Cidade do Vaticano, 05 dez (RV) – Leia a seguir, na íntegra, o discurso de
Bento XVI aos bispos dos Regionais Sul 3 e 4 e a saudação do presidente do Regional
Sul 4, Dom Murilo Krieger, ao Santo Padre:
DISCURSO DO PAPA
Venerados
Irmãos no Episcopado,
Dou as boas-vindas e saúdo a todos e cada um de vós,
ao receber-vos colegialmente no quadro da vossa visita ad limina. Agradeço a Dom Murilo
Krieger as expressões de devotada estima que me dirigiu em nome de todos vós e do
povo confiado aos vossos cuidados pastorais nos Regionais Sul 3 e 4, expondo também
os seus desafios e esperanças. Ouvindo estas coisas, sinto elevarem-se do meu coração
ações de graças ao Senhor pelo dom da fé misericordiosamente concedido às vossas comunidades
eclesiais e por elas zelosamente conservado e arduamente transmitido, em obediência
ao mandato que Jesus nos deixou de levar a sua Boa Nova a toda a criatura, procurando
impregnar de humanismo cristão a cultura atual.
Referindo-me à cultura, o pensamento
dirige-se para dois lugares clássicos onde a mesma se forma e comunica – a universidade
e a escola –, fixando a atenção principalmente nas comunidades acadêmicas que nasceram
à sombra do humanismo cristão e nele se inspiram, honrando-se do nome «católicas».
Ora «é precisamente na referência explícita e compartilhada de todos os membros da
comunidade escolar – embora em graus diversos – à visão cristã que a escola é “católica”,
já que nela os princípios evangélicos tornam-se normas educativas, motivações interiores
e metas finais» (Congr. para a Educação Católica, Doc. A escola católica, n. 34).
Possa ela, numa convicta sinergia com as famílias e com a comunidade eclesial, promover
aquela unidade entre fé, cultura e vida que constitui a finalidade fundamental da
educação cristã.
Entretanto também as escolas estatais, segundo diversas formas
e modos, podem ser ajudadas na sua tarefa educativa pela presença de professores crentes
– em primeiro lugar, mas não exclusivamente, os professores de religião católica –
e de alunos formados cristãmente, assim como pela colaboração das famílias e pela
própria comunidade cristã. Com efeito, uma sadia laicidade da escola não implica a
negação da transcendência, nem uma mera neutralidade face àqueles requisitos e valores
morais que se encontram na base de uma autêntica formação da pessoa, incluindo a educação
religiosa.
A escola católica não pode ser pensada nem vive separada das outras
instituições educativas. Está ao serviço da sociedade: desempenha uma função pública
e um serviço de pública utilidade, não reservado apenas aos católicos, mas aberto
a todos os que queiram usufruir de uma proposta educativa qualificada. O problema
da sua paridade jurídica e econômica com a escola estatal só poderá ser corretamente
impostado se partirmos do reconhecimento do papel primário das famílias e subsidiário
das outras instituições educativas. Lê-se no artigo 26 da Declaração Universal dos
Direitos do Homem: «Os pais têm direito de prioridade na escolha do gênero de educação
a ser ministrada aos próprios filhos». O empenho plurissecular da escola católica
situa-se nesta direção, impelido por uma força ainda mais radical, ou seja, a força
que faz de Cristo o centro do processo educativo.
Este processo, que tem início
nas escolas primária e secundária, realiza-se de modo mais alto e especializado nas
universidades. A Igreja foi sempre solidária com a universidade e com a sua vocação
de conduzir o homem aos mais altos níveis do conhecimento da verdade e do domínio
do mundo em todos os seus aspectos. Apraz-me tributar aqui a mais viva gratidão eclesial
às diversas congregações religiosas que entre vós fundaram e suportam renomadas universidades,
lembrando-lhes, porém, que estas não são uma propriedade de quem as fundou ou de quem
as freqüenta, mas expressão da Igreja e do seu patrimônio de fé.
Neste sentido,
amados Irmãos, vale a pena lembrar que em agosto passado, completou 25 anos a Instrução
Libertatis nuntius da Congregação da Doutrina da Fé, sobre alguns aspectos da teologia
da libertação, nela sublinhando o perigo que comportava a assunção acrítica, feita
por alguns teólogos de teses e metodologias provenientes do marxismo. As suas seqüelas
mais ou menos visíveis feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa, anarquia fazem-se
sentir ainda, criando nas vossas comunidades diocesanas grande sofrimento e grave
perda de forças vivas. Suplico a quantos de algum modo se sentiram atraídos, envolvidos
e atingidos no seu íntimo por certos princípios enganadores da teologia da libertação,
que se confrontem novamente com a referida Instrução, acolhendo a luz benigna que
a mesma oferece de mão estendida; a todos recordo que «a regra suprema da fé [da Igreja]
provém efetivamente da unidade que o Espírito estabeleceu entre a Sagrada Tradição,
a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, numa reciprocidade tal que os três não
podem subsistir de maneira independente» (João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 55).
Que, no âmbito dos entes e comunidades eclesiais, o perdão oferecido e acolhido em
nome e por amor da Santíssima Trindade, que adoramos em nossos corações, ponha fim
à tribulação da querida Igreja que peregrina nas Terras de Santa Cruz.
Venerados
Irmãos no episcopado, na união a Cristo precede-nos e guia-nos a Virgem Maria, tão
amada e venerada nas vossas dioceses e por todo o Brasil. Nela encontramos, pura e
não deformada, a verdadeira essência da Igreja e assim, através dela, aprendemos a
conhecer e a amar o mistério da Igreja que vive na história, sentimo-nos profundamente
uma parte dela, tornamo-nos por nossa vez «almas eclesiais», aprendendo a resistir
àquela «secularização interna» que ameaça a Igreja e os seus ensinamentos.
Enquanto
peço ao Senhor que derrame a abundância da sua luz sobre todo o mundo brasileiro da
escola, confio os seus protagonistas à proteção da Virgem Santíssima e concedo a vós,
aos vossos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, aos leigos empenhados, e a todos
os fiéis das vossas dioceses paterna Bênção Apostólica.
SAUDAÇÃO DE DOM
MURILO KRIEGER, ARCEBISPO DE FLORIANÓPOLIS
Santo Padre,
Deixamos
nossas Igrejas Particulares e viemos a Roma para ser confirmados pelo sucessor de
Pedro em nossa missão (cf. Lc 22,32). Procuraremos responder a três perguntas que,
segundo pensamos, estão em seu coração.
Quem somos? Somos os Bispos de Santa
Catarina e do Rio Grande do Sul. Nesses dois Estados há 28 Dioceses. Nossa região
tem uma natureza privilegiada e ali mora um povo de ricas tradições culturais e religiosas.
Dos portugueses açorianos, que para lá foram no século dezoito, e dos alemães, italianos,
poloneses, ucranianos e austríacos, que imigraram nos séculos dezenove e vinte, herdamos,
sobretudo, a fé. Nossas terras foram regadas com o sangue de mártires – alguns deles,
elevados às honras dos altares: Pe. Roque Gonzales de Santa Cruz, Pe. Afonso Rodrigues
e Pe. João de Castilho, canonizados em 1988; Pe. Manuel Gómez Gonzáles e o Coroinha
Adílio Daronch, beatificados em 2007; e Albertina Berkenbrock, beatificada também
em 2007. Uma santa, canonizada em 2002, hoje muito conhecida no Brasil, Santa Paulina
do Coração Agonizante de Jesus, andou por nossas estradas, atendeu a nossos doentes
e foi catequista de muitas crianças. Nossas comunidades deram à Igreja um considerável
número de bispos, sacerdotes, diáconos permanentes, religiosos e religiosas. Nossos
leigos – uma multidão! – nos edificam com sua disponibilidade e generosidade. Pastores
das ovelhinhas que o Bom Pastor nos confia, não conseguimos realizar todos os nossos
sonhos. Anima-nos, contudo, a certeza de que o Senhor vem ao encontro de nossas limitações.
Sabemos, também, que sua graça é poderosa, capaz de transformar e enriquecer o coração
de nosso povo.
O que trazemos? Trazemos, Santo Padre, o desejo de expressar-lhe
nossa unidade, nossa obediência e disponibilidade. Em nosso dia a dia, nos trabalhos
no Reino de Deus, suportamos com amor o peso do dia e do calor ardente (cf. Mt 20,12).
Num mundo marcado pelo relativismo e individualismo, nossos desafios se multiplicam.
Por isso, trazemos o desejo de, com o sucessor de Pedro, rezar por nossas famílias,
comunidades de vida e de amor; por nossos jovens que, como Vossa Santidade nos lembrou
em sua Visita ao Brasil, são "o presente jovem da Igreja e da humanidade" (Encontro
com os Jovens no Pacaembu, 10.05.2007); por nossas crianças, que são o maior patrimônio
de nossas dioceses; e por nossos doentes, sobre os quais pousa o olhar carinhoso de
Cristo.
O que esperamos levar? Nossas Igrejas Particulares nos acompanham nesta
visita, com suas orações, e esperam receber vossa bênção de pai. Esperamos levar-lhes
vossa palavra amiga e orientadora, sabendo, de antemão, que, nesses encontros com
os regionais do Brasil, cada mensagem que Vossa Santidade transmite é dirigida a todos
os brasileiros. Esperamos levar um coração renovado, para realizar com alegria, cada
dia, a grande tarefa da Igreja, "de custodiar e alimentar a fé do Povo de Deus" (Bento
XVI, Abertura da Conferência de Aparecida, 13.05.09). Esperamos, sobretudo, levar
a presença de Cristo, que se torna realidade neste nosso encontro. Para isso, contamos
com a intercessão da Mãe de Jesus, invocada em nosso país com o título de Nossa Senhora
Aparecida.