UM MÊS APÓS O TERREMOTO, HAITI RECORDA SEUS MORTOS
Porto Príncipe, 13 fev (RV) – Sobre os escombros das igrejas destruídas, em
parques ou nas calçadas, milhares de haitianos rezaram – nesta sexta-feira - na capital
do Haiti, Porto Príncipe, para marcar um feriado nacional destinado a lembrar as vítimas
do terremoto de magnitude 7,0 na escala Richter, que matou mais de 200 mil pessoas.
Líderes religiosos reuniram-se para celebrar uma cerimônia ecumênica, nas proximidades
do Palácio Nacional, em homenagem aos mortos.
Um bispo católico e o chefe dos
sacerdotes vodu se juntaram a ministros protestantes, para oficiar um serviço religioso
sob a sombra de mimosas, nas adjacências do destruído Palácio Nacional. Um imame também
participou do encontro.
Os homens usavam lenços pretos ao redor dos braços
em sinal de luto e as mulheres, vestidos brancos. Entre os participantes estavam pessoas
em cadeiras de rodas ou usando muletas, por terem sofrido amputações em consequência
do terremoto.
O Presidente Rene Préval chorou durante o serviço: "A dor é muito
grande; não há palavras para descrevê-la" – disse ele, num de seus primeiros discursos
públicos em semanas.
O chefe do Estado revelou que estava no local como um
pai e não como o presidente, mas pediu que o povo mantivesse apoio ao Governo. Ele
não mencionou os vários pequenos protestos realizados no decorrer desta semana, pedindo
sua saída do cargo, em razão de sua falta de liderança durante a crise.
As
pessoas lotaram igrejas em Petionville, subúrbio de Porto Príncipe, e colocaram alto-falantes
para que aqueles que estavam nas ruas pudessem acompanhar o serviço. Outras foram
para os escombros do que fora uma igreja católica e uma igreja evangélica, para recordar
as vítimas anonimamente enterradas em valas comuns na periferia da capital.
Todos
os haitianos ergueram suas mãos para o céu e cantaram: hinos e música gospel podiam
ser ouvidos pela cidade devastada. "Todas as famílias foram afetadas pela tragédia
e estamos celebrando a memória dos que perdemos" - disse um sobrevivente, Desiré Joseph
Dorsaintvil.
Muitos dos marcos religiosos de Porto Príncipe foram destruídos,
entre eles a Catedral Católica romana; a Igreja do Sagrado Coração (a mais antiga
do Haiti) e a Igreja Episcopal da Santíssima Trindade, com murais com Jesus Cristo,
a Virgem Maria e discípulos negros pintados por grandes artistas haitianos, na década
de 1950.
Mais de um milhão de pessoas perderam suas casas e as agências humanitárias
lutam para fornecer abrigos, antes da chegada das chuvas. Alguns haitianos se perguntam
se Deus abandonou seu país – a primeira república negra do mundo, fundada em 1804,
após uma rebelião de escravos. Todavia, o bispo auxiliar de Porto Príncipe, Dom Joseph
Lafontant, observou que "a natureza pode ser hostil ao homem, mas Deus não nos deixará
sozinhos".
Durante o serviço matutino, o líder vodu Max Beauvoir disse à congregação
que o terremoto trouxe um tempo para a união de todas as crenças religiosas. Ele homenageou
os que perderam a vida e, referindo-se à crença vodu na reencarnação, declarou: "Os
corpos morrem, mas as almas nunca morrem, porque reencarnam."
"Este dia é
para honrar todos os que perdemos e olhar para o futuro" – afirmou, por sua vez, Percil
St. Louis, um católico de 43 anos. "Nós todos precisamos nos unir como nação."
Um
mês após o violento terremoto de 12 de janeiro – o pior da história do Haiti – um
enorme esforço internacional ainda não se traduziu em ajudas para a população do bairro
de Marassa 14, em Porto Príncipe: ali, as pessoas continuam precisando de comida,
abrigo e segurança, enquanto buscam construir uma nova comunidade a partir do zero.
Mais
de 2.500 pessoas estão dormindo ao relento, em meio à sujeira na área. Identidades
escritas a mão registram quem pertence ao lugar, enquanto mulheres servem bananas
fritas e fruta-pão para famílias que lutam para alimentar suas crianças.
Trinta
dias depois dos 40 segundos de abalos sísmicos que ceifaram 200 mil vidas humanas,
os sobreviventes do Haiti lutam para tentar refazer suas vidas. A comida ainda não
chegou aos três milhões que dela necessitam (um terço da população haitiana).
No
centro da capital, centenas de pessoas marcharam, na última quinta-feira, partindo
do destruído Palácio Presidencial até à sede provisória do Governo, pedindo a renúncia
do Presidente René Préval. (AF)