Xingu, 29 out (RV) - Dom Erwin Krautler, bispo do Xingu, quer uma nova audiência
com o presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, para conversar sobre a construção
da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. O desejo do bispo é “tratar olho no olho”
sobre a matéria.
Numa carta enviada a Messias Franco, Dom Erwin diz que tem
tido insônia com as suas declarações de que as audiências públicas no Xingu e em Belém
já são suficientes para a sociedade avaliar as consequências da obra. Leia abaixo
a íntegra da carta escrita por Dom Erwin:
Dr. Roberto Messias Franco DD.
Presidente do IBAMA Altamira, 22 de outubro de 2009
Excelência, Senhor
Presidente do IBAMA, Caríssimo irmão,
Lembro vivamente a nossa viagem
em 14 de setembro p.p. na META, de Altamira a Belém, quando estávamos sentados um
ao lado do outro e, de repente, nos demos conta da função e do ministério que cada
um exerce. V. Excia. ainda gentilmente me apresentou a advogada do IBAMA, Dra. Andrea.
Depois
daquela viagem pensei entrar em contato com V. Excia. e marcar, se fosse possível,
uma audiência para, à viva voz e olho no olho, tratarmos de assuntos que me preocupam
imensamente em relação ao planejado AHE Belo Monte. O que me causa até insônias é
a afirmação de V. Excia., veiculada pela imprensa, segundo a qual as quatro audiências
públicas realizadas no Xingu e em Belém seriam consideradas suficientes para que a
sociedade pudesse avaliar as consequências da obra planejada.
Peço vênia
para divergir do posicionamento de V. Excia. Estou totalmente convicto de que a população
do Xingu, que eu conheço muito bem, não teve nestas quatro audiências nem suficiente
oportunidade de avaliar o projeto no que concerne às consequências irreversíveis nem
o espaço necessário para manifestar seu ponto de vista. Tenho a impressão de que as
audiências não passaram de mera formalidade. Na realidade, grande parte do povo que
será atingido e impactado, se o projeto realmente for executado, ou não estava presente
nas reuniões ou não conseguia manifestar-se. A maior parte do povo que será atingido
vive muito distante da cidade.
Não seria mais humano ir até os lugares,
por exemplo à Volta Grande, onde este povo vive e trabalha e onde realmente vai sofrer
os tremendos impactos que modificarão toda a sua vida e a de suas famílias?
Não
seria mais humano ir às aldeias para simplesmente ouvir o que os indígenas hão de
dizer sem subjugá-los logo com uma ladainha já conhecida, mas até hoje não comprovada,
de benefícios que o projeto vai trazer?
Não seria mais humano ir até às vicinais
da Rodovia Transamazônica para encontrar-se com o povo da roça e ficar atento aos
seus anseios e medos quanto à implementação de um projeto dessa magnitude?
Não
seria mais humano ir para os bairros de Altamira que serão alagados para encontrar-se
com o povo que está apavorado, pois seu futuro e o futuro de seus filhos está em jogo?
Não seria mais humano ir também aos municípios de Senador José Porfírio e
Porto de Moz para ouvir o que a população, à jusante do rio Xingu, tem a dizer a respeito
desse projeto que, em grande parte, secará seus rios?
Parece-me que até esta
data somente as considerações e análises do setor energético do Governo estão sendo
levadas em conta e pesam. No entanto há cientistas de renome nacional e internacional,
estudiosos e peritos que se manifestam diametralmente opostos às ponderações daquele
setor e comprovam cientificamente a inviabilidade socioambiental e até financeira
do projeto. Os representantes do Governo, numa reunião realizada na casa da Prelazia
em Altamira, até admitiram que os problemas não se situam na dimensão técnica, mas
na dimensão socioambiental.
Ninguém duvida que o Brasil tem o know-how necessário
para implantar Usinas Hidrelétricas, mas tenho absoluta certeza de que na dimensão
socioambiental os estudos elaborados deixam muito a desejar e carecem de um maior
aprofundamento, pois não se trata de máquinas e diques, de paredões de cimento e canais
de derivação, mas de pessoas humanas de carne e osso, que conheço, de mulheres e homens,
crianças, adultos e idosos, que sofrerão os impactos. Trata-se ainda do meio-ambiente,
o lar que Deus criou para estes povos, que já começou a sucumbir fatalmente às inescrupulosas
investidas de destruição e aniquilamento, tornando-se inabitável e deserto como já
estou vendo em outras regiões do Xingu.
Eis a razão por que os movimentos
sociais e povos indígenas da região da Transamazônica e do Xingu solicitaram ao Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) a realização de 17 audiências
públicas complementares.
Faço o meu apelo a V. Excia. e à sua formação cristã
que não deixe de ouvir esse grito. Conheço o Xingu como a palma da minha mão. Conheço
os povos do Xingu, de perto e pessoalmente, de inúmeros encontros, celebrações, reuniões
e contatos, ao longo de 44 anos que aqui vivo, quase 30 dos quais como bispo. Amo
esses povos e por isso entendo a minha missão de pastor como a missão de também irmanar-me
com esses povos e seus movimentos e organizações na defesa do lar em que vivem e de
seus legítimos anseios e suas esperanças contra agressões de qualquer tipo.
V.
Excia. no cargo que ocupa e no ministério que exerce foi escolhido como guardião do
Meio Ambiente. Faço votos de que sempre tenha a coragem e a força necessárias para
tomar as decisões que, realmente e de modo sustentável, favorecem o Brasil e o seu
povo. V. Exci. poderá sempre contar com minhas orações.