o cardeal
Tucci), digo-lhe sempre “Obrigado pelo seu magistério, Santo Padre!” as suas encíclicas,
as suas homilias, o seu pensamento ficarão para o futuro. Será preciso deixar passar
um certo tempo para o poder julgar. E para verificar, a partir dos efeitos das suas
decisões, que tinha visto bem. Eu próprio recordo que fiquei incomodado, em 2005,
com aquelas palavras da Via Sacra. Nessa altura pareceu-me que tinha exagerado. De
maneira semelhante, em muitas coisas, haverá que dizer: razão tinha ele”.
Palavras
do cardeal Roberto Tucci, a propósito dos cinco anos da eleição de Bento XVI. Um artigo
publicado a 18 de Abril no jornal italiano “Corriere della Será”, com o título “Uma
nova linguagem capaz de falar a fiéis e a ateus”. Jesuíta, o cardeal Tucci foi director
da Rádio Vaticano e organizador das viagens apostólicas de João Paulo II. Ontem mesmo,
19 de Abril, completou 89 anos.