Na Sinagoga de Roma, Bento XVI assegura como irreversíveis o respeito e amizade entre
Católicos e Judeus e aponta formas de acção comum
(18/1/2010) “Fortalecer os elos que nos unem e continuar a percorrer o caminho da
reconciliação e da fraternidade” foi – segundo as palavras do Papa no seu discurso
– o objectivo desta sua visita à Sinagoga de Roma. Evocando a histórica visita de
João Paulo II, há vinte e quatro anos, Bento XVI declarou desejar manifestar assim
a sua “estima e afecto” à comunidade dos Judeus de Roma assim como às comunidades
hebraicas dispersas pelo mundo, confirmando e reforçando o caminho traçado pelo seu
predecessor com este “momento de encontro e de amizade”. O Santo Padre quis antes
de mais assegurar que a actual posição da Igreja Católica em relação ao povo judeu,
na sequência do Vaticano II, é irreversível:
“A doutrina do Concílio Vaticano
II representou para os Católicos um ponto firme ao qual referir-se constantemente
na atitude e nas relações com o povo hebraico, assinalando uma nova e significativa
etapa. O acontecimento conciliar deu um impulso decisivo, caminho irrevogável de diálogo,
de fraternidade e de amizade, que se aprofundou e desenvolveu nestes quarenta anos
com passos e gestos importantes e significativos…”
Declarando que também ele
próprio tem querido, nestes anos de pontificado, mostrar a sua proximidade e o seu
afecto para com o povo da Aliança, Bento XVI recordou a sua viagem à Terra Santa,
em Maio do ano passado, assim como os muitos encontros tidos com Comunidades e Organizações
Hebraicas e as sua visitas às sinagogas de Colónia e de Nova Iorque.
“A Igreja
não deixou de deplorar as faltas dos seus filhos e filhas, pedindo perdão por tudo
o que pôde favorecer de algum modo as chagas do anti-semitismo e do anti-judaísmo.
Possam estas chagas sanar para sempre!”
Bento XVI evocou o século XX como
“uma época verdadeiramente trágica para a humanidade”, com guerras que semearam destruição,
morte e sofrimento. Um tempo em que (afirmou) “ideologias terríveis que tinham na
raiz a idolatria do homem, da raça e do Estado, levaram uma vez mais o irmão a matar
o seu irmão”.
“O singular e dilacerante drama da Shoa representa, de algum
modo, o vértice de um caminho de ódio que nasce quando o homem esquece o seu Criador
e se coloca a si mesmo no centro do universo”.
Como já declarara a quando
da sua visita a Auschwitz, em 2006, Bento XVI, reconhecendo que “os potentados do
Terceiro Reich queriam esmagar o povo judeu na sua totalidade”, observou que, em última
análise, “com o aniquilamento deste povo, pretendiam matar aquele Deus que chamou
Abraão”. Neste contexto, o Papa recordou expressamente os Judeus romanos arrancados
às suas casas, diante destas paredes, para serem conduzidos e mortos em Auschwitz.
“Como
é possível esquecer os seus rostos, os seus nomes, as lágrimas, o desespero de homens,
mulheres, crianças? Naquele dia, tragicamente chegou também a Roma o extermínio do
povo da Aliança de Moisés, antes anunciado e depois sistematicamente programado e
realizado na Europa sob o domínio nazista. Infelizmente, muitos ficaram indiferentes,
mas muitos, mesmo entre os católicos italianos, animados pela fé e pelo ensinamento
cristão, reagiram com coragem, abrindo os braços para socorrer os Judeus bloqueados
e fugitivos, muitas vezes com o risco da própria vida, merecendo perene gratidão”.
Numa
leve alusão ao Papa Pio XII, o actual pontífice recordou que “também a Sé Apostólica
desenvolveu uma acção de socorro, muitas vezes escondida e discreta”, acrescentando:
“A memória destes acontecimentos deve levar-nos a reforçar os elos que nos
unem para que cresçam cada vez mais a compreensão, o respeito e o acolhimento. A
nossa proximidade e fraternidade espirituais encontram na Bíblia Sagrada… o fundamento
mais sólido e perene, segundo o qual somos constantemente colocados perante as nossas
raízes comuns, a história e o rico património espiritual que partilhamos”.
De
entre as “numerosas implicações que derivam da herança comum da Lei e dos Profetas”,
Bento XVI quis recordar algumas:
“antes de mais, a solidariedade que liga
a Igreja e o povo hebraico ao nível da sua própria identidade espiritual e que oferece
aos cristãos a oportunidade de promover um renovado respeito pela interpretação hebraica
do Antigo Testamento; a centralidade do Decálogo como comum mensagem ética de valor
perene para Israel, a Igreja, os não crentes e toda a humanidade; o empenho para preparar
ou realizar o Reino do Altíssimo no cuidado do criado confiado por Deus ao homem para
que o cultive e o proteja responsavelmente”.
Contra a tentação de construir
para si outros ídolos, vitelos de ouro, as “Dez Palavras” (do Decálogo) – sublinhou
o Papa – pedem que se reconheça o único Senhor: “Despertar na nossa sociedade
a abertura à dimensão transcendente, testemunhar o Deus único, é um precioso serviço
que Judeus e Cristãos podem oferecer constantemente”.
Bento XVI recordou
ainda que os Dez Mandamentos, “as Dez Palavras pedem o respeito, a protecção
da vida, contra todas as injustiças e abusos, reconhecendo o valor de cada pessoa
humana, criada à imagem e semelhança de Deus”
“Quantas vezes, em todas as
partes da terra, perto e longe, se espezinham a dignidade, a liberdade, os direitos
do ser humano. Testemunhar conjuntamente o valor supremo da vida contra todo o egoísmo,
é oferecer um importante contributo a favor de um mundo em que reine a justiça e a
paz, o shalom desejado e proposto pelos legisladores, profetas e sapientes
de Israel”.
Bento XVI recordou ainda que os Dez Mandamentos chamam a conservar
e promover a santidade da família. “Testemunhar que a família continua a ser a célula
fundamental da sociedade e o contexto de base em que se aprendem e exercem as virtudes
humanas é um precioso serviço a oferecer para a construção de um mundo de rosto mais
humano”. Finalmente, o preceito fundamental do amor ao próximo:
“Como
ensina Moisés na Shemà – e Jesus reafirma no Evangelho – todos os mandamentos se resumem
no amor de Deus e na misericórdia para com o próximo. Tal Regra empenha Judeus e Cristãos
a exercerem, no nosso tempo, uma generosidade especial para com os pobres, as mulheres,
as crianças, os estrangeiros, os doentes, os débeis, os necessitados… Com o exercício
da justiça e da misericórdia, Hebreus e Cristão são chamados a anunciar e a dar testemunho
ao Reino do Altíssimo que vem, e pelo qual rezamos e actuamos cada dia na esperança”.
“Nesta
direcção, podemos dar passos conjuntamente, conscientes embora das diferenças que
existem entre nós – observou o Papa, que concluiu com um premente convite ao diálogo,
respeito e testemunho comum:
“Cristãos e hebreus têm uma grande parte de património
espiritual em comum, rezam ao mesmo Senhor, têm as mesmas raízes, mas permanecem muitas
vezes desconhecidos um ao outro. Toca a nós, em resposta à chamada de Deus, actuar
para que permaneça sempre aberto o espaço do diálogo, do respeito recíproco, do crescimento
na amizade, no testemunho comum perante os desafios do nosso tempo, que nos convidam
a colaborar a bem da humanidade neste mundo criado por Deus, o Omnipotente e Misericordioso”.
As últimas palavras da sua vibrante alocução às mais de mil pessoas concentrada
no “Templo Maior” – a grande Sinagoga de Roma – foram pronunciadas pelo Papa em língua
hebraica: um versículo do Salmo 117, convidando todos os povos a cantarem o louvor
do Senhor, porque é grande o seu amor por nós e a sua fidelidade permanece para sempre,